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País só sairá da crise com sacrifício coletivo, diz economista

"Ou compreendemos que todos teremos que perder benefícios, ou a situação das contas públicas piorará", diz Marcos Lisboa

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 ago 2017, 08h00 - Publicado em 19 ago 2017, 08h00

O economista Marcos Lisboa é uma das mais incansáveis vozes em defesa da reforma do Estado brasileiro. Presidente do Insper, Lisboa foi vice-presidente do banco Itaú e também ocupou o cargo de secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005. Ele fez parte da equipe que conduziu o período de reformas no início do primeiro governo Lula, e agora alerta para a trajetória de descontrole dos gastos públicos. Na semana passada, a equipe econômica do governo de Michel Temer reajustou a previsão de rombo nas contas federais de 139 bilhões de reais para 159 bilhões de reais. Em entrevista a VEJA, Lisboa criticou a dificuldade do governo de promover um controle dos gastos e a falta de transparência em expor a gravidade do problema fiscal brasileiro: “é preciso explicar à sociedade que gastos obrigatórios estão em trajetória de crescimento e que para estabilizá-los há três opções: cortar despesas, aumentar a carga tributária, ou uma combinação de ambos. Sociedade, é preciso decidir qual das três opções queremos”. Leia abaixo a entrevista na íntegra:

A mudança na meta de um déficit nas contas públicas foi alguma surpresa para quem acompanha a situação do erário brasileiro?
Não foi surpresa alguma, e o anúncio só reflete a gravidade do quadro fiscal do País. Esse desequilíbrio tem algumas causas estruturais e outras conjunturais. O Brasil tem uma despesa pública que cresce acima do PIB há pelo menos duas décadas. Os gastos aumentam em um ritmo anual de 6% acima da inflação. Durante um período, foi possível compensar isso com receitas extraordinárias e com o aumento da carga tributária. O problema é que o excepcional tem o mal habito de não durar para sempre. A partir de 2011, a receita voltou a acompanhar o ritmo do PIB, e a despesa continuou crescendo. O resultado é esse: o governo não consegue mais fechar as contas.

Quais são as causas do crescimento da despesa?
Os gastos obrigatórios representam a maior parte do orçamento – são aqueles com previdência, saúde, educação, transferência para estados e municípios e salário de servidores. Todas essas rubricas têm regras que determinam aumentos anuais. O governo tem reagido ao crescimento dessas despesas comprimindo os gastos discricionários, e aí começa a faltar dinheiro em diversas áreas, como em investimentos. Entre todas as despesas obrigatórias, o caso da previdência é o mais emblemático. As aposentadorias consomem mais de 40% da despesa primária, e, em geral, são indexadas ao salário mínimo, que é corrigido com base no PIB de dois anos antes. Essa fórmula mostra como é inverídico o discurso de que o crescimento da economia vai resolver o problema fiscal. Se a economia cresce e a arrecadação aumenta, o salário mínimo sobe e também as despesas com aposentadoria. Portanto, não adianta só a arrecadação subir. Além da questão da indexação, há o próprio efeito demográfico: o número de aposentados cresce a um ritmo de 3,5% ao ano.

As políticas adotadas pelos últimos governos ajudaram a agravar o problema?
Sem dúvida. As desonerações e o aumento de subsídios aos investimentos e ao crédito são políticas equivocadas, e que foram ampliadas a partir de 2008. Mas o governo atual também errou. Concedeu no ano passado um ajuste salarial de dois dígitos a diversas categorias de servidores, que ficará vigente pelos próximos anos. Na época, alertamos que aquilo era um equívoco. O governo também errou ao prever um cenário muito otimista para a recuperação da economia. Não é que o país não esteja saindo da recessão. A política monetária está ajudando, baixando os juros e a inflação, então é fato que o PIB vai voltar a crescer e que vamos recuperar parte do que perdemos na crise. Isso significa que há uma janela de oportunidades para consertar o fiscal.

O problema é que o Brasil não costuma fazer reformas em tempos favoráveis…
Exatamente. Mas o crescimento previsto está longe de ser um efeito duradouro e sustentável, e isso deve acender o alerta do próximo presidente. Não há sinais de investimentos para ampliar a capacidade produtiva, até por toda essa insegurança que cerca nossa economia. A questão dos impostos é caótica e ainda não se sabe se será necessário aumentar ainda mais carga tributária para resolver as contas do governo. Tudo isso vai depender de como as reformas serão feitas. Ou fazemos mudanças profundas, a começar pela previdência, para segurar a despesa ou vamos ter que continuar a tomar sustos periódicos, com aumento de carga tributária. Se nada disso for feito, vai acabar o dinheiro.

