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A cura de Sheherazade: ‘Precisamos revisar nossos valores’

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 dez 2018, 09h41 - Publicado em 8 nov 2015, 09h24

“As mulheres têm que conquistar o voto das outras, já que somos a maioria dos eleitores. Se nós não votamos nas mulheres, vai ver é porque não temos ainda mulheres suficientemente bem preparadas para nos representar”

Desde que se tornou conhecida em todo o país, há quase cinco anos, com um vídeo em que criticava o Carnaval, a jornalista paraibana Rachel Sheherazade não se esquivou de dar suas opiniões. Fosse no SBT Brasil, jornal que apresenta até hoje no canal de Silvio Santos, em uma coluna que mantém no site Fato Online ou na Jovem Pan, rádio em que trabalhou até meados de outubro, ela sempre criticou duramente aquilo que considerava errado, na política e na sociedade. É esse o tom que emprega no livro O Brasil Tem Cura (Mundo Cristão, 144 páginas, 24,90 reais), que lança no próximo sábado, 14, com o seu diagnóstico das mazelas que o país enfrenta e a indicação de caminhos que ele poderia seguir para crescer e se tornar um lugar melhor. A jornalista fala de violência, corrupção, desigualdade social, educação, redução da maioridade penal e religião – e sugere que a mudança deve começar pela revisão dos valores de cada cidadão.

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“Nasci em um país doente”, começa Rachel na introdução do livro, escrito em apenas dez meses. Nas quinze páginas dessa seção, a jornalista conta brevemente parte de sua trajetória, da infância, quando teve contato com a ditadura militar, ainda que de longe e sem muito discernimento para entender a situação enfrentada pelo Brasil à época. “Meus pais discutiam política, nós assistíamos ao Jornal Nacional todos juntos, era uma tradição familiar”, diz Rachel ao site de VEJA. “Eu ouvia sempre meus pais comentarem sobre o presidente João Figueiredo e lembro que eles alertavam: ‘Psiu, fala baixo, não pode falar’. Mencionar o presidente da República era complicado, vivíamos censurados.” No livro, ela é ainda mais contundente: “Aos 7 anos, eu sentia, pela primeira vez, como era estar amordaçada”.

A lembrança da ditadura, porém, é pequena na memória de Rachel, que se recorda principalmente de uma infância feliz passada em João Pessoa, capital da Paraíba e sua cidade natal. Filha de uma assistente social e um advogado de classe média que se separaram quando ela tinha seis anos, Rachel cresceu com conforto. “Era muito livre, subia em árvore, ia para o clube, para a praia, para a escola, aula de inglês, aula de balé”, conta. Da cidade em que nasceu, ela também só tem boas lembranças, ainda que João Pessoa tenha se destacado nas últimas décadas como uma das capitais mais violentas do Brasil. “Na minha casa, não tinha grade, não tinha muro alto, dormíamos de janela aberta. A questão da violência em João Pessoa começou a despontar de uns 15 ou 20 anos para cá. Quem vê a minha cidade hoje não a reconhece mais.”

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A questão da violência é cara a Rachel, que enxerga o problema como o maior dos desafios que o país tem que enfrentar. “Estamos em guerra todos os dias: brasileiros contra brasileiros. Em nossas ruas insalubres, morre-se mais e mata-se mais que em muitas trincheiras sangrentas”, decreta em passagem dramática de O Brasil Tem Cura, onde sugere que a violência urbana seja, em parte, ainda uma herança da colonização, marcada pelo genocídio indígena, a escravidão de negros, a extorsão das riquezas brasileiras e as invasões estrangeiras, e refuta a ideia de que seja consequência das desigualdades de classe. “Longe de serem uma anomalia, as desigualdades sociais geralmente se revelam fruto das tendências naturais de cada indivíduo e consequência, ainda que indireta ou tardia, de escolhas pessoais”, escreve Rachel, para quem a violência não pode ser colocada tão facilmente na conta da pobreza. Ela dá o exemplo do povo que vive no sertão do Nordeste: “O sertanejo típico não se curva à violência nem mesmo para sobreviver, apesar das dificuldades sobre-humanas que tem de enfrentar. Sua índole, em geral, é boa”.

Para ela, além das raízes coloniais, o quadro de violência alarmante enfrentado hoje pelo Brasil se deve também a fatores como a impunidade e a legislação falha, que protege os réus até que eles não tenham direito a mais nenhum recurso. “Inquéritos inconclusos, casos subnotificados e crimes jamais investigados explicam, em parte, o fenômeno da impunidade no Brasil. A maior parte dos inquéritos não se torna denúncia, a maioria das denúncias não vira processo judicial, muitos processos criminais são arquivados por falta de provas, e os culpados acabam libertos por incompetência e leniência do Estado, o que fecha o ciclo vicioso da impunidade”, escreve.

