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‘Ben-Hur’ com Santoro opõe conciliação à violência

O diretor Timur Bekmambetov se recusa a competir com o épico de 1959: seu 'Ben-Hur' é um filme de ação bem coreografado

Por Isabela Boscov
Atualizado em 18 ago 2016, 12h34 - Publicado em 18 ago 2016, 12h33

O ano é 33 d.C. Os romanos ocupam a Judeia, Pôncio Pilatos é o governador, profetas andam pela Palestina anunciando o fim dos tempos, focos de insurreição despontam nas vielas de Jerusalém. A atmosfera é de combustão iminente: uma palha a mais nessa fogueira e ela vai se alastrar. Os detalhes do período estão todos lá. Mas é no Oriente Médio de hoje que está a cabeça do diretor cazaque Timur Bekmambetov — na sua rotina de atrito ininterrupto, de espaço dividido forçosamente, de desconforto permanente. Ben-Hur (Estados Unidos, 2016), que estreia no país nesta quinta-feira, leva o nome do clássico que Charlton Heston estrelou em 1959 e parte do mesmo romance publicado pelo americano Lew Wallace em 1880. Mas sua coloração é diversa: se o triunfalismo do original podia ser entendido como uma reafirmação do espírito americano (além de um aceno ao recém-nascido Estado de Israel), esta nova versão transpira uma inquietude quase animal. É no recalcitrar das pessoas contíguas demais que Bekmambetov instintivamente se fixa, e a tela está quase sempre preenchida pelo volume de corpos humanos fotografados com a voluptuosidade, a dinâmica e a paleta de um Caravaggio; com sua sensibilidade barroca, o diretor reage antes de mais nada a esse tumulto — e acaba assim batendo em algo bem mais original, e muito mais epidérmico, que os paralelos políticos de praxe.

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É bom esclarecer que não há como comparar o Ben-Hur de 1959 com este de 2016. O filme do diretor William Wyler permanece o über-épico, e tudo nele tem outra medida — os onze Oscar que ganhou, as três horas e meia de duração, os milhares de figurantes, os esgares de Charlton Heston. O novo Ben-Hur não é um épico; é um filme de ação para a plateia contemporânea. É mais curto e condensado (duas horas), mais simples e conciliador, e repleto de cenas acachapantes. Foi-se embora toda e qualquer sugestão homoerótica — aquele climão que rolava cada vez que Stephen Boyd, no papel do tribuno romano Messala, punha os olhos no príncipe judeu Judah Ben-Hur (vale notar que Heston nunca soube que Wyler e Boyd haviam combinado que Messala teria motivações carnais). Agora, o Messala do carismático Toby Kebbell é um órfão romano criado como irmão do Judah interpretado pelo suave e realmente principesco Jack Huston; a paixão existe, mas é fraterna. E se torna fratricida quando, em busca de um rumo próprio na vida, Messala se junta ao Exército romano, galga postos e retorna a Jerusalém como um tribuno cioso do dever: quando um tumulto envolvendo Judah estraga a chegada de Pilatos à cidade, ele entrega à morte toda a família que o salvou, e o irmão adotivo à escravidão nas galés.

Quem é mais traidor?, indaga o filme — Messala, que foi criado por judeus mas assumiu a crueldade romana, ou Judah, que insistiu num apaziguamento medroso do invasor e falhou? A resposta vem na forma do Jesus contido mas cheio de empatia de Rodrigo Santoro, que tem uma participação incisiva na história: nem Judah nem Messala são mais ou menos traidores. Ambos são vítimas e então propagadores da política do ódio. Em última análise, está correto o diagnóstico, nitidamente endereçado às partes do conflito Israel-Palestina. O difícil, óbvio, é achar uma cura, e a trajetória de Messala e Judah até a redenção inclui imensa violência. Judah vai passar cinco anos em grilhões, remando no porão fétido de uma galé, até se salvar por um triz do naufrágio, durante uma batalha naval estupendamente filmada. Sua mãe e sua irmã vão apodrecer de lepra numa cela romana. E Messala e Judah — não mais rapazes, mas agora homens ferozes — vão decidir sua parada na arena, comandando quadrigas em uma corrida assassina.

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A corrida foi sempre a pièce de résistance de Ben-Hur, e aí Bekmambetov vai às vias de fato: se até essa cena ele sensatamente se recusara a competir com o filme original, nela ele se dá rédea solta. Não há câmera ou grua de última geração que ele não utilize para compor a sequência, toda ela tão desenfreada e brutal (e excitante) que a plateia teme pela vida dos atores. É útil saber que os ingleses Toby Kebbell e Jack Huston foram colocados em carne e osso na arena, conduzindo eles próprios as quadrigas: esse dado dá um acréscimo decisivo de emoção à cena, porque substitui a cautelosa computação gráfica pela sensação do perigo real — ainda que praticado em condições controladas.

Não fosse a sequência tão furiosa, e tão boa a interpretação de Kebbel e Huston, talvez soasse postiça a cena em que, esgotado pela vingança, Judah acompanha o périplo de Cristo pelas ruas de Jerusalém e assiste à sua crucificação. De novo Bekmambetov recorre a uma belíssima composição barroca, cuja eloquência está na vulnerabilidade dos três corpos presos à cruz — o de Jesus e os dos ladrões que o ladeiam. Em 1959, Charlton Heston saboreava o trucidamento de seu adversário na arena. Agora, esse sofrimento palpável e perverso da carne de um homem bom é o que ilumina, para Judah, a superfluidade da sua violência em um mundo que já a contém em quantidades excessivas. Em 2016, Ben-Hur só faz sentido dessa maneira — mostrando seu cansaço com o ciclo de revanche.

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