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Política econômica atravessa crise de credibilidade

Governo não demonstra que conhece ou que concorde com a importância da preservação do tripé macroeconômico: inflação controlada, saúde das contas públicas e câmbio flutuando livremente

Por Beatriz Ferrari
18 abr 2011, 07h59

Esta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para decidir o novo patamar da taxa básica de juros (Selic) e o sinal de alerta está aceso. Mais do que apenas o controle da inflação, preocupa agora a destreza do governo na condução da política monetária, o que vinha garantindo estabilidade econômica ao país há quase duas décadas. Leia-se aqui manutenção do sistema de metas de inflação, adotado em junho de 1999; o câmbio flutuante e o controle das contas públicas. É o chamado tripé macroeconômico.

Nem os mais otimistas acreditam que a inflação voltará ao centro da meta nesse ano (de 4,5%) e já crescem as desconfianças de que isso não acontecerá nem em 2012. O temor é que o governo esteja trocando juros mais altos no combate à inflação por medidas macroprudenciais, as quais já têm se mostrado ineficazes. O que se vê é que o Ministério da Fazenda – que acumula cada vez mais poderes e dá sinais de que tem influenciado as decisões do Banco Central – continua trabalhando com ‘crenças’. O ministro Guido Mantega ‘crê’ que, em algum momento, o preço das commodities vai arrefecer e a inflação no Brasil vai cair.

No caso do câmbio, as crenças continuam. Mantega acredita que taxando a entrada de dólares, o fluxo de moeda para o país vai diminuir. Engana-se. Os juros altos continuam atraindo valores cada vez mais altos e o único resultado é o aumento da arrecadação. Para se ter uma idéia, com as novas alíquotas e abrangência da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o governo espera arrecadar 30 bilhões de reais – o equivalente ao abocanhado anualmente pelos cofres públicos com a extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Já as contas públicas continuam sem uma solução. O governo anunciou em fevereiro o contingenciamento de 50 bilhões de reais nos gastos públicos, mas ainda são insuficientes para garantir o cumprimento da meta de superávit primário – uma das bases da credibilidade econômica conquistada pelo país nos últimos anos.

O mais grave do quadro atual é que este governo não demonstra que conhece – ou que concorde – com a importância da preservação do tripé macroeconômico. Portanto, ele corre o risco de desabar.

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Confira abaixo os riscos que rondam cada elemento deste tripé:

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1. Metas de inflação

Economistas não acreditam mais que a inflação encerrará 2010 em 5,6%, como prevê o Banco Central

(Noel Hendrickson)

Recentemente, o governo mudou o discurso. Ao contrário do que vinha sendo adotado desde o início do sistema de metas de inflação – alta de juros para desaquecer o consumo -, o Banco Central e o Ministério da Fazenda preferiram utilizar, com perdão do jargão, medidas macroprudenciais; que afetam o crédito, sem mudança na taxa de juros. Exemplos disso são o aumento do compulsório dos bancos decidido em dezembro e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para os empréstimos pessoais há uma semana. No primeiro caso, o objetivo é reduzir a oferta de recursos dos bancos para o crédito e, no segundo caso, encarecer as parcelas dos financiamentos. “A política monetária mudou. Tivemos um aumento de juros tardio que, ao que tudo indica, vai acabar cedo. O BC não está usando mais seu principal instrumento, que é a Selic, e o governo passou a recorrer a medidas alternativas”, afirma o economista Eduardo Giannetti, professor do Insper.

O grande temor do mercado é que o Planalto tenha decidido usar apenas as medidas macroprudencias para desafiar a inflação, deixando de lado a política monetária tradicional (ancorada nos juros). O problema é que esta opção representa um elevado risco de descontrole dos preços no médio prazo. Caso a estratégia dê errado, o remédio futuro será certamente mais amargo. “O Brasil ainda tem preços indexados, ou seja, que incorporam a inflação passada por força de contrato. Neste contexto, será difícil conduzir um processo de desinflação posteriormente. Poderíamos ter de tolerar inflação de 7% ao ano no longo prazo. Isso é muito negativo para o investimento”, avalia Robert Wood, economista da Economist Intelligence Unit.

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Como pano de fundo, há a desconfiança de que o Banco Central – em vez de simplesmente atender aos pedidos da presidente Dilma de tentar não entrar em confrontos públicos e trabalhar mais em conjunto – tenha se tornado um vassalo do Ministério da Fazenda. Teria caído assim por terra sua independência que, ainda que não formalizada, havia se cristalizado nas mãos do ex-presidente do órgão, Henrique Meirelles. Ora, justamente sobre o MF e seu titular, o ministro Guido Mantega, agora com super poderes, que sempre pairaram as críticas de um menor comprometimento com a política econômica tradicional.

