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O barato das hamburguerias em tempos de crise

Em tempos de orçamento restrito, famílias abandonam restaurantes caros e ajudam a inflar a "bolha" do hambúrguer nas capitais

Por Teo Cury Atualizado em 17 abr 2023, 19h07 - Publicado em 6 jun 2015, 12h12

Gastar menos de 30 reais em uma refeição que não é fast food, nem vem do restaurante por quilo da esquina ou da franquia da praça de alimentação do shopping parece missão impossível em tempos de preços ladeira acima e renda mais baixa. De olho no público jovem que não está disposto a pagar caro por jantares formais e tampouco quer encontrar os amigos na loja mais próxima do McDonald’s, empreendedores apostam em formatos de negócio que requerem pouco investimento, porém, oferecem uma experiência menos enlatada aos clientes: um deles é o já saturado food truck, o outro são as hamburguerias.

A febre do hambúrguer “gourmet”, feito teoricamente com ingredientes mais frescos e saborosos, tem operado milagres: os milhares de jovens que fazem filas nas hamburguerias (lanchonete é um termo definitivamente sepultado pelas novas gerações) não consideram a iguaria fast food. A preocupação maior é se a carne tem boa procedência e não passou por nenhum processamento, a alface é livre de agrotóxicos e o pão, feito dentro da próprio estabelecimento. Se o bacon for orgânico, melhor ainda.

No lado empresarial, o bom e velho sanduíche de pão, carne, queijo e salada se tornou a mina de ouro da gastronomia em tempos de aperto no orçamento das famílias e pouca verba para investir em empreitadas gastronômicas. Foi pensando nisso que os irmãos Stephano e André Tarantino e o amigo Marco Daige criaram o Vinil Burger, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, onde o cliente escolhe como montar seu sanduíche, que sai por não mais que 20 reais. Uma porção de batata frita que acompanha maionese e ketchup caseiros sai por 9 reais. ‘Caseiro’ é a palavra da vez nas hamburguerias, seguida por ‘artesanal’. “Queríamos o melhor hambúrguer possível por 20 reais, mantendo o DNA de rua, sem garçom. Algo mais humano”, diz Stephano, de 23 anos. O trio investiu 200 mil reais na criação da loja e em menos de um ano conseguiu reaver todo o dinheiro. O Vinil produz 10 mil hambúrgueres por mês, o que rende um faturamento de 200 mil reais apenas com a venda dos sanduíches – sem contar bebidas, fritas e sobremesa.

Hamburgueria

O interesse pelo hambúrguer caseiro é tão recente que um dos pioneiros nesse formato, o Z Deli Sandwich Shop, eleito este ano como a melhor hamburgueria da cidade, demorou três anos para abrir uma segunda unidade. A primeira loja, minúscula, de apenas 15 metros quadrados na rua Haddock Lobo, nos Jardins, ainda existe. Mas a segunda unidade ocupa uma imponente casa no bairro de Pinheiros, por onde passam 600 pessoas durante o dia e 1600 nos fins de semana. Os sócios Julio Raw e Bruno Mester detalharam os planos para tornar a operação ainda mais caseira. A cozinha, de 80 metros quadrados, vai ser ampliada graças à compra do imóvel vizinho. “É na nova cozinha de 200 metros quadrados onde serão feitos os hambúrgueres, as maioneses e as batatas”, conta Raw. A empreitada não é um negócio para amadores: o investimento na loja de Pinheiros alcançou 1 milhão de reais. O preço dos hambúrgueres varia de 24 a 32 reais e os sócios investem em opções de drinks para os que não estão muito interessados em economizar.

