‘Abaporu’ volta ao Brasil para os Jogos Olímpicos
Dia 2 de agosto, a tela começa a ser exibida no Museu de Arte do Rio (MAR), onde fica até meados de setembro
O engenheiro agrônomo Fernando Negri foi o último argentino a ver o Abaporu no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba), o lar da tela de Tarsila do Amaral, antes de o quadro voar para o Rio por empréstimo para a Olimpíada. Às 19h55 da última segunda-feira, atrapalhado entre os filhos de 3, 6 e 8 anos, Negri só prestou atenção na obra quando questionado se ela faria falta na Argentina e onde, em sua opinião, ela deveria permanecer. Uma discussão revigorada cada vez que a tela visita ao Brasil ou que um brasileiro visita a tela.
Negri desculpou-se por não conhecer criadora e criatura, antes de se sair diplomático. “Acho que a solução não seria levá-lo em definitivo porque aqui está bem cuidado e é um museu de arte latino-americana, mas sim fazer uma rotação de seis meses. Contentaria os dois povos.”
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A partir desta terça-feira, a ausência deve frustrar visitantes como a professora aposentada Silvia López, turista oriunda de Tucumán, a 1.200 quilômetros da capital argentina. Ela ignorava a sorte de ter encontrado o Abaporu em seu último dia antes do empréstimo — a tela só volta para o Malba em 21 de setembro. Dia 2 de agosto, ela começa a ser exibida no Museu de Arte do Rio (MAR), em uma cessão acertada em 6 de junho.
“A arte é do mundo, é bom que seja itinerante. Estive em museus no Rio e vocês também têm pinturas argentinas. É um intercâmbio”, argumentou. Silvia reconhece como “emblemática” a tela para os brasileiros por ser um ícone no modernismo e estar na memória cada estudante que a viu nos livros didáticos. Mas defende a sua volta o quanto antes. “No futebol, já há muito dessa rivalidade. Na arte, é preciso dividir. Devolvam!”, pediu, rindo.
Eduardo Constantino, fundador do Malba, comprou o Abaporu em 2001 em Nova York por 1,3 milhão de dólares. Diz ter recebido ofertas recentemente, mas não conversou sobre valores, ainda que “se fale” de 45 milhões de dólares. “Abaporu é a obra mais relevante da história brasileira. É a mais importante do Malba sob o aspecto de que é a mais reconhecida para toda a população brasileira”, afirmou à reportagem, ressaltando que pintores como Frida Kahlo e Diego Rivera são mais conhecidos que Tarsila do Amaral, a pintora do Abaporu.
Constantino diz que o Brasil, “por ser muito grande”, em certa medida “olha seu umbigo e não dá importância à arte latino-americana”. Ele mantém uma oferta para que brasileiros invistam na construção de um Malba no Rio ou em São Paulo, condição para ceder o Abaporu. Calcula que seria necessário investir 200 milhões de dólares em um acervo latino-americano que acompanhasse a tela de Tarsila.
Nas vezes em que a emprestou o Abaporu, o empresário não notou redução nas visitas, mas admite que sempre haverá descontentes por não encontrar o quadro. Parte deles serão brasileiros, surpreendidos pelo empréstimo ao país em que em geral eles julgam que a tela deveria ficar.
O procurador Alessandro Junqueira, de São Paulo, teve a sorte de mostrar a tempo a obra à filha Marina, de 3 anos, que disse ter gostado da pintura mas não do nome — razão pela qual a rebatizou como “Abadetudo” e “Agatetu”. “É uma sensação bastante estranha, pois temos uma sensação de posse em relação a esse quadro. Seria bom se houvesse algum meio legal de reivindicar, mas acho que não há”, disse Junqueira.
De acordo com a monitora do museu Carla Villamizar, licenciada em Artes que “expulsava” o agrônomo Negri da sala do Abaporu às 20 horas, quando o Malba fecha às segundas-feiras, o quadro é claramente mais popular entre brasileiros e americanos. “Os argentinos prestam mais atenção nos de seu país”, afirmou a venezuelana, sem tomar partido. “A disputa entre dois países dá mais valor à obra. Parte da fama da Monalisa deve-se a sua história”, afirmou, antes de isolar a saída da sala com uma faixa e voltar ao Abaporu para fazer uma selfie. “Não sabia que ele ia embora”, justificou.
(Com Estadão Conteúdo)