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Patinamos no Pisa, mas há novidades por aqui

Ainda que recentes, crescem as iniciativas do poder público brasileiro que apontam para um cenário melhor na educação

Por Olavo Nogueira Filho
19 dez 2019, 17h11

A divulgação no último dia 3 da sétima edição do Pisa, avaliação internacional de estudantes de 15 anos de idade promovida pela OCDE (Organização pela Cooperação e Desenvolvimento Econômico), suscitou ampla cobertura na imprensa. Não foram poucas as análises sobre os resultados brasileiros e sobre a incapacidade do atual Ministério da Educação de apresentar uma agenda estruturante para enfrentar os inúmeros desafios. Assim, busca-se aqui um olhar complementar e que possivelmente surpreenderá o leitor que não acompanha a matéria educacional de perto. O spoiler está no título.

Primeiro, porém, uma rápida menção sobre o histórico nacional no Pisa, que agora conta com um filme de quase 20 anos para se analisar.

A pontuação do Brasil desde a primeira edição do Pisa (em 2000) até a última (2018) sugere melhorias, em especial no começo deste ciclo. Digo “sugere” pois há alguns anos uma análise do pesquisador Ruben Klein mostrou que mudanças na data de aplicação da prova teriam afetado a comparabilidade dos resultados. Mas como as avaliações nacionais também indicam avanços nos indicadores de aprendizagem do ensino fundamental, é razoável aferir algum julgamento positivo ao período (que tem lastro em políticas importantes efetivadas na década de 90 e parte importante dos anos 2000). Além do que, eles vieram logo após um expressivo avanço rumo à universalização do acesso ao ensino fundamental, recuperando um atraso histórico. Em 1985, tínhamos 81,8% das crianças de 7 a 14 anos na escola. Em 1998, 95,8%. Com inclusão maciça e acelerada, e subsequente aumento no número de alunos que compõem a amostra das provas, melhorar os indicadores não é tarefa simples.

No entanto, essa análise não pode amenizar o ponto central: sejam em indicadores nacionais ou internacionais, o Brasil segue em patamar assustadoramente baixo. No Pisa, 43% dos alunos estão no nível 1 da escala do Pisa (são 6 no total) nas três áreas avaliadas (leitura, matemática e ciências). No Chile, como exemplo, esse percentual é 23%. A média entre os países membros da OCDE é 13%. Nos de destaque, menos de 5%. É o preço que se paga por não avançar medidas estruturais em escala nacional durante o fim dos anos 2000 e na primeira metade da atual década.

Análise feita, olhemos para frente: há algo que o Pisa nos ensina? Se sim, há indícios de que estamos absorvendo alguma coisa?

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Com efeito, a experiência dos países com melhor desempenho ou crescimento consistente ao longo dos 20 anos da avaliação consolida importantes aprendizados. Por exemplo: há, sim, forte relação entre o valor gasto por aluno e resultados educacionais – mas só até certo ponto. Depois desse patamar (que diversas localidades no Brasil ainda não alcançaram), investir mais tem pouco poder explicativo – a partir daí, boa gestão passa a pesar muito mais. Outro entendimento firmado é que apenas aumentar o tempo na escola não faz diferença. A chave é o que se faz com esse tempo.

No entanto, a conclusão do Pisa que mais se destaca é que investir nos professores é condição absolutamente central para um sistema educacional promover (e sustentar) um salto de qualidade, seja de pequeno ou grande porte, politicamente mais ou menos aberto, altamente centralizado ou não. O ponto de chegada comum para aqueles que alcançam excelência é uma carreira capaz de atrair jovens com alto desempenho no ensino médio para a docência e uma profissão com elevado prestígio social. A lição aqui é bastante objetiva: mesmo longe de ser solução única, ou se mexe pra valer nisso ou o ponteiro da educação, por sua vez, mexerá pouco.

A boa notícia é que para chegar lá, o caminho seguido pelos países e regiões que se destacam no Pisa, a despeito de diferenças políticas, sociais e culturais, é razoavelmente similar: bons salários, formação rigorosa, desenho de carreira estimulante e associada a melhoria da prática, boas condições de trabalho, cultura colaborativa entre professores e muito apoio pedagógico atrelado a um currículo claro e consistente. Tudo isso ancorado por uma visão de que o professor é a solução, e não o problema. Afinal, por lá não há dúvidas sobre o óbvio: é o professor quem, fundamentalmente, implementa a política educacional.

Isto posto, voltemos ao Brasil e ao prenúncio no título: ainda que recentes, crescem as iniciativas do poder público brasileiro que apontam no sentido desses aprendizados.

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Em estados e municípios, encontra-se em fase inicial a implementação de novos currículos inspirados numa inédita Base Nacional Comum Curricular – documento aprovado em 2018 após quatro anos de discussão. Se o esforço for capaz de aprender com os erros e acertos de países que implementaram reformas curriculares, ou seja, se vier acompanhado de bons materiais pedagógicos e forte envolvimento, acompanhamento e apoio aos professores, pode ser um importante indutor de melhorias da prática docente.

Há também outro ineditismo capitaneado pelos entes subnacionais. A partir das experiências de êxito bem consolidadas em Pernambuco com o ensino médio em tempo integral e do Ceará na alfabetização, diversas redes de ensino estão formulando e implantando políticas informadas pelos fatores críticos de sucesso desses casos. Dentre eles, não por acaso há vários pontos relativos ao trabalho dos professores. Além desse movimento promissor reforçar que para sairmos da atual situação devemos olhar para dentro do país, ele também explicita que a análise sobre o amadurecimento das políticas educacionais no Brasil frente ao Pisa não pode mais ficar restrita às políticas nacionais do MEC (São Paulo, ao lançar esse ano uma boa proposta de nova carreira docente, é outro que engrossa esse entendimento).

Na esfera federal, inclusive, o principal avanço esse ano não veio do MEC, mas sim do Conselho Nacional de Educação, que em novembro aprovou novas diretrizes curriculares para a formação inicial de professores em linha com as boas experiências sistematizadas pelo Pisa. Com sua efetivação finalmente passaremos a ter um perfil claro esperado para o concluinte das licenciaturas e da pedagogia, os cursos passarão a ser mais voltados à prática, com estágios nas escolas desde o primeiro ano, e limitações inéditas ao uso desenfreado do Ensino a Distância (Ead) serão introduzidas.

Como qualquer instrumento avaliativo e de análise comparada, o Pisa tem suas limitações e exige olhar não-categórico. Mas fato é que traz indicativos relevantes para qualificar o debate público e, para muitos países, serve como combustível para catapultar um conjunto de mudanças focadas na aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, que essa divulgação do Pisa sirva para dar força a esse novo rumo que, a despeito do MEC, começa a ser traçado por diferentes atores governamentais e, ao mesmo tempo, recalibre o senso de urgência e a crença de que é possível, sim, mudar o cenário para melhor.

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* Olavo Nogueira Filho é diretor de políticas educacionais do Todos Pela Educação

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