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O Tesouro e o BNDES: prejuízo fiscal e retorno duvidoso

De um lado, é claro que o apoio dado pelo Tesouro ao BNDES piora a situação fiscal do país. De outro, o que impera é a total falta de transparência

Por Beatriz Ferrari
16 ago 2010, 08h30

Não há clareza tanto sobre o retorno dos investimentos realizados pelo BNDES quanto sobre os critérios para eleição de ‘campeãs nacionais’

O debate sobre a atuação do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) tomou nova dimensão nas últimas semanas com o acirramento do debate eleitoral. De um lado, economistas, políticos de oposição e jornalistas – inclusive os da conceituada revista The Economist, que disse que o banco promove o “Carnaval do crédito” – afirmam que seu grande volume de desembolsos, viabilizado por crescentes aportes do Tesouro Nacional, tem elevado de forma perigosa a dívida bruta do país, que hoje ultrapassa os 60% do PIB. Na visão dos críticos, a instituição funciona como uma espécie de orçamento paralelo. Do outro lado, há empresários que argumentam que o BNDES desempenha um papel importante na construção do futuro do país. Na semana passada, por exemplo, doze associações patronais saíram em defesa do banco em carta aberta publicada na imprensa.

Os economistas ouvidos por VEJA.com, contudo, são unânimes em afirmar que o país pode pagar caro se não houver reversão da atual trajetória de piora da política fiscal. Apontam também que a atuação do banco não é transparente, não havendo explicações plausíveis para a escolha de campeãs nacionais.

De fato, o BNDES, enquanto banco público de fomento, tem como função ofertar financiamento de longo prazo para realização de investimentos. Para tanto, capta recursos de diversas fontes, como do Fundo de Amparo ao Trabalhador (conforme prevê a Constituição) e no mercado financeiro. A instituição conta ainda com o retorno de suas próprias operações de crédito – responsável pela maior parte de seu fluxo de caixa – e eventuais vendas de ativos. Contudo, a fonte de recursos que mais tem chamado a atenção dos economistas, por conta de sua crescente participação, é o auxílio vindo do Tesouro. Seus aportes somam 180 bilhões de reais entre 2009 e 2010.

Para apoiar o BNDES, o Tesouro emite títulos da dívida pública remunerados pela taxa básica de juros (a Selic, atualmente em 10,75% ao ano) e aporta a quantia no banco. Este, por sua vez, ao receber esses recursos, compromete-se a quitar a dívida com o governo não em conformidade com as taxas de mercado, mas sim a valores inferiores. Em resumo, o Tesouro tem prejuízo neste tipo específico de transação e a manutenção desse subsídio implica aumento do gasto público.

Desta forma, o BNDES consegue emprestar às empresas a juros subsidiados, com remuneração média equivalente a TJLP, de 6%, ou até mais baixa em alguns casos. A crítica feita por analistas é que não se sabe, na ponta do lápis, o quanto essa ‘política da bondade’ custeada com o dinheiro do contribuinte – os empréstimos saltaram de 40 bilhões de reais em 2004 para 137,4 bilhões de reais em 2009 – traduz-se em crescimento econômico. “É difícil fazer essa conta. A avaliação é bastante subjetiva. Certamente não é toda operação do BNDES que está gerando liquidamente uma arrecadação de impostos que não seria gerada de qualquer maneira”, explica Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central.

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Na visão do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, a atuação do BNDES traz efeitos positivos para o país, viabilizando investimentos e, consequentemente, aumentando a produtividade, o emprego e a arrecadação. No entanto, critica a falta de transparência na condução das operações. “O que muitos economistas destacam é que o governo tenta esconder generosos subsídios concedidos a empresas mediante o suprimento de recursos públicos ao BNDES. Além disso, há reclamações de que tem buscado ocultar o crescimento da dívida bruta”, afirma.

A emissão de títulos para viabilizar os repasses ao banco engorda a dívida bruta, mas não aparece na contabilidade da dívida líquida – um dos principais indicadores de solvência das finanças públicas. A razão por trás disso é que o governo tem lançado mão, nos últimos anos, de exclusões do cálculo de determinados desembolsos, como, por exemplo, os referentes às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por conta apenas do ‘efeito BNDES’, a dívida mobiliária (principal componente do endividamento bruto do governo geral) aumentou em 207,5 bilhões de reais de 2008 a 2010.

O grande problema dessa “contabilidade criativa’ é colocar em risco a credibilidade das contas públicas do país. De acordo com Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria, o endividamento bruto demora mais para ser percebido, “mas se for sistemático, a retaliação é imediata”, explica.

As empresas campeãs – Outro aspecto da falta de transparência do BNDES, apontado por economistas, é a obscuridade dos critérios de escolha das empresas que recebem os recursos subsidiados. “O BNDES acaba escolhendo ‘vencedoras’. Existe essa visão de que o Brasil precisa ter grandes empresas, de que o BNDES deve turbiná-las. Mas até que ponto o mercado não poderia financiá-las?”, reclama Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. “No Brasil, assim como existem os sem-terra e os com-terra, existem o sem-BNDES e os com-BNDES”, critica.

O economista Felipe Salto acrescenta que o governo distribui dinheiro público para companhias que, às vezes, nem precisam. “Por que a sociedade precisa pagar esse custo para que algumas empresas tenham crédito? Não faz sentido. O custo fiscal quem paga é a sociedade porque ele aparece, em algum momento, no aumento da dívida de um lado, na ampliação de gastos de outro, e na elevação dos juros de outro”, questiona Salto.

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Política anticíclica – Há algum tempo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, vem reiterando que o Tesouro não dará continuidade à política de realizar aportes volumosos no BNDES. Segundo ele, esses recursos foram imprescindíveis para dar liquidez à economia no ano passado, quando se viu uma escassez de crédito provocada pela crise financeira. Contudo, afirma Mantega, o banco terá de, a partir de agora, “andar com suas próprias pernas” e “aprender a captar no mercado”. Ele admitiu que os aportes provocam crescimento da dívida bruta, mas reforça que os recursos serão devolvidos ao Estado.

O raciocínio de que a expansão generalizada dos desembolsos do banco via aportes do Tesouro não impacta a dívida bruta, já que o dinheiro retorna aos cofres públicos, não faz sentido, de acordo com alguns especialistas ouvidos por VEJA.com. Salto argumenta que o BNDES precisa buscar outras fontes de captação, “porque, no limite, é possível emitir 1 trilhão de reais em dívida e colocar na mão do BNDES sob o argumento de isso vai trazer investimento”. Contudo, essa ‘fórmula mágica’ pode deteriorar significativamente a situação fiscal brasileira no longo prazo.

De onde vêm os recursos do BNDES (principais fontes de captação)

2004 2009 Tesouro 5% 42,5% Retorno das aplicações 70% 47,7% FAT 13% 0,5%

Fonte: BNDES

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