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Qual é o problema de deixar as reformas, especialmente a da previdência, para o próximo governo?
Quanto mais tempo demoramos para tratar o problema, maior ele fica. O número de pessoas ingressantes no mercado de trabalho está diminuindo e o número de aposentados está crescendo. Em trinta anos, o grupo de trabalhadores ativos vai ter crescido somente 6%, enquanto o grupo dos inativos terá aumentado 250%. Para cada ano sem reforma, o problema vai piorando. Basta observar o caso do Rio de Janeiro. Houve uma reforma para servidores federais no começo do governo Lula. Foi uma mudança bem feita, que mudou o regime para os funcionários ingressantes e equalizou as condições com o setor privado. O déficit dos servidores federais não aumentou nessa década e meia. Os estados não fizeram a mesma coisa. Resultado: o Rio de Janeiro e outros estados têm rombos crescentes na folha de pagamento. Sem dúvida, a resolução do caso do Rio virá com reformas sofridas. O mesmo vale para o governo federal. Se ele tivesse feito uma reforma para o INSS junto com a dos servidores, em 2003, a situação agora estaria muito mais tranquila. Mas não fez, então a vida vai ser mais dura. E se demorar ainda mais, vai ser pior.

Aprovar pelo menos uma parte da reforma proposta no Congresso, como a questão da idade mínima, seria bom?
Estamos em uma situação tão dramática, que não dá para dispensar nada. Idade mínima é o aspecto mais importante da reforma, mas se você me perguntar se só isso resolve o problema, eu digo que não. Seria bom aprovar algo, mas daqui a dois ou três anos teremos que fazer outra reforma.

Além das reformas propostas, o que mais seria necessário para resolver o problema fiscal brasileiro?
Tem muito mais a ser feito, o que a equipe de Temer anunciou foi só o começo. Acho que isso é um dos problemas do governo, o de não apresentar o problema completo e ficar apresentando o a resolução em fatias. Atrapalha o debate, porque a sociedade nunca sabe o tamanho real do problema. É preciso explicar que gastos obrigatórios têm essa trajetória nos próximos anos, e que para estabilizar isso precisamos cortar despesas, ou aumentar a carga tributária, ou uma combinação de ambos. Sociedade, vamos decidir qual das três opções queremos. Mas é preciso ter a análise completa para fazer a decisão. O governo cometeu o mesmo equívoco com a reforma da previdência. Em momento algum foram apresentados os dados abertos para explicar para a sociedade e também para o Congresso quais são as expectativas e como será a evolução do gasto com previdência. É válido que haja um debate. Se a sociedade disser que não quer uma idade mínima igual para homem e para mulher, então é preciso mostrar que, para manter a idade mínima da mulher em 60 anos, é preciso aumentar a do homem para 68 ou 70. Essa opção não é a que queremos? Então vamos mexer na pensão por morte para compensar. Queremos diferenciar aposentadoria urbana e rural? Tudo bem, mas a sociedade topa estabelecer uma idade mínima mais alta para o trabalhador urbano, para compensar o rural que se aposenta mais cedo? A discussão seria mais organizada os números estivessem à mesa.

Há uma dificuldade em promover discussões assim, pois a população entende que o governo não fez a própria parte na reforma. Como discutir o que é necessário em um momento como esse?
Acredito que a questão seja pior do que isso. Uma mudança importante nas taxas de juros do BNDES, que criaria transparência para as contas públicas, foi recebida com muita gritaria por empresários, especialmente pela indústria. É importante lembrar que tal mudança não acaba com os juros subsidiados. Os mesmos setores que são contra também não querem aumento na carga tributária. Ou seja, a indústria não quer pagar mais impostos, não abre mão dos créditos fiscais e nem dos financiamentos com subsídios. É como se dissessem: o outro que pague a conta, eu não pago. Ou a sociedade entende que todos nós vamos ter que perder e que todos teremos que nos sacrificar para sair da crise, ou a situação do país vai se agravar.

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Você costuma dizer que o Brasil é o país da meia-entrada, pelo excesso de particularidades e benefícios. Há uma receita para mudar isso?
Esse é o grande debate do Brasil atual. Vamos continuar nessa agenda em que cada um luta por um benefício próprio ou vamos partir para uma agenda republicana, de tratar os iguais por iguais? A indústria reclama que paga muito imposto; é verdade, mas ela tem direito a crédito subsidiado. A agricultura reclama da precariedade na infraestrutura; é verdade, mas carga tributária do setor é mais baixa e ele quase não paga previdência. Uma empresa no Brasil pode ter 10 000 regimes tributários diferentes. Quer um exemplo? A tributação do pão francês é diferente da do pão francês moído. A regra de aposentadoria de um juiz é diferente da de um advogado. Qual é o motivo pra isso? Se tantas exceções são aceitas, ninguém pode reclamar que o Brasil é um país complexo. Se cada um tem uma regra particular, é claro que o sistema tributário vai ser confuso, claro que as regras trabalhistas vão ser caóticas. Temos um sistema com um nível de complexidade o torna disfuncional, e que gera um custo difuso para o país. É preciso fazer uma reforma do Estado para acabar com a disseminação dessas distorções.

 

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