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Protecionismo extrapola as barreiras do IPI e cai no Direito

Polêmica em torno da atuação de advogados estrangeiros no Brasil poderá fazer OAB fechar ainda mais o mercado

Por Ana Clara Costa
26 out 2011, 07h04

Bancas locais temem a concorrência de firmas de outros países no bilionário mercado jurídico nacional; a idéia conta com a simpatia do governo federal

A Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reuniu-se nesta terça-feira para discutir, pela última vez, a polêmica sobre a entrada de escritórios de advocacia de outros países no Brasil. De acordo com o presidente da Comissão, Cezar Britto, o consenso entre os representantes dos estados brasileiros é que a atuação dos escritórios que prestam consultoria em Direito estrangeiro é satisfatória. Contudo, o documento redigido pela Comissão sugere que haja nova regra para regulamentar as parcerias firmadas entre bancas locais e de outros países. Outro ponto defendido no texto é o aumento da fiscalização sobre os escritórios que já operam em convênio para garantir que advogados estrangeiros não participem de ações que envolvam o Direito brasileiro. Agora, caberá ao presidente da OAB nacional, Ophir Cavalcante, decidir se acata ou não o que foi sugerido pela Comissão. A decisão está prevista para sair em fevereiro de 2012.

Briga antiga – As disputas envolvendo escritórios nacionais e estrangeiros são antigas. Ocorrem há pelo menos dez anos de forma velada e indireta, cercada de lobby de ambas as partes. Os escritórios mais tradicionais do país lutam em uma espécie de guerra fria de engravatados para que o mercado jurídico não seja totalmente aberto às bancas internacionais. Em resumo, trata-se de tentar garantir a reserva de mercado aos brasileiros. A exemplo do lobby das montadoras de veículos ditas nacionais, advogados também almejam o mercado brasileiro livre de “invasores”. A questão é tão espinhosa que, entre os advogados de grandes bancas nacionais, aqueles que são a favor da abertura de mercado guardam a opinião para si.

De um lado do ringue está a OAB de São Paulo, que representa os grandes escritórios locais – e, por consequência, também são os maiores do país. O órgão defende que os estrangeiros atuem no Brasil apenas como consultores em Direito internacional, sem qualquer possibilidade de cooperação com bancas brasileiras. Como essa forma de parceria não é proibida pela legislação, a OAP-SP decidiu, entre 2010 e 2011, restringi-la um pouco mais. Desta forma, proibiu que escritórios cooperados atuassem em um mesmo espaço físico ou utilizando material gráfico idêntico ao do parceiro estrangeiro, como cartões de visita.

Agora, após as discussões da Comissão de Relações Internacionais e a elaboração do documento, caberá à OAB federal decidir se tais medidas aplicadas em São Paulo vão se estender a todos os Estados. “Há um discurso protecionista equivocado, pois, para o cliente, o que interessa é a qualidade do trabalho, e não o mercado em si”, afirma Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento e membro do conselho da OAB federal.

No Brasil, algumas parcerias entre bancas locais e estrangeiras já são bem antigas. O escritório Trench, Rossi e Watanabe é cooperado com o americano Baker & Mackenzie há mais de cinquenta anos. Já o Lefosse firmou parceria com o inglês Linklaters há dez anos. O espanhol Uría Menéndez atua em conjunto com o Dias Carneiro Advogados desde 2005. As mais recentes cooperações, ambas com firmas americanas, se deram nos escritórios Tauil & Chequer Advogados (com o Mayer Brown) e o Campos Mello (com o DLA Piper).

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Mercado bilionário – As parcerias mais recentes despertaram a fúria dos escritórios locais porque envolveram a contratação de advogados brasileiros por remuneração digna de executivos de grandes empresas. Rumores, negados com veemência pelas bancas estrangeiras, apontam para salários de seis cifras – no caso de advogados experientes. A força da movimentação assustou o mercado pelo fato de evidenciar a disposição dos escritórios nascidos em outros países em investir em suas operações no Brasil. “Eles estão oferecendo valores muito acima da média para os contratados. No curto prazo, isso pode ser vantajoso, apesar de não se saber até que ponto isso é sustentável”, afirma Anna Luiza Boranga, coordenadora do curso de Administração Legal do GVLaw (pós-graduação da FGV).

Para se ter ideia, a firma americana Skadden, que possui escritório num endereço nobre da capital paulista, a Avenida Brigadeiro Faria Lima, teve faturamento em 2010 de 2,1 bilhões de dólares – uma cifra semelhante à de empresas como a Gafisa e a Cielo. Em Londres, as bancas podem até mesmo abrir capital na bolsa de valores, o que, em tese, poderá aumentar ainda mais seu poder financeiro na briga pelo mercado brasileiro. Não há dados públicos sobre a movimentação financeira deste setor no país, mas a cifra que circula entre advogados é que o mercado jurídico nacional tenha movimentado nada menos que 15 bilhões de dólares neste ano. Não por acaso, oitenta dos cem maiores escritórios do mundo têm algum tipo de representação no Brasil.

