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Não há censura no episódio do livro de Dalton Trevisan. Mas falta pedagogia

Pais têm o direito de discutir o conteúdo pedagógico oferecido a seus filhos. E, nessas situações, o mais importante que as escolas têm a fazer é justificar suas escolhas e decisões

Por Da Redação
9 set 2012, 15h16

O Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (UFV), o Coluni, é uma das boas escolas públicas de ensino médio do Brasil: na avaliação de 2010 do Enem, ficou em primeiro lugar na lista de instituições mantidas pelo governo. Não à toa, 1.500 adolescentes disputam suas 150 vagas a cada ano. Foi justamente nesse processo seletivo de alunos que o Coluni se envolveu em uma confusão desnecessária nesta semana. O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da UFV anunciou a retirada do livro Violetas e Pavões, de Dalton Trevisan, da lista de obras cuja leitura é exigida para a prova. O Cepe alegou que atendia a pedidos de pais e demais escolas, incomodados com referências a sexo, pedofilia, drogas e crimes presentes na obra. Os críticos logo acusaram censura. Não é o caso: o Coluni não quer impedir ninguém de ler Trevisan. Não há dúvida, contudo, de que faltou no episódio uma explicação pedagógica: se o livro fora escolhido a partir de um critério correto, por que foi descartado em seguida? Mais: é certo que isso aconteça mediante pressão dos pais?

A filósofa e especialista em educação Tânia Tabury propõe um balizamento inicial para a questão. Em casos como esse, diz ela, “a decisão final deve ser da instituição, baseada em fundamentos educacionais e propostas pedagógicas”. Ela acrescenta, porém, que “a família pode e deve contribuir”. Duas situações, portanto, devem ser evitadas quando se estabelece o que as crianças vão aprender nas escolas: o alijamento completo da família e a supremacia dela sobre educadores.

Exemplos extremos, exagerados, ajudam a ilustrar essas situações. Imagine-se que os pais não tivessem direito algum a discutir a política pedagógica na qual estão mergulhados seus filhos: nesse caso, teriam de ficar calados se a leitura de um manual de doutrinação ideológica fosse introduzido logo no primeiro ano do ensino fundamental, aos 6 anos. No outro extremo, a situação também não é desejável: é assustadora a ideia de os pais terem poder para barrar – por razões religiosas, por exemplo – o ensino da teoria da evolução de Charles Darwin, um pilar da biologia moderna.

O que se passou no episódio do Coluni foi um fato raro e, em parte, positivo: o debate público sobre o que a escola deve ou não submeter às crianças. É uma raridade (alguém se lembra da última vez que isso aconteceu?) e, em parte, faz sentido que assim seja: só palpiteiros descuidados podem defender que bons professores e boas escolas sejam questionados a cada escolha pedagógica. Mas pesquisa após pesquisa demonstra que o envolvimento dos pais na educação é um fator essencial para o progresso das crianças. E se um certo livro ou conteúdo pedagógico enseja discussões morais difíceis, não só na sala de aula, mas também em casa, se torna inda mais importante a participação dos pais – e levar em conta o seu ponto de vista sobre a adequação daquele assunto ao momento de vida do filho. Sim, Dalton Trevisan é um escritor notável, um dos melhores do Brasil. Mas nenhuma discussão da sua obra costuma se limitar à excelência estética – e é preciso reconhecer que seus temas não são “fáceis”.

O ponto a se lamentar na história é a ausência de uma explicação clara, razoável e pedagogicamente embasada por parte da UFV. A retirada do livro da lista de obras de leitura obrigatória se fez por meio de uma nota sucinta, publicada no site do Coluni. Não se sabe em que bases a decisão foi tomada, nem em que fórum o assunto pode vir a ser discutido no futuro. Um argumento só aparece agora: “Não somos contra a discussão dos temas (sexo, pedofilia, drogas etc.) na sala de aula, mas colocá-los no processo seletivo, por meio da leitura obrigatória do livro, seria impor um debate a alunos de 13 ou 14 anos”, diz a VEJA.com Vicente Lelis, pró-reitor de ensino da UFV e membro do Cepe.

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A história, vale ressaltar, não se iguala à censura que se viu, por exemplo, no tão notório quanto infeliz episódio em que o governo, por meio do Conselho Nacional de Educação (CNE), tentou banir Monteiro Lobato das escolas, em 2010, sob uma acusação extemporânea de racismo. Ali, pretendia-se impedir que os livros chegassem às mãos de leitores, alunos de escolas brasileiras. No caso atual, a escola desobriga os alunos de ler um volume para fins de seleção. Há uma grande diferença entre proibir e desobrigar.

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