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Mais Médicos pode repetir tropeço da UFRJ em Macaé

Plano de expandir aceleradamente vagas em faculdades de medicina no interior do Brasil deveria levar em conta experiência fluminense: implantado em 2009, curso ainda apresenta problemas de infraestrutura e corpo docente

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 24 Maio 2016, 17h03 - Publicado em 30 jul 2013, 06h54

Em 2009, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das mais respeitadas instituições de ensino do Brasil, instalou um curso de medicina no campus de Macaé, cidade localizada a cerca de 200 quilômetros da capital fluminense. A unidade receberia 30 alunos por semestre. Passados quatro anos, o curso ainda enfrenta dificuldades: falta, por exemplo, um laboratório de anatomia completo, fundamental à formação dos futuros médicos. O corpo docente opera no limite, pressionado pela dificuldade na contratação de professores na cidade. Por esses problemas, e devido a pressão dos alunos, o vestibular para a admissão de novos estudantes chegou a ser suspenso no início de 2013.

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As deficiências na unidade de Macaé se revelaram cedo. Em 2011, os próprios alunos procuraram o Ministério Público Federal em busca da garantia de bom ensino. O MP, então, solicitou uma vistoria do MEC, que chegou à seguinte conclusão, segundo o procurador Flávio de Carvalho Reis, responsável pelo caso: a faculdade não estava, de fato, preparada para ministrar aulas de medicina. Foi firmado, então, um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), com metas urgentes, como a criação do laboratório de anatomia até janeiro de 2012, além da contratação de 31 professores. A UFRJ se comprometeu a solucionar gradativamente os problemas até dezembro de 2014.

“O TAC está em andamento, mas muitas questões que precisavam ser sanadas ainda não foram. É comum recebermos reclamações de pais e alunos, que cobram melhorias”, diz o procurador. Ele solicitou, neste ano, nova vistoria – realizada em junho. Após a visita, o MEC reconheceu que a “contratação de professores é vista como principal dificuldade enfrentada desde o início do curso, em 2009” e que “há previsão de realização de outros certames (concursos) em breve, a fim de solucionar a questão de insuficiência no quadro”. Os professores, diz o MEC, não se fixam na cidade. A sugestão da pasta: incentivar a inscrição de profissionais locais nos concursos de docentes, ainda que eles não possuam a titulação adequada: depois, eles seriam treinados em um curso de pós-graduação a ser criado em Macaé.

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Enquanto isso, estudantes seguem insatisfeitos. Renata Muller Couto, de 20 anos, do 4º período, diz que não aprendeu ali o que deveria nas aulas de anatomia. Só após a longa greve de 2012, ela e alguns colegas conseguiram que as aulas fossem ministradas na UFRJ da capital. “Recebemos um curso bem extenso de anatomia no laboratório do Fundão (no Rio), com os professores e monitores de lá. Como se tratava de uma carga extra, as aulas aconteciam aos finais de semana, o que foi muito cansativo e levou diversos alunos a abandonar a atividade”, diz Renata.

O caso de Arthur Ramos de Melo, também de 20 anos, é mais dramático. Ele entrou em Macaé em 2011, mas, insatisfeito com o ensino oferecido ali, solicitou transferência no ano passado, quando estava no 3º período, para a UFRJ da capital. “Outros três colegas de turma saíram comigo; dois deixaram a UFRJ”, conta. A decisão de pedir a transferência foi tomada depois da constatação de problemas no ciclo clínico de ensino. “O ciclo básico melhorou muito, mas o clínico não, pois essa parte do curso depende mais de uma rede de saúde estruturada, que oferece preceptores e leitos para treinamento. Macaé não tinha isso.” As reivindicações foram tantas que atualmente as turmas de 7º e 9º períodos não estudam mais na cidade, mas no Rio. “A decisão contraria o plano original da unidade, que era justamente levar a faculdade para o interior”, diz Fátima Siliansky, professora do curso de medicina da UFRJ e vice-presidente da Associação de Docentes da universidade.

A unidade de Macaé é produto do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, conhecido como Reuni, lançado pelo governo federal em 2007. Seu objetivo, elogiável, aliás, era ampliar o acesso à educação superior, com o crescimento rápido da oferta de vagas em instituições federais. Passados seis anos, o programa reúne alguns feitos, mas também problemas e queixas: falta de estrutura, sobrecarga de docentes, greves. A história da unidade de Macaé ilustra ainda as dificuldades que o governo deve encontrar para realizar o ambicioso plano de fomentar, aceleradamente, o ensino da medicina fora dos grandes centros – promessa contida no controverso programa Mais Médicos.

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“Para abrir um curso de medicina, deve-se primeiro cuidar de toda a questão estrutural: professores e infraestrutura hospitalar. Só depois, libera-se vagas para vestibular. Isso não ocorreu em Macaé: primeiro abriu-se o curso e, depois, pensou-se na estrutura”, diz Joelson Tavares Rodrigues, professor de psicologia clínica da unidade de Macaé. “É como trocar um pneu com o carro em movimento.”

Encontrar médicos capacitados para o ensino – e interessados na atividade – não é tarefa trivial. Especialmente longe dos grandes centros brasileiros. O problema, por isso, não é exclusivo do campus de Macaé. “Não há sobras no mercado docente de medicina. E a universidade paga muito mal o professor, que pode ganhar mais em seu consultório”, diz Fátima. “Muitos concursos para a contratação de professores atraíram poucos candidatos. E tivemos um no qual ninguém foi aprovado.”

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Um professor assistente contratado para uma jornada de 20 horas semanais na UFRJ ganha 1.993 reais. As faixas salariais aumentam pouco conforme a carga horária e a formação do profissional. O cargo de professor adjunto, por exemplo, exige doutorado e 40 horas semanais de dedicação exclusiva, oferecendo em troca remuneração de 7.333 reais. Se o mesmo profissional optar por atuar em um consultório particular na capital, pode ganhar mais de 15.000 reais. Isso ajuda a explicar a dificuldade para que os médicos-professores fiquem em Macaé: “Em geral, eles vêm do Rio ou de outras cidades e passam boa parte da semana se deslocando entre os municípios. Quando ficam na faculdade, não oferecem aos alunos a tutoria e o acompanhamento ideal para o ensino”, diz o procurador da República Flávio de Carvalho Reis.

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