Há um debate acalorado nos Estados Unidos sobre o aumento de impostos para os mais ricos. Duas propostas, em ampla discussão, vêm de preeminentes políticas do Partido Democrata. A senadora Elizabeth Warren sugere taxar fortunas superiores a 50 milhões de dólares. Já a congressista pop star Alexandria Ocasio-Cortez, eleita pelos distritos de Bronx e Queens, em Nova York, defende um aumento de imposto para pessoas que ganham acima de 10 milhões de dólares por ano. No Brasil, com a inclinação pró-mercado prometida pelo governo Bolsonaro, ideias nessa linha não têm muito apelo. Ainda assim, o ministro Paulo Guedes aventou a possibilidade de taxar dividendos e ganhos de capital, em contrapartida a uma redução no imposto pago pelas empresas.
Modelos econômicos sugerem que um imposto sobre os mais ricos permite maximizar as receitas do governo para apoiar políticas públicas em saúde, educação e outras áreas críticas. Impostos, porém, não são neutros. O valor da alíquota que possibilita gerar arrecadação máxima ao governo depende dos efeitos que podem ser causados na atividade empreendedora. Ao redor do globo, empresários batalham para criar produtos e serviços inovadores, com impacto positivo sobre a população. Alguns poucos deles verão suas companhias crescer e seu patrimônio multiplicar-se. Impostos excessivos no topo têm como efeito colateral a redução desse impulso empreendedor. Incorporando-se esse efeito aos modelos econômicos de taxação, a justificativa para um aumento substancial de impostos aos mais ricos torna-se mais frágil.
Esse argumento exige, entretanto, mercados suficientemente abertos para permitir aos novos empreendedores crescer e disputar a posição das empresas estabelecidas. Tudo o que não temos no Brasil. Por aqui, as dificuldades ao empreendedorismo são bastante conhecidas e, contra o bom-senso e a boa teoria econômica, governos anteriores causaram ainda mais concentração de mercado e enriqueceram os donos das empresas. Bancos públicos apoiaram e até criaram campeões nacionais; o Congresso concedeu uma profusão de benefícios tributários; a economia permaneceu relativamente fechada à entrada de concorrentes externos que poderiam quebrar a hegemonia dos grandes grupos. As estrelas da categoria de base também não puderam ascender: com um sistema educacional público precário, o acesso ao ensino superior e ao treinamento profissional de alta qualidade ainda é privilégio dos mais ricos. Além disso, com um emaranhado de regras e requerimentos para abrir negócios, obter licenças e operar nos mercados, consegue prosperar quem tem a bênção de contatos familiares ou políticos.
Essas tendências concentradoras enfraquecem um dos principais argumentos contra impostos no topo, uma vez que os menos abastados já são naturalmente desincentivados de empreender e crescer. Nesse contexto, os mais ricos, incluindo os grandes empresários, podem até querer manter seus benefícios e proteger seus mercados. Mas serão cada vez mais sujeitos a críticas de que seus lucros desiguais não se prestam ao bem comum. Se assim continuar, a pressão para que paguem mais impostos será inevitável.
Publicado em VEJA de 13 de fevereiro de 2019, edição nº 2621
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