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Agora youtuber, Marcelo Tas critica a TV: ‘Precisa inovar mais’

‘Se continuar convencional, vai ser substituída pela internet’, diz apresentador, que fala também do filho transgênero Luc e do tema na novela das 9

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 Maio 2017, 17h32

Marcelo Tas marcou a infância de muita gente nos anos 1990 ao integrar o elenco de programas educativos da TV Cultura. O mesmo espírito que movia os personagens Professor Tibúrcio, do Rá-Tim-Bum, e Telekid, do Castelo Rá-Tim-Bum, estão por trás da nova empreitada do jornalista e apresentador: o canal no YouTube #Descomplicado, em que ele explica o funcionamento das coisas em vídeos publicados uma vez por semana. Agora youtuber, Tas defende a nova classe ao mesmo tempo em que aproveita para cutucar a televisão tradicional. “Vejo muita gente criticando youtubers que falam só sobre si mesmos. Uma pessoa que fala só sobre si mesma é praticamente a origem da arte. O Fernando Pessoa só falava dele mesmo. O youtuber está fazendo o que o Fernando Pessoa fazia, arte. Se é uma grande arte ou não, cada um julga como quiser.”

Tas explica que a vontade de investir mais em internet surgiu à medida que crescia a sua decepção com a TV tradicional. “Eu já andava insatisfeito com a demora da televisão em aceitar as mudanças que a internet trouxe”, conta. “A TV tem que ser menos arrogante, tem que ter coragem de mudar seu modelo de negócio e acreditar mais em inovação. Se continuar convencional, não tenho dúvida de que vai ser substituída pela internet.”  Para ele, um programa como o CQC, da Band, que ele apresentou por sete anos, ainda faria sucesso na televisão – mas precisaria ser reformulado.

É sobre essa necessidade de mudança na televisão e também sobre o filho transgênero, Luc, que pautou um encontro do jornalista com a dramaturga Gloria Perez, enquanto ela preparava a estreia de A Força do Querer, novela que aborda o tema na Globo, que Marcelo Tas falou a VEJA.

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Você já tem mais de trinta anos de carreira na TV. Por que decidiu virar youtuber agora? Eu já andava insatisfeito com a demora da televisão para aceitar as mudanças que a internet trouxe. Nos últimos tempos, passei a me dedicar à produção de conteúdo para as minhas redes sociais, onde tenho muitos seguidores, com textos, fotos e tal. Aí, chegou a hora do óbvio, de fazer aquilo que é parte do meu DNA, que é o vídeo.

No seu canal, você ensina coisas, o que é a internet, como funciona o corretor automático, de onde veio a palavra ‘gay’ etc., o que lembra um pouco os seus personagens Telekid e Professor Tibúrcio. Por que escolheu esse formato? Percebi, há pouco tempo, que isso tem a ver com a minha família. Meus pais eram professores de escola pública no interior de São Paulo. Minhas tias eram educadoras, sempre vivi nesse meio, passava as férias em colônias de professores.

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Muita gente tem preconceito contra youtubers, dizendo que eles não têm nada na cabeça. O que acha desse tipo de crítica? Quando eu comecei a fazer TV, eu era chamado de videomaker em um sentido pejorativo, era sinônimo de vagabundo. Hoje, é o youtuber que é visto assim. o nome disso é preconceito mesmo, principalmente de quem não consegue fazer o que eles fazem — precisa ter muito talento para se comunicar dessa maneira. Vejo muita gente criticando youtubers que falam só sobre si mesmos. Gente, o Woody Allen fala só sobre ele mesmo, sabe? Não estou querendo comparar os youtubers com o Woody Allen, mas uma pessoa que fala só sobre si mesma é praticamente a origem da arte. As mulheres que o Picasso pintou tinham alguma relação com ele, o Fernando Pessoa só falava dele mesmo. O youtuber está fazendo o que o Fernando Pessoa fazia, ele está fazendo arte. Se é uma grande arte ou não, cada um julga como quiser.

A proposta do seu canal no YouTube é descomplicar coisas. Muita gente tem dificuldade de entender o que é a transexualidade. Esse assunto poderia virar uma pauta? Com certeza, está na minha mira. Quero fazer um vídeo com participação do Luc. Ele, inclusive, também começou um canal sobre esse assunto, fala de um jeito transparente e quase didático sobre mudança de nome, uso da testosterona. Dá o caminho das pedras, mesmo.