Parte do conhecimento que Rachel tem nessa área vem dos mais de dez anos em que trabalhou no Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), primeiro como escrevente da Vara da Infância e da Juventude e depois como assessora de imprensa. “Conheci os meandros do judiciário nessa época. É muito importante saber como funciona o poder judiciário, a relação dele com os demais poderes, como se aplica a Justiça, como se busca a Justiça, como a injustiça é gerada. Tudo isso eu aprendi circulando pelos corredores, vendo os bastidores do judiciário”, afirma.

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Em 1998, quando já trabalhava no TJ havia quatro anos, a jornalista participou de sua primeira e única greve, pedindo reajuste de salário. A frustração logo veio, quando a greve foi considerada ilegal. “A Justiça alegou que nosso direito à greve existia, mas não havia sido regulamentado”, escreve no livro. “Foi assim que aprendi uma triste realidade nacional: certas leis só existem no papel, pois, sem vontade política, jamais serão aplicadas na prática.”

https://www.youtube.com/watch?v=TEWSZhQhNRY

A virada – Em 2000, Rachel passou a enfrentar uma dupla jornada de trabalho: além do TJPB, acumulou a função de repórter na TV Correio, afiliada da Record em seu Estado. O processo seletivo para o cargo veio justamente no momento em que pensava em mudar de profissão e cursar Direito. Mas o trabalho na televisão logo conquistou Rachel, que desistiu do vestibular e fincou os dois pés no jornalismo. Nove meses depois de começar na Record, foi para a afiliada da Globo na Paraíba e, em 2002, para a TV Tambaú, o SBT local, para ancorar o Tambaú Notícias, um noticiário noturno regional.

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Assistiu à posse de Luís Inácio Lula da Silva da redação no ano seguinte e conta em O Brasil Tem Cura: “O 1º de janeiro de 2003 era um dia memorável para nós, jornalistas que ali estávamos, acompanhando a posse daquele ‘homem do povo’, paralisados diante do aparelho de TV – hipnotizados por toda aquela maravilhosa e convincente situação política. Para quem acreditou na mudança, era como um divisor de águas, como se a moralidade do Brasil, enfim, ali nascesse”. A esperança durou pouco, com a revelação do esquema do mensalão, em 2005. A partir desse momento, a jornalista passou a ser menos crente na política. “Depois desse ‘choque de realidade’, passei a enxergar a política com outros olhos, a acompanhá-la mais de perto, com mais profundidade, ceticismo e interesse.”

Quando chegou a vez de Dilma Rousseff assumir a presidência, em 2011, Rachel não nutriu muitas expectativas, mas afirma no livro que ficou animada com o fato de o cargo ser passado a uma mulher, pela primeira vez. Para a jornalista, as mulheres estão ganhando mais espaço na sociedade. “Fico feliz de saber que cada vez mais temos representantes do sexo feminino tanto na política como na economia, no jornalismo”, diz. “Mas acho que esse espaço tem que ser cavado pela própria mulher, sou contra qualquer tipo de cota, tanto em universidades, como em empresas, como na política. As mulheres têm que conquistar o voto das outras, já que somos a maioria dos eleitores. Se nós não votamos nas mulheres, vai ver é porque não temos ainda mulheres suficientemente bem preparadas para nos representar.”

No mesmo ano da posse de Dilma, poucos meses depois, Rachel resolveu usar seu espaço no Tambaú Notícias para comentar o Carnaval. Foi no jornal que ela começou a expor suas opiniões sobre os principais assuntos do dia – e foi nesse dia que, mal esperava ela, uma virada aconteceria em sua vida. A crítica de três minutos e meio de duração sobre os prejuízos, as brigas, os acidentes e as mortes que aconteciam durante o feriado mais festejado do país foi aplaudida não só por paraibanos que compartilhavam da mesma opinião de Rachel: rodou o Brasil, transformou a jornalista em uma celebridade e chegou a Silvio Santos, que a convidou para apresentar o SBT Brasil, o principal noticiário de seu canal.

