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O caminho para o investimento total

O professor emérito de Economia Política da Universidade de Warwick diz que a estagnação secular pode ser vista mais como uma oportunidade do que como ameaça para o crescimento econômico

Por Robert Skidelsky*
29 Maio 2014, 07h37

Um fantasma tem assombrado os tesouros e bancos centrais do Ocidente – o fantasma da estagnação secular. E se não houver recuperação sustentável da crise econômica de 2008-2013? E se as fontes de crescimento econômico secaram; não temporariamente, mas permanentemente?

O novo pessimismo não vem dos marxistas, que sempre procuraram por sinais de colapso do capitalismo, mas do coração do sistema: Larry Summers é ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos durante o governo do presidente Bill Clinton e economista-chefe de quase tudo em um momento ou outro.

A tese de Summers, resumidamente, é que se a rentabilidade esperada dos investimentos está caindo, as taxas de juros têm que cair na mesma proporção. Mas as taxas de juros não podem ir abaixo de zero (na verdade, elas podem ficar congeladas acima de zero se há um desejo forte de aumentar o saldo de caixa). Isto poderia resultar em expectativas de lucro caindo abaixo dos custos de empréstimo.

A maioria das pessoas concorda que isto poderia acontecer no ápice de uma crise. Foi para evitar esta possibilidade que os bancos centrais começaram a injetar dinheiro na economia depois de 2008. A novidade na tese de Summers é a afirmação de que a “estagnação secular” começou de 15 a 20 anos antes da crise.

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É verdade, as taxas de juros estavam caindo, embora não tão rapidamente quanto o lucro esperado em novos investimentos. Então, mesmo nos chamados “anos do boom”, a maioria das economias do Ocidente sobreviveu não em função de novos investimentos, mas de bolhas de ativos baseadas em um endividamento cada vez mais insustentável.

A versão mais comum desta premissa é que a estagnação secular – o subaproveitamento contínuo de recursos potenciais – é o destino de todas as economias que dependem do investimento privado para equilibrar o desnível entre renda e consumo. A medida que o capital se torna mais abundante, o retorno esperado em novos investimentos, levado em conta o risco, cai para quase zero.

Mas isto não significa que todos os investimentos devem acabar. Se o risco pode ser eliminado, a máquina do investimento pode continuar funcionando, ao menos temporariamente.

É onde entram os investimentos públicos. Certos tipos de investimento podem não ter o retorno ajustado ao grau de risco que os investidores privados procuram. Mas desde que o retorno seja positivo, ainda vale a pena fazer estes investimentos. Com taxas de juros quase zero e trabalhadores ociosos, é hora de o Estado assumir a reconstrução da infraestrutura.

Quem conhece a História percebe que Summers está revivendo uma tese desenvolvida pelo economista americano Alvin Hansen em 1938. Em função da desaceleração do crescimento demográfico e, portanto, de uma “demanda de capital” mais baixa, o mundo, Hansen afirmou, enfrentaria um “(…) desemprego estrutural, secular… Nas próximas décadas”.

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O boom prolongado que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial provou falsa a projeção de Hansen. Mas a tese dele não era tola; as premissas implícitas nela é que estavam erradas. Hansen não previu o enorme potencial de consumo de capital da guerra, e das outras várias pequenas guerras, além da longa Guerra Fria, em manter o capital produtivo. Nos Estados Unidos, os gastos militares representavam cerca de 10% do PIB entre os anos 50 e 60.

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O crescimento demográfico foi impulsionado pelo baby boom induzido pela guerra e pela imigração em massa para os Estados Unidos e a Europa Ocidental. Novos mercados de exportação e oportunidades de investimento privado se abriram nos países em desenvolvimento. A maioria dos governos do Ocidente buscava programas de investimento civis de grande escala: pense nas autoestradas interestaduais americanas, construídas durante o governo do presidente Dwight D. Eisenhower, nos anos 1950.

A combinação de acontecimentos e políticas estimulantes permitiu que as economias ocidentais mantivessem taxas elevadas de investimento nos anos que seguiram a Segunda Guerra Mundial. Mas é possível argumentar que tudo isto apenas adiou o dia em que a taxa esperada de retorno de capital ficasse abaixo da taxa mínima de risco aceitável para os poupadores, o que aconteceria a medida que o capital se tornasse mais abundante em relação à população.

Hansen pensava que as novas invenções requereriam menos capital que no passado. Agora isto acontece, no que os economistas do MIT Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee chamam de Segunda Era das Máquinas. Uma empresa como a Kodak precisava, e construiu mais infraestrutura que os seus sucessores, Instagram e Facebook – e (é claro) empregou muito mais trabalhadores. As invenções do futuro podem consumir ainda menos capital (e trabalho).

O que acontece depois disto? A raça humana já teve muito sucesso no passado em manter escasso o capital – envolvendo-se em guerras destrutivas, principalmente. Não se pode excluir a possibilidade de que esta solução seja utilizada no futuro. Afora isto, com certeza é prematuro acreditar que o Ocidente esgotou as suas oportunidades de investimento. Algumas novas invenções, como carros autocondutores, vão exigir investimento pesado de capital em novas estradas. E pode-se pensar em muitas outras. É provável, no entanto, que a maioria dos novos investimentos tenha que ser realizada com subsídios estatais.

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Mas, além disto, a estagnação secular deve ser vista mais como oportunidade do que como ameaça. Os economistas clássicos do século XIX ansiavam pelo que chamavam de “estado estacionário”, onde, nas palavras de John Stuart Mill, “(…) batalhar para sobreviver… Atropelar, esmagar, acotovelar e pisotear uns nos calcanhares dos outros” não seria mais necessário.

Se uma situação de verdadeiro “investimento total” – isto é, onde a oferta de capital aumentasse a tal ponto que o rendimento líquido não ultrapassasse o custo de reposição – chegasse a acontecer, isso significaria que a raça humana resolveu a questão econômica. O desafio então seria converter a abundância de capital em mais oportunidades e consumo balanceado.

Se isso acontecesse, estaríamos no limiar de um novo mundo – no paraíso terrestre, diriam alguns. Algo é quase certo: nossos líderes farão o possível para garantir que jamais cheguemos lá.

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*Robert Skidelsky é professor emérito de Economia Política da Universidade de Warwick e membro da Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha. Ele é autor da biografia de três volumes do economista John Maynard Keynes.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate, 2014

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