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Venda de imóveis dispara com juros menores e alta demanda

Com taxa Selic a 2% e demanda retraída dos últimos anos, setor registrou o melhor resultado mensal desde maio de 2014; por outro lado, os preços podem subir

Por Diego Gimenes
Atualizado em 24 out 2020, 16h52 - Publicado em 24 out 2020, 07h00

Se os economistas ainda discutem de que forma se dará a retomada da atividade econômica no Brasil, o mercado imobiliário já passou da fase de previsões e, agora, observa na prática um expressivo aumento nas vendas e, sobretudo, na liberação de novos alvarás de construção. O crescimento em formato da letra “V”, tão desejado pelo ministro Paulo Guedes, no setor de incorporação virou realidade e já até superou essa fase. No último trimestre móvel, encerrado em julho, as vendas de imóveis cresceram 25% em relação ao igual período do ano anterior, de acordo com o indicador mensal publicado pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Apenas no mês de julho, o número saltou 58%, na comparação com o mesmo período de 2019, o melhor resultado mensal desde maio de 2014.

O bom momento do setor é reflexo de uma série de fatores, como a demanda retraída dos últimos anos e a busca da população por um imóvel que proporcione melhor qualidade de vida — em vista que, por causa da pandemia, as pessoas passaram a ficar mais tempo em suas casas. Mas, foi o cenário surpreendente de juros baixíssimos que mais estimulou os negócios do setor, seja para os investidores ou para as famílias que buscam realizar o sonho da casa própria.

A recuperação do mercado imobiliário brasileiro começou, de fato, no fim do segundo trimestre de 2020, com os imóveis destinados à população de baixa renda, o que inclui programas sociais como o Minha Casa, Minha Vida e o recém-lançado Casa Verde e Amarela. Aproximadamente 75% dos imóveis vendidos foram destinados para o segmento de baixa renda. Nesse caso, especialistas acreditam que a demanda é estrutural, de famílias que precisam dos imóveis para viver melhor. A taxa Selic a 2% — o menor patamar da história –, somada às reduções das taxas de financiamento dos grandes bancos, atraiu os compradores para os estandes de vendas, mesmo no meio de uma pandemia. A Caixa, por exemplo, reduziu no começo de outubro o piso de financiamento imobiliário para 6,25% ao ano, com teto em 8%, mais a taxa referencial (TR). Com a mudança, a parcela inicial da prestação pode cair cerca de 25%. O grande déficit habitacional do Brasil, hoje de 7,8 milhões de moradias, também mostra que a demanda estava reprimida nos últimos anos.

Em 2019, as previsões já indicavam que 2020 seria um ano de recuperação para as incorporadoras, mas ninguém contava com uma pandemia que vitimasse dezenas de milhares de vidas e fragilizasse ainda mais uma economia que já não decolava desde meados de 2013. Com os estandes fechados e as pessoas entrando em confinamento, o estrago parecia inevitável. “O sentimento era horroroso, tanto que, em abril, as projeções para 2020 foram revisadas pela metade. Era um cenário de catástrofe, um sentimento muito ruim”, conta Enrico Trotta, analista de mercado imobiliário do Itaú BBA. “Gradualmente, a percepção foi mudando, logo nos meses seguintes, maio e junho, o segmento de baixa renda apresentou uma significativa retomada, o que nos surpreendeu. As empresas reduziram o preço e conseguiram boas vendas. No segundo trimestre, vimos incorporadoras focadas no baixa renda batendo recorde de vendas.” Isso reforça que, no final do dia, o mais importante para o setor é o juro. “O terceiro trimestre foi tão bom que provavelmente nós vamos revisar mais uma vez as nossas projeções para um número muito próximo ao que tínhamos antes do isolamento”, revela o especialista. “Eu não imaginava essa volatilidade de sentimentos em um espaço tão curto de tempo.”

A retomada deve se dar em diversos segmentos, impulsionada por diferentes fatores. A procura por imóveis mais adaptados à necessidade do home office já está movimentando as empresas que têm empreendimentos voltados para as classes A e B. Estão mais valorizados alguns itens como acesso à internet rápida, estrutura para entregas na portaria e apartamentos com áreas verdes, o que fez as incorporadoras retomarem lançamentos com metragens maiores. Além disso, as baixas taxas de juros incentivam os investidores a retirarem suas aplicações da renda fixa para investirem, entre outros segmentos, no mercado imobiliário. “O foco nos últimos anos foi nas unidades mais compactas, com menos de 50 m², até porque o preço do metro quadrado havia subido muito. Pensando no futuro, acredito que os apartamentos menores vão continuar em alta, atendendo o perfil do investidor, mas veremos também lançamentos maiores, com mais de 130 m², por exemplo”, aposta Trotta. “É um tipo de produto que teve pouca oferta nos últimos anos. Com a pandemia, o conceito de metragem foi repensado pelo consumidor, o que incentiva as empresas a mudar.”

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Ainda projetando os próximos meses, a cidade de São Paulo registrou um recorde na concessão de alvarás para a construção de novos empreendimentos. Foram 973 autorizações de setembro de 2019 a setembro de 2020, o maior índice desde 2000, quando se iniciou a série histórica da Abrainc. Os alvarás têm potencial para gerar 73 bilhões de reais em investimentos ao longo da execução dos projetos, o que inclui a geração de novos postos de trabalho. “Esse crescimento mostra que as incorporadoras estão confiantes em colocar novos empreendimentos no mercado. O setor tem sido um dos destaques positivos no período da pandemia”, defende Luiz Antonio França, presidente da Abrainc. Somente em agosto, o setor contratou 50.489 trabalhadores formais em todo o país, o que contribuiu fortemente para o saldo positivo de 249.388 postos de trabalho com carteira assinada no período. A construção civil é um termômetro importante da economia. “Esses números indicam uma retomada em V do mercado imobiliário”, garante França, que também é engenheiro civil. 

Com a retomada da atividade mobiliária, é natural que as empresas queiram iniciar novos projetos, principalmente pelo fato de que os juros vão continuar baixos por mais algum tempo, um cenário extremamente favorável para o setor. O otimismo faz com que as incorporadoras tenham a crença de que o preço dos imóveis volte a subir, e não é por menos, afinal, com a demanda em alta e o crédito imobiliário mais acessível, a expectativa é repor o prejuízo de anos anteriores. “Não existem muitos dados relativos a preços, mas falando com as empresas, estimamos que o preço subiu algo entre 5% e 6%, comparando com a expectativa inicial dos projetos. Logo, as incorporadoras já estão falando em algum tipo de apreciação nos imóveis, ou seja, o preço de fato está se recuperando”, projeta Trotta, analista do Itaú BBA. “Vamos ter dois ou três anos muito bons.” Portanto, a corrida dos compradores agora pode ser contra o tempo, porque a manutenção dos juros nos níveis atuais indica que a tendência para os próximos meses é de alta do preço.

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