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Colégio que vazou questões do Enem fiscalizou pré-teste da avaliação federal em 2010

Segundo inquérito em andamento da Polícia Federal, consórcio contratado pelo MEC para fiscalizar pré-teste repassou tarefa para o Christus, de Fortaleza

Por Bruno Abbud, de Fortaleza
19 dez 2011, 17h09

Há pouco mais de um mês, a Polícia Federal informou ao Ministério da Educação, por intermédio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que tem em mãos depoimentos que indicam que o vazamento de questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2011 foi maior do que admite a pasta. O MEC nada fez até o momento. Mas essa não é a única informação alarmante que consta do inquérito em curso da PF que apura o vazamento, a que VEJA teve acesso com exclusividade. Outra revelação que sai da investigação preocupa ainda mais. Segundo testemunhos obtidos pela PF, os problemas no Enem 2011 provavelmente começaram mais de um ano antes da aplicação da prova, quando um pré-teste que calibraria as questões da avaliação federal foi realizado no Colégio Christus, de Fortalelza – o mesmo que vazou as 14 questões do exame neste ano. Contradizendo o MEC e o bom-senso, os fiscais daquele pré-teste foram contratados pelo próprio Christus. Como diz o velho ditado, é como deixar a raposa vigiando o galinheiro. Caso se confirmem os relatos colhidos pela PF, trata-se de um assustador descaso das autoridades responsáveis pelo Enem – o MEC, em última instância – durante uma etapa que, até agora, passara incólume às trapalhadas do ministério: a elaboração da prova.

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A feitura do Enem obedece à chamada Teoria de Reposta ao Item (TRI), pela qual todas as questões a serem apresentadas na prova devem ser previamente testadas. O objetivo dessa etapa, conhecida como pré-teste, é verificar o grau de dificuldade das questões. Só depois de testadas, elas seguem para um banco de dados (o do Enem tem 6.000 testes, quando o indicado seriam 20.000) e, posteriormente, são usadas em avaliações como o exame do ensino médio. O processo todo, é claro, deve ser rigorosamente controlado pelos responsáveis pelo exame (Inep e, portanto, o MEC), para que os testes não cheguem às mãos de estudantes. É uma forma de colocar em prática o princípio da isonomia – segundo o qual todos os participantes devem estar submetidos às mesmas condições ao realizar a prova. Os colégios devem ficar igualmente distantes: de acordo com o MEC, professores não podem sequer manter contato com os inspetores. Contudo, segundo depoimentos colhidos pela PF, foi justamente o que ocorreu no pré-teste realizado em outubro de 2010 no Christus.

À PF, Francisco Ferreira Quetez, que prestou serviços para a Cesgranrio – fundação contratada pelo Inep para aplicar o pré-teste juntamente com o Cespe, da Universidade de Brasília (UnB) – admitiu ter terceirizado a fiscalização da prova. O subcontratado foi (adivinhem…) o Colégio Christus. Em depoimento no dia 4 de novembro ao delegado Nelson Teles, que preside o inquérito do vazamento, Quetez afirmou que não dispunha de fiscais para vigiar o pré-teste do Enem no Christus. “Cheguei a falar para a Cesgranrio que não tinha condições de recrutar fiscais em razão das provas serem aplicadas em dias úteis”, disse.

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A solução encontrada foi a pior possível, segundo confirma depoimento de Maria das Dores Rabelo, funcionária do Christus e responsável por coordenar a aplicação do pré-teste. No trecho a seguir, ela narra um encontro entre representantes de colégios e o funcionário da Cesgranrio. “No final da reunião, o senhor KETTZ (sic) informou que estava encontrando dificuldade de encontrar fiscais para participar desse pré-teste e perguntou quem ali presente teria condições de recrutar esses fiscais.” A orientação é que fossem recrutados profissionais sem vínculos com o colégio. Na prática, aconteceu o contrário.

Todos os fiscais contratados pelo Colégio Christus para o pré-teste mantinham laços profundos com a instituição: alguns eram ex-alunos, outros estudam lá até hoje. Cinco deles foram encontrados pela PF. Marcus Venicius Recamonde, de 29 anos, foi aluno do cursinho pré-vestibular do Christus entre 2003 e 2004. Naira Montesuma, de 26, cursou o ensino médio no Christus e atualmente frequenta as aulas de direito na Faculdade Christus. A irmã dela, Liara Montesuma, de 23, foi estudante do colégio entre 2002 e 2006 e agora faz fisioterapia na faculdade. Hilario Torquato, de 26, estudou toda a vida no Christus: hoje, é estudante de medicina da mesma faculdade. A situação de Naisane de Sousa, de 24, é semelhante, com a diferença de que ela cursa fisioterapia.

Nos testemunhos, as irmãs Naira e Liara afirmaram que foram convocadas às pressas para atuar na fiscalização. Mais: revelaram que um representante do próprio MEC telefonou à escola e, reforçando a orientação da Cesgranrio, pediu que uma funcionária do Christus, chamada Ana Maria, cuidasse do recrutamento. O trecho do inquérito que trata do assunto diz o seguinte, segundo relato de Naira: “Ana Maria justificou chamá-las de última hora em razão de acreditar que o MEC mandaria os fiscais para aplicar aqueles testes, contudo, segundo Ana Maria, a pessoa que contatou o colégio pediu para ela contratar os fiscais.”

Maria das Dores, do Christus, acrescentou ainda a seu depoimento que os fiscais prometidos pelo MEC não apareceram. “No dia em que a declarante recebeu as provas na empresa de segurança lhe foi informado que alguém da Cesgranrio iria passar na escola durante a aplicação da prova, fato que não veio a ocorrer.” Localizado pela reportagem, o representante da Cesgranrio, Francisco Quetez, não quis comentar o assunto. À PF, contudo, ele confirmou a versão de que o MEC conduziu o pré-teste com amadorismo (na melhor das hipóteses). “O consórcio CESPE/CESGRANRIO confiou na boa fé dos chefes de locais de prova, assim como dos fiscais”, disse em depoimento. É um caso em que excesso de boa fé e incompetência se confundem.

Resta saber agora se se trata de um desastre isolado ou de uma catástrofe de grandes proporções. Segundo o próprio MEC, o pré-teste foi aplicado em 16 escolas de todo o Brasil em 2010. Como ter certeza de que a lamentável ausência de rigor, indicada em depoimentos à PF, não se repetiu em outros pontos do país?

Confira os documentos

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