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André Rieu e o velho debate da cultura como entretenimento

Sucesso de público com seus espetáculos visuais que misturam trilhas sonoras a valsas vienenses, o maestro desperta a rejeição dos puristas eruditos

Por Carol Nogueira
3 jun 2012, 20h42

Responda rápido: cultura é entretenimento ou é arte? Ou ambos? O debate, sempre presente no âmbito da música e do cinema, ganhou impulso na última semana com a chegada do maestro holandês André Rieu a São Paulo. Conhecido por grandes espetáculos visuais em que toca valsas vienenses e trilhas sonoras, ele faz uma impressionante série de 24 shows na cidade – todos eles praticamente esgotados, com ingressos que chegam a custar 600 reais. Com milhões de fãs ao redor do mundo, os números de Rieu impressionam: o violinista já vendeu mais de 30 milhões de CDs e DVDs – 1 milhão de DVDs só no Brasil. Seu sucesso, porém, levanta questionamentos no meio erudito. Os mais puristas o acusam de distorcer a imagem da música clássica. E até os músicos mais jovens, ainda que também influenciados pela música pop, dizem que o caminho de Rieu não deve ser seguido por outros. A maioria reclama que o público leigo pode acabar considerando Rieu um exemplo da música clássica tradicional quando, na verdade, não é.

No mês passado, o compositor e crítico musical Leonardo Martinelli escreveu um artigo para a revista Concerto no qual chama Rieu de “falsificador”. “Ele vende uma imagem falsificada da música clássica. A música clássica não é apenas aquilo”, diz Martinelli ao site de VEJA. “Ele distrai o seu ouvido com toda aquela parafernália visual. Tanto que isso é estatístico: ele vende mais DVDs do que CDs”, afirma, e propõe um desafio: “Vamos ouvir a música de Rieu de olhos fechados, tirar as luzes, o glitter e os efeitos e ver se a ideia se sustenta.” Outro músico de crossover campeão nas vendas de DVDs, o grego Yanni credita o sucesso de sua música à televisão. “Os DVDs são uma ótima maneira de a pessoa compartilhar a experiência de um show mesmo se ela não puder ver ao vivo. Acredito que as transmissões feitas pelas TVs sejam o principal meio pelo qual as pessoas conhecem minha música e pelo qual decidem comprar os DVDs”, disse ele, que vem ao Brasil em outubro, ao site de VEJA.

A música feita por Rieu está longe de ser considerada exemplar, mas o próprio maestro sabe disso. Em entrevista concedida a jornalistas em São Paulo na semana passada, ele afirmou que se considera, de certa forma, um popstar. Antes de subir ao palco, Rieu entra no local do show pela porta dos fundos, caminhando por entre a plateia até chegar ao palco. E, lá em cima, fica de frente para o público, contrariando praticamente todos os outros maestros “sérios”. Durante o show, o telão mostra imagens de paisagens bonitas (no melhor estilo karaokê) e o público da plateia vip ganha até uma “chuva” de neve falsa. Para divulgar as apresentações que faz no Brasil, Rieu esteve no Domingão do Faustão, onde tocou uma versão orquestrada de Ai Se Eu te Pego, do sertanejo Michel Teló. Mais pop, impossível. E vem daí toda a munição para que os puristas abominem Rieu. E com toda razão.

Crossover – O flerte que Rieu faz com o pop está longe de ser novidade. Chamada de crossover, a mistura do erudito com o popular acontece há anos – quem não se lembra dos Três Tenores? – e já teve adeptos dos dois lados, do clássico ao pop e vice-versa — Sting e Roger Waters estão entre os que já se aventuraram por essas bandas. No Brasil, cresce o número de orquestras que incluem a música popular em seu repertório. A Orquestra Ouro Preto vem ganhando espaço justamente por apostar na interpretação orquestradas de obras dos Beatles e até do cantor Alceu Valença. Para o jovem maestro Rodrigo Toffolo, de 34 anos, essa mistura é excelente para formar novos públicos, especialmente entre os mais jovens. “Quando apresentamos o concerto dos Beatles pela primeira vez, em 2009, nós tínhamos 300 pessoas na nossa página no Facebook e quatro meses depois, tínhamos 5.500”, contou Toffolo ao site de VEJA.

Segundo ele, o mesmo ocorre com Rieu. “A exposição que ele ganhou na mídia brasileira chama a atenção de gente de várias classes sociais. A pessoa pode assistir ao show dele e se interessar em ver outra orquestra. Isso pode virar parte da vida dela”, afirma. Mas a opinião de Toffolo não é unânime nem mesmo para outro maestro tão jovem quanto ele, Carlos Prazeres, de 38 anos, diretor artístico da Orquestra Sinfônica da Bahia e maestro assistente da Orquestra Petrobrás Sinfônica. “Rieu é um excelente fenômeno de entretenimento de massa, mas ele não deve ser considerado um caminho a ser seguido para a renovação da música clássica”, afirma. Para ele, a “parafernália visual” de Rieu tira o foco da música. “Não que a música clássica não deva flertar com a popular. Beethoven é muito mais heavy metal que Ozzy Osbourne. As pessoas ouvem Ozzy hoje porque o Beethoven quebrou com todos os paradigmas lá atrás”, opina.

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Para Martinelli, colocar músicos pop tocando com músicos de formação clássica “é a mesma coisa que servir picanha com camarão”. “Você força a união de duas coisas que nada têm em comum por um interesse quase que invariavelmente mercadológico”, afirma. “O que significa popularizar a música clássica? É oferecer sempre a coisa ruim para o povo? De popular, Rieu não tem nada. Qualquer concerto é mais barato do que o show dele. Se quer ser popular, ele deveria fazer um show de graça”, ironiza.

O compositor abre uma exceção para a prática do crossover quando na mistura do clássico com gêneros – e não artistas – populares. “Nesse caso, falamos de uma composição muito bem elaborada que mistura ‘elementos’ da música clássica com a música popular. Você usa o idioma da música sinfônica para falar da canção popular”, explica. Nessa seara, ele destaca os trabalhos dos maestros brasileiros Cyro Pereira, Nélson Ayres e João Maurício Galindo. Mas faz uma ressalva para a popularização que Toffolo defende. “O leitor de Harry Potter não será leitor de Shakespeare”, compara. “Mas talvez eu esteja sendo purista demais.”

Conheça abaixo três mestres do crossover para “fugir” de André Rieu.

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