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Crianças passam pela inédita experiência de fazer provas em casa

Em quarentena, milhões de crianças estão sendo avaliadas longe do olhar vigilante do mestre. O sucesso da empreitada vai depender do nível do teste

Por Jana Sampaio, Maria Clara Vieira Atualizado em 29 Maio 2020, 12h05 - Publicado em 29 Maio 2020, 06h00

A hora da prova costuma ser cercada de ansiedade, e cada aluno calibra à sua maneira o incômodo. Na véspera, desenrola-se a clássica corrida para sanar dúvidas, seguida da tensão daquele momento em que se está frente a frente com o tão temido teste, no silêncio da classe. Agora, com a quarentena, todo esse rito está sendo vivido de forma inteiramente diferente por milhões de estudantes no país — e com todos os desafios que a distância da escola impõe. Primeiro, não há professor a postos na tradicional situação de vigilância, como se estabeleceu desde que os pioneiros colégios jesuítas foram plantados no Brasil. Cabe aos alunos, portanto, decidir se levam a prova a sério ou se cedem à tentação natural de copiar as respostas do livro ou obtê-las nos mais efervescentes do que nunca grupos de WhatsApp. Para os pais, sobretudo de crianças menores, fica o papel de dar uma força para que o processo transcorra de modo que a avaliação preserve sua função original: medir o que cada um verdadeiramente sabe.

A breve experiência já aponta a complexidade de a criançada manter esse tipo de disciplina sem estímulos externos. Longe do olhar atento dos mestres, uma turma está convertendo a avaliação em uma atividade em grupo, em que as respostas são amplamente compartilhadas e checadas na internet. “Aqui em casa a prova foi comunitária, com debate nas redes”, reconhece a mãe de filhos de 12 e 15 anos, matriculados em um tradicional colégio do Rio de Janeiro, que preferiu não se identificar. “Prevejo um monte de notas altas que não condizem com a realidade de uma escola tão exigente”, ela alerta. Ouvida pela reportagem de VEJA, uma tia conta que resolveu dar uma mãozinha a duas sobrinhas nos testes de química e física. “A mudança com a pandemia foi drástica e repentina. Acabei colaborando para reduzir o stress delas num momento em que isso não me parece fazer sentido”, sustenta sua posição.

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São amostras de casos da vida real que fazem refletir sobre qual seria o caminho mais eficiente e honesto de testar toda uma geração confinada. A maioria dos educadores é a favor da preservação dos exames, mesmo que nas condições adversas atuais, e até enxerga na resolução coletiva, digamos assim, das provas um lado bom. “Ao consultarem um livro ou um amigo, os estudantes estão correndo atrás de respostas, exercitando a capacidade de pesquisa em algum grau e pondo o cérebro para funcionar”, diz Katia Smole, diretora do Instituto Reúna e ex-secretária de Educação Básica do MEC. Isso, que fique claro, quando não praticam a cola pura e simples. Alunos do 8º ano do Colégio Pueri Domus, em São Paulo, Gabriel e Maria Eduarda Costa, gêmeos de 12 anos, receberam orientações sobre que espécie de consulta seria válida: eles podem ler de tudo onde bem quiserem, mas nunca usar o “corte-cole” de textos prontos. “A gente precisa aprender a administrar liberdade e responsabilidade”, comenta Gabriel, com jeito adulto. A mãe, Ana Paula, revela: “Eles achavam que seria fácil, que copiariam tudo do Google, mas estão tendo de estudar duro para resolver provas talvez até mais complexas”.

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A temporada de avaliação em casa enfatiza a ideia de que, quanto mais elaborada ela for, melhor termômetro será para a escola, que assim ficará sabendo quanto de conhecimento vem sendo assimilado nestes tempos para lá de atípicos. “Se as perguntas forem de múltipla escolha, dessas que você acha a resposta na internet, sem análise crítica, é sinal de que não são adequadas para este período de quarentena nem para depois dele”, afirma Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV. São as questões discursivas, que exigem de crianças e adolescentes que percorram um raciocínio completo e o desenrolem no papel com as próprias palavras, as mais adaptadas a estes tempos.

Veem-se muitas tentativas nesse sentido por aí. No Colégio Bandeirantes, de São Paulo, as provas de literatura pedem que o estudante discorra sobre livros e seus autores. Os professores valorizam a singularidade nos textos. “Ficamos atentos a similaridades no padrão das respostas e, quando está claro que um aluno copiou do outro, anulamos sua nota”, explica a diretora pedagógica Mayra Lora. Vários colégios já usam como apoio para frear a cola softwares que caçam semelhanças inequívocas entre as provas e averiguam o tempo com que o estudante as resolveu — se for incompatível com a realidade, haverá aí um indício de que a solução não foi para valer. Alguns ainda optam por deixar os alunos sob o monitoramento de câmeras enquanto se debruçam sobre os exames.

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Recém-publicada pela Unesco, uma pesquisa em 84 países mostra que 58 deles recomendaram o adiamento das avaliações, onze cancelaram a maratona e 22 preferiram seguir em frente — o Brasil entre eles, à exceção, principalmente, de algumas redes públicas, dadas as vulnerabilidades de escolas e famílias que às vezes nem acesso ao ensino on-line têm. Certas nações, que já contam com um sistema diversificado de avaliações, não estão aplicando testes, mas trabalhos e projetos. É o caso da Finlândia, referência global na sala de aula, que caminha sobre uma trilha sofisticada. “A criança executa o projeto e depois precisa explicá-lo muito bem explicado ao professor”, relata Marjo Kyllonen, à frente da gestão das escolas na capital, Helsinque. “Só poderemos aferir mesmo o patamar de cada aluno quando a vida voltar ao normal”, atenta o professor de matemática Leandro Freitas, do Colégio Liessin, no Rio de Janeiro. Ele e outros estão se esmerando para formular melhor suas provas. Tomara que esse esforço permaneça quando a pandemia passar.

Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689

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