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Abraçado pelo poder público, o funk diz ‘créu’ aos detratores

Governo do Rio discute a liberação de bailes em favelas pacificadas da capital e cria um edital de apoio ao gênero, que desce do morro e domina o asfalto

Por Maria Carolina Maia e Beatriz Souza
3 jun 2011, 23h36

Entre muitos detratores, houve nos últimos anos alguns corajosos que se arriscaram a advogar em defesa do funk carioca, ritmo controverso por suas versões pornográficas e proibidas – aquelas que fazem apologia ao tráfico. O músico baiano Tom Zé chegou a dizer que o funk do Rio de Janeiro rompia com a monotonia da escala diatônica que dá base ao canto gregoriano. E que era um fruto distante da bossa nova. Mas nunca como agora, quando se discute a liberação de bailes em favelas pacificadas e a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro prepara um edital de apoio ao gênero, o funk esteve tão resguardado. Ele já pode dizer, com conhecimento de causa, que um tapinha não dói.

“O funk está na agenda”, diz a secretária de Cultura do estado do Rio, Adriana Rattes, que afirma já ter frequentado diversos bailes movidos pelo ritmo. “O gênero se consolidou como expressão cultural, e hoje há muita gente ouvindo e produzindo.” Especialista no assunto, Silvio Essinger, que é autor do livro Batidão: Uma História do Funk (Record), é da mesma opinião. Para ele, o funk se tornou um gênero difícil de ser ignorado. “É curioso, porque, por longo tempo, ele foi assunto de polícia, não de cultura.”

Há cerca de dez dias, conta Essinger, a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) promoveu um encontro de pesquisadores do ritmo. “O funk está na academia”, pontua. O evento se soma a outros realizados para debater e situar o ritmo dentro do cenário cultural carioca. Na última terça, uma discussão na Assembleia Legislativa do Rio tratou da questão dos bailes funk em Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Na prática, o baile não é proibido, mas há entraves burocráticos que dificultam a sua realização, segundo MC Leonardo, presidente da Apafunk (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk), associação fundada em 2008.

“É mais difícil conseguir autorização oficial para realizar um baile funk porque ele não tem patrocinador”, diz MC Leonardo, que é autor de Tá Tudo Errado, canção que encerra o filme Tropa de Elite 2. Leonardo reconhece que o estigma de proibido e pornográfico que ronda o funk também atrapalha a sua aceitação. Mas, assim como a secretária estadual de Cultura, ele classifica o estigma de preconceito e o atribui à marginalização provocada pela sociedade.

“O proibidão e o sexo nas letras são resultado de como o funk vem sendo tratado nesses anos todos. Quem vive nas favelas convive com a barbárie, da milícia, da polícia e dos traficantes. Ele vai pegar o microfone e cantar o quê, ‘Alvorada lá no morro que beleza?'”, diz MC Leonardo.

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Na mesma toada, Adriana Rattes acusa a discriminação social, e faz um breve resumo da história recente do ritmo. “O que aconteceu no Rio, historicamente, é que a partir do momento em que o funk foi perseguido e encurralado nas comunidades dominadas pelo tráfico, ele passou a ter apenas aquele universo com que se relacionar. Muitos grupos que faziam funk e bailes nas favelas eram financiados pelo tráfico e faziam apologia daquilo que os sustentava.” A secrerária de Cultura não detalha quanto será investido de recurso público por meio do edital, que está em fase de definição e será anunciado nas próximas semanas, mas diz que é possível que o apoio contemple shows, gravações e bailes.

A funkeira carioca Tati Quebra Barraco
A funkeira carioca Tati Quebra Barraco (VEJA)

Jeitinho brasileiro – O funk americano desembarcou nas favelas do Rio de Janeiro há 40 anos, capitaneado por nomes como James Brown. O ritmo que se faz hoje na cidade, porém, pouco guarda do original ou das músicas que se produziam há 20, 25 anos, sob influência das batidas do miami bass, reconhecíveis em hits como Melô da Mulher Feia, do DJ Marlboro (confira lista acima). “Basicamente, os brasileiros copiavam as bases americanas. Hoje, o elemento gringo praticamente desapareceu.”

Com o tempo, foram introduzidos elementos locais, que acabariam por dar forma brasileira ao ritmo. O autor de Batidão destaca quatro pontos principais. O primeiro é o tamborzão, um tipo de atabaque oriundo da umbanda que começou a se misturar com Miami Bass no final dos anos 1990 e hoje é predominante. Ele entra como sample, espécie de citação eletrônica de um som previamente gravado.

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O segundo elemento que dá sabor local ao funk carioca é a dinâmica do samba-enredo. Nos bailes e em algumas canções, há um puxador: o cara que fala mais alto e incentiva o coro. Do samba, também se vê influência da cantiga de roda, uma melodia circular, como a do Rap do Salgueiro, de Claudinho e Buchecha. Por último, Essinger destaca o uso do berimbau, por artistas como MC Buiu.

Em meio às mudanças, o funk ganhou corpo e passou a soar forte em batidas como as do Bonde do Tigrão, Tati Quebra-Barraco (autora do clássico Dako É Bom, que ela jura ser uma homenagem à marca de fogão), MC Naldinho e MC Serginho, parceiro musical de Lacraia. Da safra mais recente, se destaca também Deise Tigrona. Ela é prova de que o funk carioca é tão diferente do original americano que já pode ser exportado para os EUA – fazendo ao inverso o caminho do gênero. Sua música Injeção foi usada pelo DJ americano Diplo como base para Bucky Done Gun, da cantora briânica Mia. Confira aqui o funk carioca e aqui a música de Mia.

As transformações foram operadas ao longo dos anos, dentro e em torno da música. Tratado como assunto de Segurança Pública por quase duas décadas no Rio, em 2009 o funk foi reconhecido, por lei, como “movimento cultural e musical de caráter popular”. Agora, ele terá financiamento público. E seguirá, doa a quem doer, descendo o morro para invadir as festas dos bacanas. Das favelas, os MCs puxam o som. E mandam um “créu” para a galera.

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