Você e o Luc falaram pela primeira vez sobre a transição dele em 2014. Como foi a reação das pessoas, do público em geral, quando isso aconteceu? Houve dois tipos de reação. Primeiro, uma resposta violenta que mostra o preconceito do brasileiro com o diferente, com gays, trans. Já estou calejado com relação a isso, percebo que são pessoas fracas emocionalmente, elas vêm gritando. Isso me afeta pouco. A outra reação, muito surpreendente, foi de filhos que me procuraram para desabafar e dizer que seus pais são incapazes de ouvi-los. Gente desesperada, que sofre, que apanha, que se sente torturada por causa da sua orientação sexual ou gênero. E também recebi mensagens de alguns pais confusos, que não sabiam lidar com esse assunto. Algumas pessoas me falaram que, por minha causa e do Luc, elas finalmente puderam conversar com o pais, com os filhos. Era esse o nosso objetivo, convocar pais e filhos para essa conversa.

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De lá para cá, houve alguma mudança, as pessoas estão mais tolerantes? Houve grandes avanços no debate. Se você colocar no Google “Marcelo Tas”, a primeira palavra que vai aparecer como sugestão para completar a frase é “filho”. As pessoas começaram a buscar esse conteúdo, o assunto entrou em pauta. Recentemente, jantei com a Gloria Perez porque ela quis conversar comigo sobre esse tema, já que ia tratar disso na novela A Força do Querer. Foi um bate-papo informal durante um longo jantar. Ela é uma artista muito sensível e eu tenho muita confiança sobre a maneira como vai tratar o tema. Mais do que teorias sobre o assunto, o mais importante quando você vai escrever sobre algo é ter contato com fatos, com pessoas, com quem viveu esse tipo de coisa. Ela falou também com o Luc e a mãe dele, a Claudia. Infelizmente, porém, os números de violência não se alteraram tanto, então a gente constata que a mudança profunda leva mais tempo, tem a ver com a educação, o diálogo.

Chegou a ter medo de que seu filho fosse alvo de intolerância e violência quando ele contou a vocês que era trans? Tive. Vivemos em um país com índices de violência mais elevados do que os de países que estão em guerra. O último número que vi mostrava que no Rio uma pessoa é baleada a cada duas horas. Quando você vê o número de pessoas trans que morrem vítimas de violência, é ainda pior. Mas tenho a sorte de ser de uma classe privilegiada, de poder proporcionar segurança aos meus filhos. Fico pensando nas pessoas que não têm essa mesma condição, estão desamparadas e sujeitas a uma violência brutal.

Já se falou que a internet roubaria público e substituiria a TV, mas já se disse também que a internet vai atuar de maneira complementar à televisão e que as duas vão conviver em harmonia. Como vê isso? A gente caminha para um mundo em que as pessoas vão consumir conteúdo na hora e da maneira que quiserem. A televisão tem que ser menos arrogante, tem que ouvir mais os espectadores, tem que ter coragem de mudar de modelo de negócio e acreditar em inovação. Não estou fugindo da TV, sou TV até o fim, mas não daquela que não quer mudar. Eu vejo televisão no celular e muita gente faz a mesma coisa. Se a TV continuar sendo convencional, não tenho dúvida de que ela vai ser substituída.

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Como acha que as emissoras de TV brasileiras estão lidando com a “concorrência” da internet? De maneira geral, há lentidão. Foi isso que me incomodou no CQC, houve um tempo de reação muito longo para lidar com essas mudanças. As emissoras precisam agir, elas já perderam bastante tempo. Elas precisam pisar essa água já, estabelecer um diálogo com as pessoas que não veem mais TV, porque, se perder esse público para sempre, não haverá travessia para a geração seguinte.

Como vê o CQC hoje? Ainda há espaço para ele? Não tenho dúvidas de que sim. O jovem estava se afastando da política e o programa serviu para trazer para o debate uma parcela das pessoas que tinha desistido de falar do tema. Esse público continua querendo janelas para dialogar. Mas acho que não poderia ser o mesmo CQC de antes, o programa pecou por falta de inovação. Teria que ser um CQC 2018, não um 2008.

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O programa acabou porque se desgastou ou houve muitos desentendimentos entre os participantes que tornaram difícil tocar o projeto? O desentendimento é uma balela, quase uma cortina de fumaça. Um programa de TV que dura oito anos é bastante saudável, basta contar quantos programas estão no ar há tanto tempo. Ele poderia ter tido uma vida mais longa se tivesse se renovado.

 

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