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Proposta aceita, Rachel chegou a São Paulo com o marido, o corretor de imóveis Rodrigo Porto, e os dois filhos. Aos poucos, consolidou sua posição como jornalista-celebridade, ganhando milhares de fãs, nas ruas e nas redes sociais – no Facebook, sua página tem 1,6 milhão de curtidas atualmente; no Twitter, são quase 600 000 seguidores e, no Instagram, 176 000. Nas páginas, os seguidores elogiam a beleza de Rachel e seu trabalho como âncora. Nas ruas, segundo ela, o público também é carinhoso. “As pessoas sempre me encorajam, me parabenizam pelas opiniões, pelo meu jeito de fazer jornalismo, pelo meu profissionalismo, pela minha coragem, falam que eu sou a voz deles”, conta, enfatizando que se surpreendeu quando percebeu que era considerada uma espécie de porta-voz de parte de seus espectadores. “Que bom que as minhas opiniões acabam sendo um eco das opiniões dos brasileiros comuns, fico feliz por isso, mas eu não me propus a ser porta-voz de ninguém. É uma responsabilidade e uma honra muito grande poder falar por essa população e traduzir os anseios dela.”

Apesar do susto de se ver como uma espécie de representante de uma parcela do povo, Rachel é idealista ao pensar na profissão de jornalista. “Acho que o jornalista primeiro tem a missão de informar, de indicar o caminho, de abrir os olhos das pessoas, de reportar a realidade sem disfarces, sem maquiagem. Tem a missão de incomodar também, o jornalismo que não incomoda não faz diferença”, afirma. “Nós jornalistas precisamos fazer essa diferença no Brasil, porque cidadãos mais bem informados são cidadãos mais conscientes do seu papel e podem fazer grandes transformações por si mesmos e pelo país.”

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O incômodo de que fala estava presente nos comentários que Rachel fazia no Tambaú Notícias e que ela trouxe para o SBT Brasil. Eles foram interrompidos, porém, depois de fevereiro de 2014, quando ela mais uma vez se tornou viral por uma análise ácida feita na TV. Foi quando falou sobre um grupo de “justiceiros” que amarrou, a um poste do Rio de Janeiro, um adolescente de 15 anos acusado de cometer furtos. “Em um país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100.000 habitantes, que arquiva mais de 80% de inquéritos de homicídio e sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. O Estado é omisso, a polícia, desmoralizada, a Justiça, falha. O que resta ao cidadão de bem que, ainda por cima, foi desarmado? Se defender, é claro”, disse a jornalista no noticiário. Após a repercussão negativa que o caso ganhou, com ecos no centro do poder, em Brasília, o SBT decretou que os jornalistas da casa não poderiam mais omitir opiniões nos programas.

Rachel passou, então, a produzir seus comentários em outros meios, como o Jornal da Manhã, da Jovem Pan. Em outubro, porém, pediu demissão da rádio, onde acabou substituída por Silvia Poppovic. “Não consegui conciliar tantas atividades. Sou mãe de dois filhos em idade escolar, eles precisam de mim por perto. Eu tinha que abrir mão de alguma coisa e escolhi sair da rádio”, explica ela, que nos últimos meses também teve que lidar com a concepção e a escrita de O Brasil Tem Cura, livro que surgiu a convite da editora Mundo Cristão, voltada a publicações para o público religioso. Rachel, ela mesma evangélica, dedica uma parte do volume a falar sobre religião. Segundo ela, o Brasil vive um momento de cristofobia. “Cristãos vêm sendo atacados em várias frentes. Parlamentares católicos ou protestantes, embora eleitos democraticamente pelo povo, são ferrenhamente criticados e desrespeitados mesmo no Congresso Nacional”, escreve.

As soluções que Rachel apresenta em seu livro passam quase todas pelo mesmo raciocínio, o de que a mudança começa com cada um dos brasileiros. “O jeitinho brasileiro é um grande problema, porque é a cultura da desonestidade. Um país sério não se constrói em cima das mentiras, das desonestidades, do burlar as leis. Precisamos revisar os nossos valores”, diz a jornalista. “Que moral nós temos para falar mal de um político em Brasília, que passa a mão no dinheiro público e manda para a Suíça, se nós estamos também cometendo pequenos atos de corrupção? Acho que quem rouba no pouco também rouba no muito, quem não consegue ser honesto no seu dia a dia, no seu trabalho, no seu cotidiano, não vai ser honesto com grandes responsabilidades, se elas um dia lhes forem atribuídas.”

Rachel lança O Brasil Tem Cura em 14 de novembro, às 17 horas, na Saraiva do Shopping Pátio Paulista, em São Paulo. Até meados de dezembro, a jornalista também passa por Belo Horizonte (MG), Manaus (AM) e Curitiba (PR). A agenda de lançamento pode ser conferida no site da editora Mundo Cristão.

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