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O pássaro solitário do crescimento

Ganhador do Nobel Michael Spence explica por que os Estados Unidos conseguiram voltar a crescer

Por Michael Spence
7 fev 2015, 10h26

Em um momento de crescimento econômico apagado, países ao redor do mundo estão tentando conceber e implementar estratégias para estimular e sustentar a recuperação. A palavra chave é estratégia: para ter sucesso, os formuladores de políticas devem garantir que medidas para abrir a economia impulsionem o investimento público, reforcem a estabilidade macroeconômica, aumentem a confiança nos mercados e incentivem a alocação de recursos a serem implementados em pacotes razoavelmente completos. Perseguir apenas alguns desses objetivos produz resultados claramente insignificantes.

A China dá um exemplo interessante. Antes de Deng Xiaoping lançar a política de “reforma e abertura”, em 1978, o país tinha níveis relativamente elevados de investimento do setor público. Mas a economia planejada de forma central carecia de incentivos de mercado e, em grande parte, estava fechada aos principais mercados da economia global para bens de investimento e tecnologia. Como resultado, o retorno sobre o investimento público era modesto e o desempenho econômico da China foi medíocre.

A transformação econômica da China começou na década de 1980 com a introdução de incentivos de mercado ao setor agrícola. Estas reformas foram seguidas por uma gradual abertura à economia global, um processo que se acelerou na década de 1990. O crescimento econômico seguiu em frente e o retorno sobre o investimento público subiu, atingindo uma taxa de crescimento anual acima de 9% do PIB, logo após as reformas terem sido implementadas.

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A chave para uma estratégia de crescimento bem sucedida é garantir que as políticas se reforcem e se aperfeiçoem. Por exemplo, impulsionar retorno sobre os investimentos públicos – fundamental para qualquer plano de crescimento – exige políticas complementares e condições, em áreas que variam de alocação de recursos ao ambiente institucional. Em termos de eficácia, o pacote político é mais do que a soma das suas partes.

Obviamente, o portfólio específico de políticas varia de acordo com o estágio de desenvolvimento de um país; a dinâmica de crescimento da fase inicial é notadamente diferente em países de renda média e países desenvolvidos. Mas a importância é a mesma. Assim como a China em desenvolvimento alcançou crescimento rápido somente quando um pacote abrangente de políticas foi implementado, os países avançados, lutando para restaurar os padrões de crescimento sustentável, hoje têm constatado que pacotes de política incompletos produzem recuperações lentas e abaixo do potencial de crescimento e criação de empregos.

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Considere o desempenho do pós-crise da União Europeia e dos Estados Unidos. Embora ambos tiveram sua parcela de problemas, o desempenho dos EUA é um pouco melhor (embora eles ainda enfrentem grandes desafios na geração de emprego de renda média).

A diferença não é que os EUA lançaram um grande estímulo fiscal focado em investimentos públicos. Tal estímulo não foi implementado, embora muitos economistas, inclusive eu, acreditem que ele teria gerado uma recuperação mais rápida e crescimento mais forte a longo prazo. Tampouco a diferença é a maior eficácia política; poucos diriam que o governo dos EUA está funcionando bem hoje em dia, dado o aumento do partidarismo e desacordo pontual sobre seu papel adequado.

A economia dos EUA se beneficiou de dois fatores: sua maior flexibilidade estrutural e dinamismo em relação à Europa e o mandato mais amplo do Federal Reserve, que tem buscado uma política monetária muito mais agressiva do que o Banco Central Europeu. Embora analistas tenham opiniões divergentes sobre a importância relativa destes dois fatores – e, realmente, é difícil para eles – é seguro dizer que ambos desempenharam o seu papel em facilitar a recuperação dos EUA.

A Europa agora está fazendo uma grande aposta no aumento do investimento do setor público, usando uma combinação de financiamento da União Europeia e programas nacionais de investimento, talvez acrescidos por uma modificação das regras orçamentárias da UE. Dado que a falta de investimento do setor público é uma causa comum do crescimento abaixo da média, este é um passo na direção certa.

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Mas o investimento público não é suficiente. Sem reformas estruturais complementares que incentivem o investimento privado e inovação – e assim permitir às economias adaptarem-se e competirem em uma economia global, baseada em tecnologia – um programa de investimento público terá impacto decepcionantemente fraco no crescimento. Em vez disso, o investimento público financiado com dívida irá produzir estímulo de curto prazo, ao custo da estabilidade fiscal de longo prazo.

O problema é que as reformas estruturais são notoriamente difíceis de implementar. Para começar, elas enfrentam resistência política de quem perde a curto prazo, incluindo as empresas e setores que protegem a rigidez existente. Além disso, a fim de assegurar que tais reformas, finalmente, beneficiem a todos, deve existir uma forte cultura de confiança e determinação para evitar que acordos mais flexíveis levem a abusos.

Finalmente, as reformas estruturais necessitam de tempo para fazer efeito. E essa é uma realidade especialmente verdadeira na zona do euro, cujos membros abandonaram uma ferramenta crucial para acelerar o processo – ajustes de taxas de câmbio para contabilizar os níveis de produtividade das diferentes economias – quando eles adotaram a moeda comum.

O presidente do Banco da Comunidade Europeia, BCE, Mario Draghi recentemente argumentou que, como as políticas de retardamento do crescimento individual dos países da UE têm efeitos externos negativos, talvez eles não deveriam ter liberado o controle em determinadas áreas da política. Embora a autoridade de supervisão financeira dos países membros já seja limitada através da centralização da regulamentação bancária e mecanismos de resolução, a sugestão de Draghi é mais abrangente.

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Podemos imaginar se a proposta de Draghi é politicamente viável no contexto da União Europeia. Mesmo se fosse, ela seria necessária? Todas as economias têm subdivisões por entre as quais o dinamismo, o crescimento e a produtividade econômica variam consideravelmente. Na verdade, os diferenciais na qualidade da governança e políticas parecem persistentes, mesmo nas economias que apresentam um bom desempenho no geral.

Talvez parte da resposta seja impedir que as subdivisões – no caso da União Europeia, países-membro – falhem nas reformas necessárias. Mas a centralização traz seu ônus próprio.

Dado o risco inerente em apostar em convergência política, a mobilidade da mão de obra – que permite que o capital humano altamente valioso, especialmente os jovens com boa educação, deixe as regiões menos desenvolvidas em direção àquelas que oferecem mais e melhores oportunidades de emprego – pode vir a ser uma ferramenta fundamental para o ajuste.

Assim, a mobilidade da mão de obra não está adequada na União Europeia. Mas, com aprendizado de idiomas e a implementação de algo como a estratégia de Lisboa para o crescimento e empregos (que visava criar uma inovadora “economia de aprendizagem”, apoiada por políticas de inclusão sociais e ambientais), a mobilidade pode melhorar.

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Mas uma mobilidade de mão de obra mais fluida não é nenhuma panaceia. Como com todos os outros elementos de uma estratégia de crescimento, reforçar mutuamente os esforços é a única maneira de alcançar o sucesso. Um pássaro na mão e melhor que dois voando, mas um pássaro na mão não se traduz em metade dos resultados esperados.

Michael Spence, ganhador do Nobel de Economia, é Professor de Economia na Stern School of Business da Universidade de Nova York e Membro Sênior da Hoover Institution. Sua última publicação é The Next Convergence – The Future of Economic Growth in a Multispeed World.

© Project Syndicate 2015

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