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Despertar das crianças para o sexo desafia escolas

Antecipação da puberdade leva instituições a introduzir aulas de educação sexual para alunos cada vez mais novos

Por Nathalia Goulart
1 out 2010, 21h22

Certo dia, a professora Ana Maria de Sousa se deparou com uma troca inusitada de olhares entre alunos de sexta série da Escola Waldorf, em São Paulo. Não foi a primeira manifestação a chamar a atenção dela. A proximidade dos estudantes nos corredores, os rumores de festinhas no fim de semana e as conversas sobre sexo alimentaram ainda mais a preocupação. A transformação precoce das crianças muitas vezes pega pais e professores desprevenidos: “Eles não são muito jovens para isso?”, perguntam-se. Ao invés de reprimir os alunos, a escola decidiu convidar um especialista e apresentá-lo à turma. Esse profissional passou a debater o assunto com alunos, docentes e pais.

Crianças e pré-adolescentes às voltas com a descoberta da sexualidade não são exclusividade da Waldorf, que fique bem claro. Cada vez mais cedo, eles dão os primeiros passos rumo à puberdade, período em que um turbilhão de hormônios desperta novos desejos e curiosidades e altera o comportamento dos infantes. As novidades assustam os pais e também os professores, que precisam se desdobrar diante da nova situação.

Cláudia Bonfim, doutora em educação sexual pela Universidade Estadual da Campinas (Unicamp), diz que é possível identificar comportamentos precoces desde o jardim da infância. “Esses casos acontecem de forma isolada, mas é certo que as transformações se apresentam cada vez mais cedo”, diz a especialista. Birgit Mobus, psicopedagoga do Colégio Suíço-Brasileiro, confirma o fenômeno: “Quando analisamos a última década, essa precocidade é constatada. Se antes, alguns alunos do primeiro ciclo do ensino fundamental trocavam ‘selinhos’, hoje estudantes do fim do primeiro cliclo já ‘ficam’, saem e até namoram”.

De olho na questão, algumas escolas seguem os passos da Waldorf, incluindo em seus currículos aulas de educação sexual, dirigidas a alunos cada vez mais novos. Afinal, se o corpo muda mais cedo e os interessem surgem, a orientação precisa acompanhar a mudança. “Antes, educação sexual era assunto para o ensino médio. Hoje, tratamos do tema com crianças de 10 anos e já sentimos a demanda dos professores para que a conversa seja estendida aos de 8 e até 7 anos de idade”, diz Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan de sexualidade, consultora do tradicional Colégio Bandeirantes, de São Paulo, e coordenadora do projeto-piloto Quebra Tabu, que está implementando aulas de educação sexual em trinta escolas da rede pública de Alagoas.

O Colégio Magnum, de Belo Horizonte, também instituiu as aulas. Na escola mineira, elas acontecem a partir da quarta série. “Sentimos a mudança de comportamento dos alunos e acreditamos que hoje o tema deve ser abordado nesse momento”, afirma Anselmo Sampaio, coordenador de formação humana e cristã do Magnum. “Antes, falávamos apenas com os alunos do ensino médio, por volta dos 15 anos.”

Divergência entre pais – A escolha dos mestres pode não agradar a todos os pais. Alguns deles ficam assustados com a proposta de tratar de tema tão espinhoso em tão tenra idade. A contadora Maria Aparecida Carasco, mãe de Amanda, de 12 anos, conta que se sentiu incomodada ao saber das aulas de educação sexual da filha na quarta série do Colégio Haya, em São Paulo. “Acho importante falar sobre o assunto, mas a idade deve ser levada em conta. Se isso for feito antes da hora, estimula desejos e curiosidades e pode atrapalhar o desenvolvimento da criança”, opina Maria Aparecida. Já Amanda diz que se sentiu “confortável” com as aulas e que os ensinamentos esclareceram algumas dúvidas. “O assunto já existia entre algumas amigas. Tem gente que não sabia nada e passou a se conhecer e entender melhor”, conta a menina.

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Giovanna, de 12 anos, também teve aulas de educação sexual na quarta série do Colégio Porto Seguro. A mãe, a pedagoga Ana Paola Augusto, não se opôs. “É importante abordar o tema. Percebo que a minha filha amadureceu de uma forma rápida e a infância foi mais curta para ela. O comportamento dela mudou em muitos aspectos e isso exige uma nova postura da escola”, explica. Entre as mudanças sentidas pela mãe estão novos temas nas conversas e até uma nova maneira de se vestir. “Desde muito cedo, a Giovanna queria fazer a unha e se maquiar para parecer mais velha, mas optei por não incentivar esse comportamento.”

Maria Aparecida e Amanda
Maria Aparecida e Amanda (VEJA)

O diálogo com os pais no processo é fundamental, pregam os especialistas. Eles precisam entender o ritmo das transformações para que possam contribuir da melhor maneira possível para o desenvolvimento saudável dos filhos. “O número de pais que se opõem a educação sexual nas escolas é pequeno. Alguns, inclusive, optam por instituições que ofereçam esse tipo de assistência”, diz Maria Helena, da Kaplan. A maior aceitação se dá, em grande medida, porque muitos compreendem que a orientação oferecida pode esclarecer dúvidas e acalmar os hormônios à flor da pele.

Em casa, os pais também se sentem desajeitados com as mudanças. Por isso, a ponte escola-casa pode ser fundamental para atravessar o período das transformações. Na escola, as palestras e encontros não devem acontecer somente com os alunos, mas também com os responsáveis”, diz Silvana Martani, psicóloga e autora do livro Manual Teen.

As aulas – De forma geral, a conversa com os alunos se inicia pelas transformações que eles já experimentam. Nessa etapa, o orientador fala sobre a puberdade, as mudanças no organismo e os cuidados que a nova etapa exige, principalmente os ligados à higiene. Em seguida, são apresentadas informações sobre a reprodução humana, já que nesse período pode se iniciar o período mais intenso de investigação do próprio corpo. Um item não pode faltar, dizem os especialistas: mostrar às crianças que é necessário crescer com responsabilidade. Por fim, o assunto chega ao relacionamento sexual humano. Os professores procuram diferenciar mitos e verdades. Dúvidas sobre os métodos contraceptivos e também as doenças sexualmente transmissíveis são outros tópicos pertinentes.

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No Colégio Waldorf, a professora Ana Maria encontrou a solução para lidar com eventuais situações embaraçosas. Depois de promover uma conversa inicial entre um especialista e os estudantes, ela programa outros encontros. Desta vez, as perguntas serão escritas e anônimas. “Assim, ninguém corre o risco de ser identificado, o que causaria constrangimento, e pode tirar suas dúvidas tranquilamente. Afinal, esse é o objetivo: ajudar o aluno a lidar com sua própria realidade.”

Leia também:

A puberdade vem mais cendo. E a infância fica mais curta

Como o mestre deve lidar com o despertar sexual do aluno

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