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Paleterias não sobrevivem nem mesmo a um inverno quente

O empreendedor que se aventurou em abrir um negócio do ramo deu com os burros n`água; nem mesmo a seca e o inverno quente garantiram sobrevida à moda

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 9 ago 2015, 21h42

A moda passou, a temperatura caiu, o dinheiro minguou. O que era um negócio promissor no ano passado virou mico em 2015. As paleterias, lojas de picolé gourmet que antes atraíam filas, hoje brigam para atender a meia dúzia de clientes por dia. Há unidades fazendo saldão de picolés: de 12 reais por 2,50. Há 30 anos no ramo de sorvetes, o empresário Luiz Svartman mantinha uma sorveteria em Moema, bairro nobre da zona Sul de São Paulo. Ao observar as filas quilométricas na paleteria vizinha, pensou em também aproveitar essa oportunidade – aparentemente tão lucrativa. “Entrei na paleta porque era uma onda muito forte e eu tinha de surfar nela”, disse. O problema é que muitos empreendedores tiveram a mesma ideia, nos mesmos bairros, de olho no mesmo público.

As coisas foram muito bem para o empresário nos primeiros meses de trabalho. No verão de 2015, as paletas eram vendidas, literalmente, como água em tempos de racionamento. Para não perder o público dos bloquinhos de carnaval, inovou criando picolés de vodka com energético. Ele garante que a ideia agradou ao público jovem. Porém, nem o outono quase tão quente como o verão foi suficiente para conter a queda fulminante nas vendas. Em março, as portas da paleteria, na Vila Madalena, já estavam fechadas. “O movimento não justificava o pagamento dos funcionários e do aluguel”, explicou.

Somente no bairro da Vila Madalena, três das cinco paleterias abertas no ano passado fecharam. Dos antigos estabelecimentos, restaram apenas as pinturas espalhafatosas, os motivos mexicanos e as placas com nomes em castelhano. Tudo isso por que o México é a pátria das paletas, a palavra local para picolé. Nem mesmo lojas de shopping centers escaparam do destino fatal. No Pátio Paulista, um quiosque e uma loja do mesmo proprietário fecharam no último mês.

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As paleterias se enquadram nos dados da última pesquisa da consultoria Serasa Experian, que mostra que as micro e pequenas empresas puxaram a expansão do número de falências nos primeiros sete meses do ano. De 627 requerimentos de falência – o recorde para o período em nove anos -, 499 foram feitos por micro e pequenos empresários, geralmente os mais vulneráveis a tempos de crise. Apesar do cenário pouco animador, a Associação Brasileira das Indústrias e do Setor de Sorvetes (ABIS) informou que o consumo de sorvetes cresceu 8%, para 1,3 milhão de litros, no ano passado. O que mostra que o preço, mais do que a sazonalidade, pode ter influenciado a queda dos negócios.

A saída, para alguns, é o ‘saldão’ de paletas: enquanto uma unidade era vendida por cerca de 12 reais no início do ano, agora já pode ser encontrada por 2,50 reais em algumas lojas. Também proliferam as promoções do tipo “compre 3, leve 1” ou “sabor do dia a 5 reais”. Em Embu das Artes, na grande São Paulo, uma paleteria pendurou o seguinte cartaz para atrair clientes: “Outlet de paletas”.

Trata-se, dizem os especialistas, do típico negócio de moda, que explode no início, mas tem vida curta. “É o mesmo que aconteceu com as lojas de cup cake, brigaderias, iogurterias. Esses negócios têm prazo de validade. É uma verdadeira corrida de cem metros”, avalia o consultor do Sebrae Marcelo Sinelli. Ele diz que as paleterias não vão desaparecer, mas passar por uma espécie de “seleção natural”. “Só as mais estruturadas perdurarão. E sem filas ou preços exorbitantes”, afirma. Ana Vecchi, diretora da consultoria de gestão Vecchi Ancona, diz que muitos empresários entram no ramo confundindo moda com tendência. “Da noite para o dia, todo mundo virou sorveteiro. Essas modinhas costumam durar, no máximo, cinco anos. O problema é que muitos empreendedores confundem tendência e moda. Tendência é, por exemplo, a comida saudável ou artesanal”, explica.

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Duas marcas que sobrevivem à tormenta são a Los Paleteros, que tem mais de cem franquias, e a Los Hermanos, que mantém cinco lojas próprias em São Paulo. Ambas passaram por um processo de reformulação para sobreviver ao inverno e ao período de vacas magras, mas conseguiram manter o faturamento e preveem crescimento em 2015. A Los Paleteros criou mini quiosques, que exigem investimento menor e são mais versáteis. “Flexibilizamos o negócio para atender às necessidades do mercado”, disse Gean Chu, sócio da empresa. Já a Los Hermanos reduziu pela metade o número de funcionários até a volta da alta temporada. Além disso, a marca também passou a vender paletas no varejo (em supermercados, bancas de jornais, restaurantes, eventos, etc.), e lançaram produtos específicos para o período, como sorvetes com caldas quentes. “Recebo e-mails todo dia de gente querendo passar o ponto comercial. As pessoas viram as filas e acharam que era uma mina de ouro. Na verdade, era só um produto novo”, afirmou Marco Menzani, sócio da Los Hermanos.

Os empresários que mantiveram as portas abertas tiveram de se reinventar. Na Vila Madalena, uma das remanescentes passou a vender, além das paletas, crepes, café, caldos e cuscuz. A outra, comida mexicana. “Às vezes só aparecem cinco, seis clientes durante o dia inteiro”, diz Analia Estrela, atendente de uma das paleterias da Vila. A situação é similar em outro estabelecimento, em Perdizes. “Em dia de chuva, nem as moscas querem entrar”, exclama o atendente Gil Cleon, enquanto mostra como se prepara uma versão do sorvete “premium” para o inverno – o “fondue de paleta”. Luiz Svartman reabriu o seu estabelecimento na Vila Madalena há poucas semanas com mudanças pontuais: as paletas, agora coadjuvantes no cardápio, disputam o espaço nos refrigeradores com os espetinhos de carne, frango e linguiça. O nome ‘Locos por Paleta’ virou ‘Locos por Espetos’. Afinal, tudo é palitinho de madeira, não é?

Apesar do fracasso inicial, Svartman já planeja o dia em que voltará com força para as paletas: “Vou lançar uma linha especial em 23 de setembro, dia internacional do sorvete e início da primavera”. Ele não espera o movimento de antes. “Mas não é por isso que desistirei”, diz. “É muita experiência em sorvete para deixar tudo para trás”. De repente, vem-lhe uma ideia: “Chocolate para o inverno, sorvete para o verão. É um mix interessante, não?”

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(Com reportagem de Teo Cury)

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