A aliada e a inimiga da aventura
O escritor e explorador americano Douglas Preston fala a VEJA
Autor de onze livros de não ficção — na maioria sobre expedições científicas —, entre eles A Cidade Perdida do Deus Macaco, lançado em março no Brasil e best-seller nos Estados Unidos, o escritor e explorador americano Douglas Preston, de 62 anos, explica na entrevista a seguir como as novas tecnologias transformaram a exploração científica. Paradoxalmente, ele receia que as inovações possam reprimir o ímpeto aventureiro da juventude atual, que vive uma vida mais virtual que real.
O uso de uma tecnologia chamada lidar (leia o quadro na página ao lado) permitiu a descoberta de uma civilização em meio a uma floresta hondurenha, numa verdadeira aventura narrada em seu livro. Como inovações assim impactam o trabalho arqueológico? O lidar, por exemplo, é uma ferramenta capaz de mapear a superfície embaixo de uma selva. Faz isso sem desmatar, com uma luz nada nociva, sem ter de danificar o que há no solo. Por isso é um equipamento revolucionário para a ciência.
O que mais poderia ser descoberto dessa forma? Temos uma vaga ideia de que civilizações ancestrais, que eram poderosas em seu tempo, viviam em meio à Amazônia, como no Brasil, por exemplo. Tecnologias do tipo do lidar vão permitir explorar esses locais, até agora praticamente inacessíveis, de uma forma que não seria possível com métodos tradicionais. Há muito a ser descoberto. Para alguns pode soar estranho termos achado, em pleno século XXI, toda uma civilização perdida. Mas ainda há bastante a ser explorado. O oceano abissal, por exemplo, é pouquíssimo conhecido, e as novidades tecnológicas vão ajudar a saber mais sobre os mares. Existem também histórias pouquíssimo conhecidas de diversas civilizações — mesmo nos Estados Unidos.
Depois de enfrentar perigos que poderiam tê-lo levado à morte em Honduras, o senhor planeja se envolver em outras expedições? Participo do planejamento de uma missão, apoiada na tecnologia do lidar, em uma área inexplorada da América do Sul. Não posso dar detalhes para não comprometer a empreitada — mas estamos atrás de uma civilização nunca antes documentada.
Ao mesmo tempo em que essas inovações têm ajudado, elas parecem hipnotizar a juventude, que gasta cada vez mais tempo na vida virtual do que fora de casa. Isso pode representar um risco para o futuro da arqueologia? É perceptível como, hoje, em vez de explorarem os arredores, os jovens têm se contentado em permanecer no conforto de sua residência. Eles só fingem que se aventuram ao jogar um game como o popular World of Warcraft. O espírito explorador é parte da psique humana, e me perturba notar esse nosso impulso sendo convertido e gasto em jogos eletrônicos.
Há solução? O advento do smartphone está transformando o período da infância, e a verdade é que não temos a menor ideia das consequências disso. Antes, a única forma de os jovens se prepararem para a vida adulta era encarando o mundo. Éramos chutados para fora de casa para ir à escola e só voltávamos ao escurecer. Agora, as crianças observam o mundo pela tela de seus aparelhos. Estamos criando uma geração que corre menos riscos; é menos curiosa e menos aventureira. O problema é que o progresso científico sempre foi impulsionado por pessoas ousadas — apaixonadas por descobrir — e que enfrentam seus medos. O smartphone sufoca essas qualidades, levando a juventude a só pensar em ter uma vida segura. Resta confiar que ainda haverá aqueles que quebrarão as regras, se libertarão e se aventurarão.
Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629
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