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A vitória do clichê das nove

Por Mariana Zylberkan
16 set 2011, 23h36

A dose dupla do clichê da mãe pobre renegada pelo filho, que vai ao ar diariamente às sete e às nove na Globo, tem pelo menos uma utilidade – além de promover uma divertida querela entre autores que disputam a autoria de uma ideia tão manjada quanto barraco em reality show. Quem vê as tramas dos dois horários, Morde & Assopra e Fina Estampa, pode comparar a atuação de duas grandes atrizes e tirar uma lição de interpretação do banho que Lilia Cabral dá em Cassia Kiss Magro. Enquanto Cassia carrega nas tintas para causar pena – e acaba provocando tédio – no papel da mãe sofredora, Lilia encanta a plateia como a mulher batalhadora e cheia de carisma que é Pereirão.

É inegável que a vida dura de Dulce é compartilhada por muitas brasileiras – e diversas personagens de novela. Mas na trama de Walcyr Carrasco e na cartilha de Cassia, em política uma espécie de Regina Duarte pelo avesso, essa mulher se torna uma caricatura. A tática de causar piedade é repetida à exaustão – do telespectador. Poucas vezes, Cassia consegue variar o tom e fugir da imagem de mulher oprimida. Um dos raros rompimentos se deu quando Dulce confrontou o filho, ao se descobrir vítima da farsa armada por ele. Guilherme (Klebber Toledo) recebia dinheiro da mãe para estudar medicina na cidade grande, mas gastava, como bom filho pródigo, em balada. A sequência rendeu 35 pontos de audiência a Morde & Assopra, que penava para fazer 30.

Também contribuem para a atuação pesada de Cassia Kiss Magro as suas raízes dramáticas. Como lembra José Marques de Melo, professor da Metodista que fundou o Núcleo de Pesquisas de Telenovela da Universidade de São Paulo (NPTN-USP), vem do palco o tom visceral empregado pela atriz. Para a TV, o mais indicado é um tom mais brando, que compensa a presença excessiva dos personagens em sucessivos closes, como o usado por Lilia Cabral para criar seu Pereirão.

Diferentemente de Dulce, Griselda Pereira, o marido-de-aluguel do horário nobre, parece realista e cheia de nuances como uma pessoa real. Juntando a isso o carisma de Lilia e sua entonação positiva, para cima, tem-se uma personagem mais vigorosa. “A Dulce é um personagem monotemático. Ela se prende a dois ou três valores éticos, dá lições de moral no filho e não sai disso. Já Griselda é atuante em seu nicho social e tem personalidade diversificada, assim, se sobressai na comparação”, resume o cineasta José Roberto Sadek, autor de Telenovela – Um Olhar do Cinema.

Canetas e alfinetes – É certo que as canetas dos autores também têm responsabilidade nas diferenças entre Dulce e Griselda. São elas que dão os contornos – vergado ou aprumado – às personagens. A mãe rejeitada criada por Walcyr Carrasco é mais lacrimosa e cabisbaixa que a de Aguinaldo Silva, um feminista assumido e imodesto que define a sua enjeitada como “uma personagem maior que a vida”.

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Há diferença também na posição dada por cada autor à sua personagem dentro da novela. Griselda ocupa claramente o lugar de heroína em Fina Estampa, e, como manda o folhetim, deve terminar por cima, vitoriosa. Já Dulce, pelo andar da carruagem de Morde & Assopra, vai encerrar a trama com o troféu de sofredora do ano da TV. Pode até morrer no último capítulo, morte que serviria de coroação a tanto sofrimento.

Considerando esses pontos, soa até divertida a contenda entre Silva e Carrasco, em que o primeiro tem acusado publicamente o segundo de plágio. Mas ela se torna cômica mesmo é quando vem à tona o fato de que a história da mãe rejeitada pelo filho é um recurso teledramatúrgico dos mais batidos. A trama do rapaz que renega a origem humilde pelo desejo de ascender socialmente foi encenada, pela primeira vez, na novela Beto Rockefeller, transmitida em 1968 com Luiz Gustavo no papel principal. Há meio século, portanto – tempo suficiente para que ninguém se proclame original hoje.

Recursos cênicos – Há ainda detalhes de produção que, além de engraçados, favorecem Lilia Cabral na disputa dos clichês. É o caso dos adornos usados pelas atrizes para caracterizar suas personagens. Enquanto Griselda ostenta um bigode de portuguesa que também lhe confere traços masculinos – considerados fortes -, a prótese dentária saliente e escurecida usada por Cassia Kiss deixa Dulce mais perto de Kiko, do humorístico Chaves. É até difícil ouvir o que ela tem a dizer com tantos dentes na frente.

Correção: A novela Beto Rockefeller foi transmitida em 1968 e não em 1961, como tínhamos noticiado. O texto já foi corrigido.

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