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Pacote do governo decepciona ao misturar corte de gastos com conveniências políticas

O que era para ser o anúncio de medidas de austeridade virou uma trapalhada

Por Márcio Juliboni Atualizado em 29 nov 2024, 11h28 - Publicado em 29 nov 2024, 06h00
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  • Em meados de outubro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a explosão dos gastos públicos era uma “batata quente” que demandava uma solução urgente. A declaração alimentou a esperança dos agentes econômicos de que, enfim, o governo compreendera a gravidade da situação e atacaria as raízes do desequilíbrio fiscal. Após dois meses de gestação e uma agenda intensa de reuniões nas últimas quatro semanas entre Haddad, outros ministros e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o pacote divulgado na noite da quarta-­feira 27 veio embrulhado em trapalhadas e confusões. Primeiro, porque o que deveria ser o anúncio de medidas de austeridade virou uma peça de propaganda ancorada em uma agenda inoportuna — a da isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 000 reais por mês, medida que custará 35 bilhões de reais por ano aos cofres públicos. Segundo, porque coube a Haddad assumir, a pedido de Lula, o papelão de frustrar as expectativas em cadeia nacional de rádio e TV, sinalizando uma clara vitória da ala política do governo e o consequente enfraquecimento do seu próprio posto de ministro da Fazenda. “Diante das dificuldades em cumprir as metas fiscais, não era o momento de anunciar a ampliação da isenção do imposto de renda”, diz Bráulio Borges, pesquisador da Fundação Getulio Vargas. “Na prática, o governo mostrou que vai apenas enxugar gelo.”

    A decepção é proporcional à escalada da dívida pública. Em apenas vinte meses, ela subiu de 72% para 78% do produto interno bruto (PIB) e o mercado projeta que vai superar 80% no ano que vem. Seu maior combustível é a indexação de gastos. As despesas com previdência social, abono salarial, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e seguro-desemprego são atreladas ao reajuste (acima da inflação) do salário mínimo. Já os gastos mínimos com educação e saúde são percentuais fixos das receitas e da arrecadação de impostos, como determina a Constituição de 1988. Assim, a política de reajuste real do salário mínimo que marca os governos petistas e o aumento automático dos desembolsos constitucionais contribuíram para uma elevação dos gastos neste ano bem acima do teto estabelecido pelo arcabouço fiscal para o avanço geral de despesas, de 2,5% acima da inflação. As despesas primárias passaram então a consumir 90% do orçamento, encurtando o espaço dos gastos discricionários e dos investimentos e ameaçando o próprio funcionamento da máquina pública, já que é daí que vem o dinheiro para despesas que vão da conta de luz dos prédios públicos ao salário dos servidores. Por isso, esperava-se que o pacote fosse mais contundente. “Perdemos a oportunidade de reancorar as expectativas fiscais”, diz Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil da gestora UBS Global Wealth.

    arte pacote

    No geral, o pacote estabelece uma nova regra para o reajuste do salário mínimo. Embora seu aumento real continue vinculado ao crescimento do PIB, o teto será de 2,5%, em linha com as regras do arcabouço. Haddad espera que as despesas vinculadas ao mínimo cresçam no mesmo ritmo das demais, contendo os desequilíbrios que ameaçavam implodir o arcabouço já em seu primeiro ano de vida. O abono salarial, hoje pago a quem ganha até dois salários mínimos mensais, equivalentes a 2 824 reais, ficará restrito aos trabalhadores com renda até 2 640 reais. O valor permanecerá congelado até que corresponda a 1,5 salário mínimo. O problema é que, segundo o próprio governo, isso começará a surtir efeito em 2026, quando o abono equivalerá a 1,95 salário, e a convergência para o novo limite ocorrerá progressivamente até 2035.

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    ALINHADOS - Pacheco (à esq.) e Lira: promessa de acelerar votação de medidas
    ALINHADOS - Pacheco (à esq.) e Lira: promessa de acelerar votação de medidas (Ton Molina/Fotoarena/.)

    Outras propostas foram confirmadas, como o combate às fraudes no BPC e a imposição de limites para os vencimentos dos servidores públicos para eliminar os supersalários. Os militares terão aumento da idade mínima para se aposentar e o fim da transferência de pensão e da morte fictícia (pensão paga a familiares de ex-militares expulsos das Forças Armadas por crime ou má conduta). Nada disso impressiona os especialistas. “As propostas vão na direção correta, mas darão apenas uma sobrevida de alguns anos ao arcabouço fiscal”, diz Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e colunista de VEJA.

    MISSÃO - Tropa do Exército: os militares terão novas regras para se aposentar
    MISSÃO - Tropa do Exército: os militares terão novas regras para se aposentar (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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    Até 2026, a economia prevista com o pacote é de 72 bilhões de reais, dos quais 31 bilhões no ano que vem. No acumulado até 2030, a conta chegaria a 327 bilhões. Mas pouca gente acredita que as medidas bastarão para acertar as contas. “Os efeitos pretendidos são inferiores ao esforço necessário para reequilibrar a relação dívida-PIB no médio prazo”, diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda do estado de São Paulo. Outro motivo para o ceticismo do mercado é a tramitação do pacote no Congresso. “Não sabemos como os parlamentares reagirão, especialmente em relação ao imposto de renda”, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. Como esperado, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) será encaminhada com as mudanças do abono salarial, desvinculação das receitas da União e as novas regras para concessão ou prorrogação de subsídios em anos de déficit fiscal. Já projetos de lei contemplarão a nova fórmula para corrigir o salário mínimo e o acesso ao BPC e ao Bolsa Família, entre outros.

    arte pacote

    Além de contar com uma base volátil no parlamento, o governo disputará votos com uma PEC apresentada pelos deputados federais Kim Kataguiri (União Brasil-SP), Julio Lopes (PP-­RJ) e Pedro Paulo (PSD-RJ), vice-­líder do governo na Câmara. O trio afirma que suas propostas economizariam 1,1 trilhão de reais até 2031. Sua peça central é a desindexação dos gastos mínimos com saúde e educação previstos na Constituição. A PEC foi elaborada em conjunto com a Consultoria de Orçamento (Conof) da Câmara. “Essa PEC representa uma resposta estrutural mais sólida para equilibrar as contas públicas”, diz Paulo Bijos, consultor da Conof e secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento até julho. Depois de gerar enorme expectativa, o pacote de fim de ano entregue por Had­dad aos brasileiros se tornou uma grande decepção.

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    Com reportagem de Felipe Erlich, Juliana Elias, Juliana Machado e Luana Zanobia

    Publicado em VEJA de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921

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