Logo, boa parte do temor que baliza a ânsia de resguardar o mercado de advocacia local tem fundo financeiro. Os grandes escritórios nacionais temem perder grandes clientes estrangeiros para bancas que já os atendem em outros mercados, como é o caso do banco HSBC com o Clifford Chance, seu principal escritório no mundo. “As companhias estrangeiras costumam verticalizar a contratação de alguns serviços com escritórios que já as atendem globalmente, se isso for mais barato para elas. Não vão manter relações com um escritório brasileiro só por camaradagem”, afirma o sócio de uma proeminente banca local, que não quis ter seu nome citado. No entanto, é preciso recordar que grandes empresas dificilmente atuam com poucas bancas jurídicas. A Petrobras, por exemplo, é cliente de mais de uma dezena dos maiores escritórios brasileiros.

Advertências aparecem – Antes que qualquer decisão formal tenha sido tomada pela OAB federal, alguns escritórios foram advertidos pela seção paulista do órgão. A OAB-SP puniu o Lefosse por colocar a placa do Linklaters na entrada do escritório. Já os sócios do Moreira Lima foram suspensos por três meses sob a acusação de servirem de fachada para a atuação de advogados espanhóis no país. O Tauil & Chequer, por sua vez, foi notificado por utilizar o mesmo endereço de e-mail que seu parceiro americano, o Mayer Brown. “Esses escritórios têm uma potencialidade financeira tão grande que são capazes de comprar clientes para suas bancas. Não vamos permitir que isso aconteça no Brasil, pois se trata de uma concorrência desleal no nosso mercado”, afirmou Ophir Cavalcante, presidente da OAB.

Os escritórios associados, no entanto, defendem que podem aprender muito com o estilo de gestão das bancas estrangeiras. Outro argumento é que a parceria gera um intercâmbio importante entre os cooperados, permitindo que advogados brasileiros passem temporadas no exterior, e vice-versa. “Acreditamos que o modelo de gestão que eles têm lá é muito mais eficiente e adequado do que aquele que é aplicado nos escritórios do Brasil. Lá, os advogados têm mais chance de crescer, e a renda não fica concentrada apenas nas mãos de meia dúzia de sócios”, afirma Alexandre Chequer, sócio do Tauil & Chequer. O advogado afirma que a parceria se dá, sobretudo, na parte de networking e troca de conhecimento. “Não houve nenhum tipo de transação financeira dentro dessa cooperação, mesmo porque isso é proibido”, disse o advogado. Já Cavalcante, da OAB federal, afirmou anteriormente ao site de VEJA que a decisão sobre a atuação de escritórios estrangeiros no país também poderá envolver a fiscalização das contas das bancas nacionais para certificar-se de que não houve nenhum tipo de investimento em espécie.

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Abertura é inevitável – Proteger o mercado nacional da concorrência estrangeira não é exclusividade brasileira. Governos de países desenvolvidos costumam blindar seus setores mais necessitados, como é o caso da agricultura nos Estados Unidos e na Europa. No setor jurídico, a Índia é um dos poucos países a manter esse mercado completamente fechado. É difícil imaginar, entretanto, que as firmas que participaram (e ainda participam) das fusões e aquisições bilionárias que acontecem no Brasil entre empresas nacionais e estrangeiras ainda precisem de proteção do Estado. “Esses escritórios já estão no país. É inevitável que a abertura de mercado ocorra em algum momento”, afirma Ruy Dourado, sócio do escritório Arap, Nishi e Uyeda Advogados.

Segundo o diretor jurídico de um conglomerado de infraestrutura do Brasil, a entrada de escritórios estrangeiros no mercado nacional – atuando com advogados brasileiros e competindo no país – é vista com bons olhos. “É um inferno para o departamento jurídico de uma grande empresa ter de ficar contratando vários escritórios diferentes, um em cada jurisdição”, dispara a fonte, que prefere não se identificar. Apenas nos últimos três meses, o diretor recebeu três escritórios estrangeiros para conversas. “O que vai acontecer, na prática, é que essas bancas virarão captadores de casos que envolvam mais de uma jurisdição”, afirma.

Governo simpatiza com fechamento – De acordo com fontes ouvidas pelo site de VEJA, o próprio governo federal compactua com a visão protecionista – ideia que, diga-se de passagem, vem se propagando em todos os setores, vide o exemplo do absurdo aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis importados. “Se o Brasil tem pretensões de se internacionalizar, não pode temer a associação entre os escritórios. Não podemos transformar o mercado em um grande cartório”, afirma o consultor em Direito internacional, João Alves Silva, que também é assessor jurídico de um grande banco brasileiro.

Ironicamente, poucos setores foram tão beneficiados pela abertura econômica do Brasil quanto o de advocacia – sobretudo quando se trata dos escritórios chamados full service, que atuam em praticamente todas as áreas do Direito, com ênfase no empresarial. Com a chegada de multinacionais ao país (e a internacionalização de companhias locais), muitas bancas investiram para conseguir suprir a demanda de seus clientes – principalmente na área de contratos – e tornaram-se verdadeiras referências de mercado. O cenário, no entanto, tem dois pesos e duas medidas. A globalização que as fez crescer é a mesma que pode fazê-las passar a outro nível, competindo com escritórios estrangeiros e sujeitas a perder mercado, caso não sejam eficientes. Mas essa globalização nem todas querem.

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