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É hora de discutir a cobrança de taxas na universidade pública, diz pesquisador da OCDE

Estudioso inglês afirma que o modelo pode fazer mais para combater as fragilidades da educação brasileira do que o sistema de cotas

Por Bianca Bibiano
15 jun 2014, 14h35

O economista inglês Stijn Broecke é autor de um relatório publicado recentemente pela OCDE intitulado “Investing in Youth: Brazil” (Investindo na Juventude: Brasil). As conclusões do estudo deveriam inquietar até os eventuais entusiastas da política educacional brasileira. A primeira é que as cotas de acesso a universidades públicas, que reservam vagas a determinados grupos de alunos, abrem, é claro, as portas da academia para novos estudantes, mas não combatem as fragilidades sistêmicas do ensino nacional. A segunda é que a cobrança de taxas de estudantes de universidades públicas poderia ajudar. O assunto é um tabu brasileiro, que só vem à tona em raras discussões públicas como a motivada pela atual crise de recursos da USP. Broecke aborda os dois temas de maneira igualmente direta. “As cotas podem ajudar a ampliar o acesso à universidade para determinados grupos, mas não resolvem os problemas fundamentais da educação brasileira”, diz o inglês. E emenda sua defesa da cobrança de taxas como forma de combater outro problema nacional: o nanismo da parcela de jovens na universidade. Isso, é claro, exige recursos. “Uma das maneiras de rever a forma de financiamento do sistema é introduzir a cobrança de taxas no setor público para aqueles estudantes que podem pagar.” Confira a seguir a entrevista com o especialista.

Em seu relatório, o senhor questiona a efetividade das cotas nas universidades públicas brasileiras. Por quê? As cotas podem ajudar a ampliar o acesso à universidade a determinados grupos, que abrangem os mais pobres e alunos de escolas públicas, mas não resolvem os problemas fundamentais da educação brasileira. Podemos resumi-los em dois. Primeiro, os baixos níveis de qualidade do ensino público básico oferecido justamente para aqueles dois grupos. Segundo, o número relativamente pequeno de vagas no ensino superior, com acesso restrito a poucos, tanto nas universidades públicas quanto privadas.

Com resolver essas questões? A baixa qualidade da educação oferecida aos alunos de baixa renda deve ser combatida. No relatório, destacamos algumas políticas prioritárias para ajudar na solução da questão. Elas incluem esforço constante pela equalização dos gastos entre as etapas da educação, aumento da proporção de jovens em escolas em tempo integral e a definição de medidas adicionais para melhorar a qualidade do ensino, incluindo melhores salários, redução das taxas de repetência e garantia de atendimento individualizado a estudantes em risco de abandono escolar. É a garantia do princípio de equidade na oferta. Em segundo lugar, o setor universitário precisa ser ampliado. A parcela de jovens que frequenta universidades no Brasil ainda é muito pequena, e os que frequentam são principalmente aqueles com melhores condições financeiras.

Políticas de cotas pode ajudar a combater o segundo problema? Elas funcionam bem em outros países? As universidades americanas, por exemplo, usam cotas para que seus campi representem de maneira mais fiel a situação demográfica das regiões em que estão instalados. A avaliação desses programas, no entanto, depende de quais resultados são observados, pois eles apresentam grandes variações em parâmetros como eficiência, equidade e coesão curricular, entre outros. Um exemplo interessante é o da Universidade de Bristol, na Grã-Bretanha, que em 2003 passou a favorecer estudantes com baixo índice de aprendizagem no ensino médio em seu processo de seleção. A medida ampliou o debate sobre as estratégias de seleção de alunos, tema que voltou a entrar na pauta em março deste ano, quando uma pesquisa do Conselho de Financiamento do Ensino Superior mostrou que estudantes provenientes de escolas mantidas pelo Estado apresentam desempenho levemente superior ao de alunos de instituições privadas quando chegam ao ensino superior. No Brasil, a efetividade de medidas semelhantes ainda precisa ser mais investigada. Elas poderiam, após a melhoria do ensino básico, servir como auxílio para garantir acesso de estudantes pobres a universidades de elite.

Quais os obstáculos para a solução do segundo problema fundamental, a expansão do sistema universitário brasileiro? Um dos fatores que explica por que o sistema universitário ainda é relativamente pequeno é o fato de uma grande quantidade de dinheiro dos contribuintes ser usada para manter uma pequena elite no sistema universitário público. Embora os gastos públicos brasileiros por aluno nos ciclos infantil, fundamental, médio e também ensino técnico estejam bem abaixo da média da OCDE (2.653 dólares contra 8.412 dólares, respectivamente), o valor despendido por estudante no ensino superior é maior do que o da OCDE (13.137 dólares contra 11.382 dólares). A expansão do sistema de ensino superior é necessária para ampliar a participação de estudantes nessa etapa e exige mudanças no modelo atual, que prevê que uma elite de alunos seja atendida pela rede pública enquanto a massa vai para a rede privada. Além disso, é preciso rever a forma de financiamento do sistema. Uma das maneiras de fazer isso é introduzir a cobrança de taxas no setor público para aqueles estudantes que podem pagar. É claro que tais medidas podem ser combinadas com um sistema de cotas, porque essas políticas não são excludentes. A questão é que as cotas não podem ser vistas como solução para esse sistema.

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De que forma o pagamento de mensalidades nas universidades públicas pode reduzir disparidades do sistema? Embora não seja a única solução para o problema, a cobrança de taxas pode ser parte da resposta. Atualmente, as instituições públicas e de alta qualidade são frequentadas por um pequeno número de estudantes ricos, enquanto as instituições privadas e de baixa qualidade são frequentadas pelos estudantes mais pobres. Taxar estudantes ricos para frequentar universidades públicas traria recursos adicionais, que poderiam ser gastos tanto na expansão do setor universitário, ampliando as vagas, como na melhoria da qualidade do ensino fundamental.

Em quais países o sistema de cobrança de taxas nas instituições públicas funciona bem? Austrália e Grã-Bretanha têm sistemas muito interessantes. Ainda que a cobrança de taxas esteja em vigor, o acesso à universidade é de fato livre para os alunos, graças a sistemas de financiamento muito bem desenvolvidos. Depois de formados, os ex-alunos só começam a pagar suas dívidas quando seus ganhos ultrapassam determinado valor. O sistema é complementado por programas de bolsas para alunos mais pobres.

O senhor afirmou em seu relatório que os jovens no Brasil enfrentam dificuldades no mercado de trabalho. Essas dificuldades são decorrência de falhas do ensino? O relatório argumenta que uma das principais fontes de dificuldade na transição escola-trabalho no Brasil são os baixos níveis de escolaridade. O ensino superior, por sua vez, ajuda a alcançar melhores resultados no mercado de trabalho. Também por isso, o governo precisa garantir a ampliação do acesso às universidades. O problema mais urgente no Brasil, contudo, é de fato a má qualidade e as desigualdades gritantes do ensino básico.

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