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Uma saga inédita: BC quebra paradigmas da taxa básica de juros

A Selic atinge um recorde histórico — de 4,25% ao ano; os condutores da política monetária, porém, terão de ser cautelosos como nunca

Por Machado da Costa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 7 fev 2020, 10h05 - Publicado em 7 fev 2020, 06h00

No poema épico Os Lusíadas, obra seminal da língua portuguesa, Luís de Camões narra a epopeia da conquista das Índias pelos lusitanos. Os versos mais famosos são os primeiros, nos quais ele conta que, após guerrearem “por mares nunca de antes navegados”, os heróis encontram um novo reino. Os diretores do Banco Central brasileiro talvez não se sintam como capitães de naus do século XVI, mas são os desbravadores da saga inédita para reduzir os juros no país. Na quarta-feira 5, cravaram um novo marco. O Comitê de Política Monetária (Copom), formado pelos economistas retratados na imagem ao lado, cortou para 4,25% ao ano a taxa básica de juros (Selic) — um novo recorde histórico. Pelo comunicado publicado junto do anúncio da redução da Selic, está claro que esse ciclo de afrouxamento monetário acabou. De acordo com os cenários de inflação e crescimento traçados pela autoridade monetária, até se justificaria a extensão desse ciclo. Contudo, o desconhecimento sobre esse novo reino, o das taxas de juros civilizadas, obrigou os diretores do BC a adotar a cautela. Mais que nunca, cada decisão que for tomada no Copom poderá ter efeitos significativos sobre a inflação, o dólar, o crescimento econômico, a geração de emprego, a balança comercial e até mesmo a política fiscal do governo.

Desde 1999, quando foi implementado o tripé macroeconômico — um conjunto de diretrizes formado por metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário —, o objetivo principal do Copom é estabilizar a moeda, o real. Os equívocos dos governos Lula e Dilma no campo econômico fizeram com que os dois últimos presidentes do Banco Central lutassem para recuperar a credibilidade da política monetária e controlar, novamente, a inflação. Primeiro foi Ilan Goldfajn a receber a missão. Depois, com a troca do governo Temer pelo de Bolsonaro, Roberto Campos Neto assumiu a tarefa. Eles conseguiram. Mesmo com solavancos, como a alta do dólar e a disparada no preço da carne no fim de 2019, não há nenhum temor de que a meta de inflação — que vai de 2,5% a 5,5% — não seja cumprida, para mais ou para menos. Segundo projeção feita pelos principais economistas, o índice de preços ao consumidor amplo (IPCA) ficará próximo de 3,5% neste ano. “Existe uma ‘folga’ na economia”, diz o economista Alexandre Schwartsman. “O desemprego precisa cair para algo próximo de 9% para começar a gerar uma pressão inflacionária. Hoje, está em 11%.”

SUCULÊNCIA – A alta do preço da carne assustou no fim de 2019: volta à normalidade neste ano (Scott Suchman/Washington Post/Getty Images)

Se a inflação está controlada, os juros estão baixos e o crescimento — que neste ano pode chegar a 2,5% — está voltando, todos os desafios estão vencidos? Na verdade, não. É exatamente agora que eles se iniciam para o Copom. Esse ciclo de afrouxamento monetário começou em agosto do ano passado, e o prazo para que a economia passe a sentir seus efeitos está entre seis meses e um ano. Roberto Campos Neto e sua equipe dinamitaram mais de um terço da taxa básica de juros deixada pelo seu antecessor. O Copom, simplesmente, não tem condições para prever com exatidão qual será o comportamento da economia nos próximos meses. O modelo utilizado pelo comitê, chamado de Samba, vale-se de dados pregressos para traçar previsões. Num Brasil que vivia às turras com a inflação, isso funcionava perfeitamente. Não é mais o caso. O tema, cada vez que surge nas reuniões entre o BC e um grupo seleto de economistas do mercado financeiro — como na última —, torna-se foco de discussões acaloradas. “Eu sempre digo que não temos mais passado”, afirma Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset. “O modelo está desatualizado. Não temos mais base para realizar comparações e projeções.”

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O alerta é necessário porque cada decisão agora passa a influenciar toda a macroeconomia do país. Perder a mão nos juros pode fazer com que a economia se aqueça demasiadamente. Isso pode levar o Brasil a dois cenários. O primeiro é uma pressão inflacionária indesejada. O segundo, a deterioração da balança comercial, devido à queda das exportações que serão utilizadas para abastecer o mercado interno. Há ainda um terceiro, trágico e pouco provável, no qual os preços sobem e as exportações caem. A desconfiança de investidores na condução das políticas econômicas também poderia penalizar o Banco Central e o Tesouro Nacional, que teriam dificuldade para refinanciar a dívida pública brasileira. Por fim, o PIB do Brasil voltaria a viver voos de galinha. Navegar em meio à névoa densa não é impossível. Instinto e uma boa bússola eram suficientes para levar as naus portuguesas aos mais longínquos destinos. Além de um bom capitão, marujos capacitados eram necessários para o sucesso das missões. Parece ser o caso de agora.

Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673

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