À passividade e aparente submissão do BC – a quem cabe ser o guardião da estabilidade – une-se a quase certeza de que ele esconde a real gravidade do quadro inflacionário. Com base nas últimas declarações oficiais do órgão (Relatório de Inflação e atas das reuniões) e nos pronunciamentos de seu presidente, Alexandre Tombini, a impressão que fica é que as medidas estão sendo tomadas e são suficientes. A economia estaria em boas mãos e a caminho de uma situação de normalidade – algo que uma análise fria dos fatos não corrobora. No entanto, nos bastidores, o recado da instituição é um pouco diferente: a inflação preocupa mais do que parece e há ainda muito a ser feito. “O Banco Central tem de parar com esse joguinho de semântica e falar as claras com o mercado”, reclama um economista de um grande banco.

De fato, jogos de palavras podem ser aceitáveis em diversas situações da vida, mas não na comunicação realizada pelo BC. Sua transparência tem de ser absoluta e seu recado, preciso. Caso contrário, o BC deixa de cumprir uma segunda tarefa que lhe cabe, e que é essencial: o controle das expectativas. Esperar que os preços vão subir e que o governo não poderá fazer nada contra isso é, por si só, alimento da própria inflação.

2. Câmbio flutuante

Em 6 de abril, o ministro Guido Mantega anunciou novas medidas para conter a queda do dólar

(Renato Araújo/Agência Brasil)

Para sair da crise financeira mundial que começou em 2008, diversos países desenvolvidos adotaram uma estratégia de afrouxamento monetário, ou seja, emissão de moeda para posterior injeção em suas combalidas economias. Passados pouco mais de dois anos, esse imenso montante de capital encontrou nos altos juros das nações emergentes uma rentabilidade sem igual. Como resultado, as moedas desses países, com exceção da China, têm se valorizado cada vez mais em relação ao dólar. Em um ano, o real, por exemplo, já subiu 10% perante a moeda americana.

No Brasil, esse fenômeno deixou o governo entre a cruz e a espada. Se o BC e a Fazenda intervêm para evitar a apreciação do real, o país acabaria importando inflação de fora, que já está alta. É que a valorização da moeda acaba agindo como um antídoto natural aos aumentos dos preços no exterior, principalmente das commodities. Além disso, a concorrência dos importados é crucial para aplacar as pressões inflacionárias domésticas. Por outro lado, se o dólar simplesmente flutua – o que, nos últimos meses, é quase sinônimo de desvalorização -, o setor industrial perde espaço num mundo dominado por economias ultracompetitivas. O problema é que a indústria nacional infelizmente apanha dos competidores globais já faz tempo, e as causas primordiais disso são muito mais estruturais – como a pesada carga tributária, legislação trabalhista onerosa, logística escassa e ineficiente, etc – que conjunturais, como o câmbio.

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Por mais que o governo Dilma tente evitar, os juros altos no Brasil continuarão atraindo grandes fluxos de capital nos próximos anos. E não adianta apelar para soluções artificiais, que são mais custosas do que eficazes. Exemplo disso são as reservas internacionais do país, que estão em 322 bilhões de dólares. Ao tentar segurar a queda do dólar, o Tesouro compra moeda e acumula reservas em moeda norte-americana. “O custo dessa operação é muito grande. O Brasil gasta 30 bilhões de reais por ano com isso. É como jogar um Bolsa-Família fora todo ano”, avalia o economista Fabio Kanczuk, professor da Universidade de São Paulo. Isso acontece porque, ao acumular títulos cambiais, o ativo tem perdido valor com a queda do dólar. Além disso, na formação das reservas, o governo também troca títulos que pagam juros por papeis cambiais, que também geram prejuízo.

3. Controle das contas públicas

Corte de 50 bilhões de reais nos gastos públicos não é visto como suficiente

(Ricardo Stuckert/VEJA)

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A solução para fortalecer as outras duas pernas do tripé macroeconômico passa necessariamente por um forte ajuste nos gastos públicos. Se o governo tivesse aproveitado a exuberância econômica do ano passado para colocar as contas em dia, teria desacelerado o voraz consumo que pressiona a inflação. Em outras palavras, o país poderia estar hoje com juros menores. Uma Selic mais baixa atrairia menos capital estrangeiro e o real se valorizaria com menor intensidade. Porém, para não prejudicar o crescimento do PIB em pleno ano de eleição, o governo optou pelo caminho contrário, ampliando significativamente as despesas. Por fim, ainda lançou mão de manobras contábeis para encobrir buracos nas contas.

Como resultado, as contas públicas fecharam em 2010 sem cumprir a meta de superávit primário (economia do governo para pagar os juros da dívida) de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), um dos principais indicativos da credibilidade do país. “O conceito de superávit primário foi muito desmoralizado com as manobras feitas no passado recente para encobrir déficits. Com isso, em vez de aprofundar a responsabilidade fiscal, estamos rediscutindo um assunto que era para estar maduro”, critica Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central.

O contingenciamento de 50 bilhões no orçamento de 2011 talvez resolva o problema do superávit neste ano, mas não é suficiente para acalmar a inflação e o câmbio no médio prazo. Em 2012, o reajuste previsto de 14% no salário mínimo implicará gastos adicionais de 23,5 bilhões de reais e pressionará ainda mais os preços. “É preciso fazer um ajuste fiscal mais forte. Um corte real teria um efeito importante nas outras pernas do tripé”, pontua o economista José Márcio Camargo, da Opus consultoria.

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