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Para MPF, vazamento do Enem começou em Brasília

Segundo os procuradores que acompanham investigação do episódio, informações sigilosas sobre questões do exame saíram de dentro do Inep

Por Bruno Abbud, de Fortaleza
22 dez 2011, 08h52

“Nós temos um atestado de que a alma do Enem foi afetada. Há uma crise sistêmica: o sistema falhou em algum ponto. Foi violado” – Oscar Costa Filho, procurador da República no Ceará

Nem estudantes, nem professores, tampouco escolas. Os responsáveis pelo vazamento do Enem 2011 são servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), autarquia do Ministério da Educação responsável pela avaliação federal. Quem sustenta a tese são os procuradores da República no Ceará Oscar Costa Filho e Maria Candelária De Ciero. Costa Filho preside o inquérito civil público que investiga as mazelas do Enem desde 2010. Maria Candelária acompanha de perto a investigação em andamento da Polícia Federal – à qual o site de VEJA teve acesso com exclusividade -, criada para desvendar o episódio, o mais grave em toda a história do exame. Em uníssono, afirmam: “Houve vazamento de informações privilegiadas a partir do Inep.”

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O vazamento de 14 questões do Enem veio à tona no próprio fim de semana em que a prova foi realizada, nos dias 22 e 23 de outubro. Estudantes postaram no Facebook imagens de uma apostila que continha questões idênticas às aplicadas no exame federal. A apostila fora distribuída dias antes a alunos do Colégio Christus, de Fortaleza, e também a estudantes do curso pré-vestibular da instituição. A primeira suspeita ventilada é que os 14 testes teriam sido repassados à escola durante a realização do pré-teste, avaliação prévia em que o Inep testa questões que depois poderão ser usadas no Enem. O Christus sediou um pré-teste em outubro de 2010. Assim que o escândalo do vazamento ganhou o noticiário, cogitou-se a hipótese de que um fiscal do pré-teste teria vendido o acesso à prova. Caso encerrado? Não, segundo os procuradores.

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Para eles, além de ter de fato recebido acesso privilegiado às 14 questões do pré-teste, em 2010, o Christus foi informado que esses itens cairiam no Enem deste ano. E só o Inep tinha tal informação. Na visão dos procuradores, portanto, resta descobrir quem foram os autores e em que momento houve o crime: ou seja, quem, a partir do Inep, repassou as informações. “Houve, sim, a obtenção indevida do pré-teste pelo colégio. Mas está evidenciado também o vazamento de informação privilegiada a respeito de quais questões cairiam na prova”, diz Costa Filho. “Afinal, entre o pré-teste e a prova propriamente, há um longo caminho.”

Um indício de que o Christus recebera tais informações está no inquérito da PF. Segundo depoimentos de estudantes, Jahilton Motta, professor de física do colégio, distribuiu a apostila com os itens vazados pedindo “atenção especial” ao material, que provavelmente cairia na prova. “Deu-se muita importância para as questões que vazaram. Mas como se sabia que aquelas questões cairiam na prova?”, indaga Maria Candelária. A própria procuradora responde: “O Inep foi o responsável pelo vazamento das questões”, diz. “Houve materialidade do delito na sistemática da prova.”

Para elucidar o sistema por trás do Enem, a PF ouviu no inquérito duas profissionais do alto escalão do Inep: Camila Akemi Karino, coordenadora-geral de Instrumentos e Medidas, e Maria Tereza Serrano Barbosa, chefe da Diretoria de Avaliação do Ensino Básico (DAEB). Ambas explicaram o caminho percorrido pelas questões, da elaboração à realização da prova, passando pelo pré-teste. A tarefa inclui análises pedagógica e estatística, revisão e, finalmente, montagem do exame que chega às mãos dos estudantes.

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O primeiro passo é convocar profissionais que podem elaborar as questões. Eles são pagos pela tarefa, mas não sabem se os itens serão aproveitados ou não. Em seguida, as questões seguem para o pré-teste, como o realizado em 2010, no Christus. O Inep, então, analisa os resultados dessa etapa a partir dos erros e acertos de estudantes. Algumas questões são descartadas, outras reformuladas: em média, 20% seguem para o Banco Nacional de Itens (BNI) do Inep, que atualmente possui 6.000 itens – deles, o sistema pinça as 180 questões que anualmente compõem a prova do Enem. Por razões de segurança, só dez servidores do Inep têm acesso ao BNI. Depois de análises pedagógicas e psicométricas coordenadas por três equipes, a prova é montada e, enfim, está pronta para a aplicação.

O processo, como se vê, é longo e, em tese, rigoroso. E ele acaba por reduzir a probabilidade de que várias questões avaliadas em um mesmo pré-teste apareçam novamente juntas em uma prova. No Enem 2011, contudo, as 14 questões vazadas figuravam simultaneamente nas duas provas. “Pelo método no Inep, a possibilidade de isso acontecer é nula”, afirma Costa Filho. “Se as questões tivessem seguido todas as fases previstas na elaboração, de maneira nenhuma elas apareceriam juntas na prova.” Para a procuradora, a elucidação do caso virá com as respostas às seguintes perguntas: “As normas e fases da feitura da prova foram desrespeitadas? Por quem e quando? Houve vazamento de informação ou foram suprimidas as normas?”

Para respondê-las, Maria Candelária enviou, no último dia 6, uma requisição à PF solicitando uma mudança nos rumos da investigação sobre o vazamento. Em vez de se dedicar exclusivamente ao Colégio Christus, agora visto como um simples receptor do produto do crime, o delegado Nelson Teles, que preside o inquérito, deverá voltar sua artilharia investigativa para o Inep. Teles é obrigado a cumprir a solicitação. Segundo o delegado, o próximo passo será interrogar os poucos servidores do Inep que têm acesso ao BNI.

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Em 2009, provas do Enem foram furtadas na gráfica, antes da aplicação do exame. Os responsáveis pelo crime foram encontrados e condenados, e a avaliação teve de ser reelaborada. Em 2010, folhas de testes apresentaram falha de impressão. Os participantes prejudicados refizeram a prova. Embora graves, pode-se dizer que os problemas foram pontuais e, no primeiro caso, até mesmo alheio ao controle dos responsáveis pelo exame. O episódio de 2011, contudo, é diferente e mais grave. As investigações em curso da PF indicam problemas de gestão, como o fato de uma escola controlar a fiscalização do pré-teste – um ataque vigoroso ao príncípio da isonomia, que garante condições iguais aos participantes da prova. A essa falha, os procuradores acrescentam agora outra, que, se confirmada, indicaria um pecado mortal. “Nós temos um atestado de que a alma do Enem foi afetada”, diz Costa Filho. “Há uma crise sistêmica: o sistema falhou em algum ponto. Foi violado.”

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