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Por que os preços do petróleo se tornaram uma armadilha para o Brasil

Decisões equivocadas do passado deixam o país de joelhos diante da guerra pelo preço da commodity — apesar do possível refresco sobre os combustíveis

Por Felipe Mendes Atualizado em 11 mar 2020, 07h52 - Publicado em 10 mar 2020, 18h03

O livro Uma Guerra Americana, do romancista egípcio-canadense Omar El Akkad, traça um mundo distópico onde uma guerra por combustíveis explode nos Estados Unidos em 2074. Enquanto muitos líderes mundiais deixaram de explorar o combustível fóssil, diante das mudanças climáticas causadas pelo “ouro negro”, alguns estados americanos iniciam uma batalha pelo então escasso petróleo. Ainda que a realidade retratada no romance esteja um pouco distante, aparentemente, uma guerra fria protagonizada por Arábia Saudita e Rússia mudou bastante o cenário do combustível fóssil nos últimos dias — principalmente para o Brasil. O fato é que, ao escolher a exploração do petróleo como um garantidor de receitas fiscais, governos passados deixaram o país refém dos preços altos da commodity.

Em meio ao clima volátil naturalmente ocasionado pela disseminação crescente do novo coronavírus no mundo, o petróleo, assim como a maioria das Bolsas e das moedas de países emergentes, viu seu valor ser dissolvido aos poucos. Se em 15 de janeiro, o preço do barril estava estipulado em 64 dólares, ele chegou, em 5 de março, a 49,99 dólares. Apesar do declínio de 21,9% para o período, nada indicava um temor maior para a commodity. Mas, tudo mudou na segunda-feira 9, quando o barril despencou em queda livre, registrando 34,36 dólares no fechamento do pregão. Entre 15 de janeiro e o fim do pregão de segunda, a derrocada foi de 46,3%.

Para estabilizar a volatilidade no preço da commodity, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), pressionou as principais nações para cortes de produção de 1,5 milhão de barris por dia até o final de 2020. A Rússia, no entanto, não aceitou, o que levou o mercado ao colapso. “Os preços despencaram porque a reunião da Opep acabou sendo um fracasso épico por parte de todos os envolvidos”, disse à Reuters John Kilduff, sócio da Again Capital. “A Rússia claramente decidiu empregar uma abordagem de terra arrasada para o mercado de petróleo: cada país por si”.

A Arábia Saudita, então, decidiu jogar gasolina nessa história. O país do Oriente Médio, maior exportador de petróleo no mundo, optou por cortar o valor de venda do barril, o que iniciou uma verdadeira guerra entre os principais produtores. Os sauditas planejam aumentar a produção para mais de 10 milhões de barris por dia (bpd) em abril, após o atual acordo para restringir a produção entre a Opep e a Rússia expirar, no fim de março. Em fevereiro, a Arábia Saudita produziu cerca de 9,7 milhões de barris por dia. Além disso, o país asiático já reduziu o preço oficial de venda do barril para abril entre 6 dólares e 8 dólares o barril. A Rússia, por sua vez, disse estar pronta para suportar a guerra de preços do petróleo por até uma década —  o país europeu dispõe de um fundo soberano com 170 bilhões de dólares acumulados graças aos ganhos de petróleo dos últimos anos, o que lhe dá fôlego para superar o período de crise global.

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Com isso, não só o preço-alvo do petróleo, como as ações da Petrobras sangraram no pregão da segunda-feira 9. A petroleira brasileira viu 91 bilhões de reais serem incinerados de seu valor de mercado, segundo dados da Economatica. A estatal passa por um momento de desinvestimentos, com foco em ativos estratégicos, e produziu 2,32 milhões de barris por dia em janeiro, segundo dados do Painel Dinâmico da Agência Nacional de Petróleo (ANP). “O primeiro semestre do ano está perdido. Neste momento, a situação é muito complicada, muito parecida com o que vimos em 2009, na crise do subprime“, diz Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Especialistas ouvidos por VEJA acreditam que o novo patamar do petróleo irá dificultar as negociações do governo para a venda dos ativos, além de inviabilizar a exploração do pré-sal por parte da Petrobras. “Está praticamente inviável o pré-sal. Se o preço continuar caindo, e o consumo de petróleo subir, a situação pode ficar preocupante para a Petrobras”, diz Pablo Spyer, diretor da corretora Mirae Asset.

Estima-se que o impasse no preço do barril de petróleo no mundo ainda deixe de gerar algo em torno de 8 bilhões de reais em arrecadação para o estado do Rio de Janeiro. Em 2019, com o petróleo a 60 dólares, o Rio amealhou 14 bilhões de reais em royalties. A alta do dólar frente ao real, no entanto, reduz as perdas, mas não as eliminam. “O estado do Rio espera que essa crise passe logo, que seja rápida. Lá atrás, na época do Sergio Cabral (ex-governador preso pela Lava Jato), o governo desperdiçou o dinheiro dos royalties e as prefeituras também. Desta vez, o estado fez o ajuste para o plano de recuperação, com o petróleo ainda num patamar de 50 dólares. Ou seja, o impacto não é grande ainda”, afirma o economista Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec.

Ainda não há motivos para pânico. Seria possível olhar a queda do petróleo por um viés positivo, caso a economia global demonstrasse sintomas de aceleração. No Brasil, aspectos positivos da retração do combustível fóssil nos últimos tempos podem ser a queda no valor da querosene, que daria uma sobrevida às companhias aéreas, e no preço da gasolina, o que pode favorecer consumidores e ajustar o custo do frete — debelando de vez uma pressão por parte dos caminhoneiros. “Para o consumidor e para as economias, esse patamar do petróleo não é ruim. Mas o ideal era o valor cair com a economia pujante, não com uma economia fraca. Desta forma, eu veria muito benefícios”, diz David Zylbersztajn, professor da PUC-RJ e ex-diretor da agência reguladora ANP.

Entre os economistas, há um receio de que o barril do petróleo não volte a registrar um patamar acima dos 60 dólares novamente — mesmo após a recuperação desta terça-feira 10, quando as cotações se valorizaram 10%, para cerca de 38 dólares. Hoje, com a moeda americana nas alturas, os impactos ainda não são tão grandes para o Brasil. A tendência, no entanto, é que se tornem. O país, em governos anteriores, apostou boa parte de seu Produto Interno Bruto (PIB) na commodity, e diversificou pouco a sua arrecadação. Caso o dólar recue e o petróleo não avance, o país pode pagar caro por querer ser um grande produtor global, impactando até mesmo a geração do etanol. Nesta quarta-feira 11, a Rússia se reunirá novamente com a Opep. Resta saber se o encontro terá um resultado incendiário ou pacificador.

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