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Pandemia agrava desigualdade entre homens e mulheres no mundo das startups

Dados da plataforma mundial Crunchbase mostram que investimentos em startups fundadas por mulheres caiu 27% neste ano

Por Josette Goulart Atualizado em 23 dez 2020, 11h19 - Publicado em 23 dez 2020, 10h03

Fernanda Tavolaro e suas sócias contrataram, no início deste ano, um desenvolvedor para colocar no ar um site com informações de mais de 40 mil escolas particulares pelo Brasil todo. A base de dados é o essencial da SchoolAdvisor, a startup que fundaram há dois anos e que recém tinha passado por uma aceleração no Google for Startups. Mas eis que o desenvolvedor não deu conta da missão e abandonou o barco. A essa altura a pandemia estava a todo vapor e as três sócias mergulhadas em cuidar dos filhos trancados em casa. Deu uma pane de falta de tempo na startup, que continuou funcionando, mas não cresceu. E se não tinha nem desenvolvedor, como buscar por investidor? Este é só um dos exemplos que ajuda a explicar um lado dramático da pandemia: o dinheiro vindo de venture capital fluiu como nunca para as startups, embalado pela aceleração digital da pandemia, mas caiu 27% para startups fundadas por mulheres. Quase um terço a menos do que no ano anterior. Mas se o dinheiro continuou fluindo, isto significa que as startups fundadas por homens cresceram como nunca. O levantamento é da plataforma Crunchbase, que reúne dados de investimentos do mundo todo.

Cerca de 800 startups fundadas por mulheres receberam 4,9 bilhões de dólares, em todo o mundo, até novembro. No ano passado, foram mais de 6,2 bilhões de dólares. Se em 2019, 10 empresas fundadas por mulheres viraram unicórnios — startups que passam a valer um bilhão de dólares — neste ano, foi apenas uma. A explicação não é tão simples para a queda, mas os efeitos da pandemia na vida das mulheres dão a dica. Um estudo mundial da consultoria McKinsey mostra que 30% das mulheres que são mães pensam em deixar o mercado de trabalho, o que levaria a igualdade entre homens e mulheres retroceder de 10 a 20 anos. Esses números corroboram ainda mais os dados do Brasil complicados pelo IBGE que mostram que a participação da mulher no mercado de trabalho é a menor em 30 anos.

Ingrid Barth, vice-presidente da ABStartups e cofundadora da fintech Linker, não tem filhos, mas consegue dar um exemplo simples de como a jornada simultânea, já nem dá para dizer mais jornada dupla, de cuidados da casa e do trabalho, afetou as mulheres. Elas não conseguem marcar uma reunião em cima da hora. Parece uma bobagem, mas reuniões desse tipo se tornaram comuns em tempos de home office, o que acaba tirando vantagem competitiva delas que não têm tempo. O home office também levou a maior produtividade das pessoas em casa, mas não de quem tem que cuidar de uma casa em pandemônio. O fechamento das escolas e falta de uma rede de apoio tiraram competitividade das mulheres também no mundo dos negócios.

As avaliações sobre os efeitos da pandemia no empreendedorismo feminino podem ser ainda mais drásticas. Rafaela Bassetti, fundadora da Wishe Women Capital, que só investe em startups fundadas por mulheres, diz que o terreno de incertezas durante este ano também levou investidores tradicionais, ou seja, liderados por homens, a buscar o que eles entendem por segurança e voltar para o tradicional: ou seja, investir em homens. Talvez seja pura falta de informação destes homens, já que os números mostram que empresas lideradas por mulheres têm 20% mais chance de serem mais eficientes e lucrativas no longo prazo. Mesmo assim, elas são apenas 15% no mundo das startups. No mundo das fintechs, recheado pelo mercado financeiro, apenas 11% têm mulheres como sócias fundadoras, segundo levantamento do hub Distrito.

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Um homem que chegou até aqui na leitura desta reportagem pode estar pensando que talvez não seja bem assim. Talvez porque não saiba de alguns preconceitos que as mulheres sofrem. De Florianópolis, a empreendedora Vanessa Resende, que fundou a startup Benvou e hoje está na pré-incubadora Cocreation Lab, conta uma história típica. Vanessa tem 38 anos, um filho de 11, se mostra guerreira, segue a filosofia dos atletas, se posiciona como os homens se posicionam, não tem problemas de filhos pequenos, largou um bom salário em emprego público para apostar na sua empresa. Mesmo assim alguns investidores fazem perguntas do tipo: você vai mesmo se dedicar full time no projeto?

“Eles subestimam o que você está falando”, conta Rafaela Angelini Frankenthal, uma das fundadoras da SafeSpace, uma empresa que criou uma plataforma que permite que funcionários possam denunciar assédios, abusos, malfeitos ou o que seja dentro das empresas de forma segura e anônima. E a própria Rafaela dá a letra: “e olha que eu sou mulher branca, privilegiada, que tenho acesso à rede de networking e estou empreendendo por oportunidade, não por necessidade”. Mas mesmo tendo acesso, o acesso é mais restrito. Ela tem 26 anos. O que no mundo dos homens é uma vantagem, a idade, para Rafaela virou um ponto de desconfiança.

A solução destas mulheres empreendedoras tem sido buscar investidoras mulheres, que estão a frente de empresas como a Wishe ou a Maya Capital. A Maya é de Lara Lemann e Mônica Saggioro, que privilegiam investimento em empresas de mulheres. A SafeSpace, por exemplo, recebeu um aporte recente delas. No início do ano, a SchoolAdvisor também já tinha batido na porta delas, mas foi uma conversa que ficou para os próximos anos.

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