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O Holy Burger, no bairro de Santa Cecília, é a mais nova sensação entre as hamburguerias paulistanas. A crise tampouco desembarcou por lá. Graças a Deus, dizem os sócios, que decidiram vender hambúrgueres para arrecadar fundos para dois projetos sociais da Igreja Batista da Liberdade – daí o nome holy, que, em português, significa santo. Em novembro de 2014, investiram 300 mil reais para abrir a lanchonete. “Hoje, 10% do que arrecadamos é destinado ao Um Novo Tempo, projeto social que ensina futebol, ballet e circo a 100 crianças, e ao Extreme Impact, que dá aulas de hip-hop, artes e skate”, conta o sócio Marcus Vinícius. A casa recebe, em média, 250 pessoas por dia durante a semana e 1.000 pessoas aos finais de semana, que gastam cerca de 45 reais. Como se não bastassem os louros do sucesso, há outros presentes divinos. Além dos sanduíches, a hamburgueria viralizou nas redes sociais depois que se descobriu que um de seus garçons, Helder Chill, está mais para modelo do que para fã de hambúrguer. Os sócios comemoram. “Não estamos sentindo a crise econômica, pois nosso fluxo é alto. O que sentimos é a crise hídrica. Falta água duas vezes por semana aqui”, explica Marcus Vinícius, que tem de oferecer produtos descartáveis aos clientes, que muitas vezes não podem sequer lavar as mãos.

Hamburgueria

Há empreendedores que querem surfar na onda do hambúrguer, mas não podem investir o suficiente para montar uma loja ou um food truck. A saída, neste caso, é unir duas correntes em alta: o hambúrguer e a bike. Para Danilo Tanaka, criador da Bike Burger, que fica estacionada na Alameda Rio Claro, no bairro da Bela Vista, o período é de vacas gordas. No começo do ano, vendia 100 hambúrgueres por dia. Hoje, já são 200, quase o mesmo que o Holy, em Santa Cecília, porém, com um décimo do investimento. “Nosso tíquete médio varia de 15 a 20 reais. É um hambúrguer bom e com preço justo”, diz Tanaka.

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Antes de empreender na bike, Tanaka era fotógrafo, mas cansou da rotina insana das editoras e decidiu mudar de vida. Com o valor recebido na rescisão, comprou um apartamento. A única coisa que lhe restou depois de limpar a poupança foi a bicicleta na garagem, que passou a usar como meio de locomoção. “Na nova casa, começamos a fazer hambúrgueres para os amigos. Enquanto a Lei de Comida de Rua estava em fase de aprovação, fizemos hamburgadas em feiras uma vez por mês para ver se funcionava”, explica. Assim que a lei foi aprovada, Tanaka decidiu entrar no ramo oferecendo um cardápio restrito: um hambúrguer com queijo, bacon, salada e molho de tomate. “Eu mesmo desenhei o protótipo da bike”, conta o fotógrafo-empresário para quem o maior inimigo não é a crise, mas o clima.”Quando chove ou faz frio, o movimento despenca”, diz.

Empreendedor, Tanaka pensa em abrir uma loja física para destinar uma parte do lucro a uma ONG de incentivo a bicicletas populares de qualidade. Mas quando pensa na burocracia e nos custos trabalhistas que incorrem sobre as empresas no Brasil, a ideia de expansão arrefece. É a epítome do que vivem muitos empresários do setor produtivo brasileiro. “Para isso, teríamos de ampliar o cardápio, contratar funcionários e pagar aluguel, o que faria com que o custo aumentasse e o investimento não compensasse”, explica. Por enquanto, Tanaka vai de bike.

Longe da bike turbinada de Tanaka, o filho do chef Claude Troisgros, Thomas, decidiu ter luz própria no mundo dos restaurantes, porém, sem recorrer à culinária francesa. Abriu, no Rio de Janeiro, em parceria com os donos da marca de roupas Reserva, a hamburgueria Reserva TT Burger. A primeira unidade foi inaugurada em 2013, na praia do Arpoador, e virou febre entre a moçada da Zona Sul carioca, que não hesitou em trair as lanchonetes tradicionais do bairro e aderir ao hambúrguer de 180 gramas de Thomas. Filas se formam dia e noite. Seguindo o modelo de negócio de cardápio restrito, os sócios criaram apenas um sabor de sanduíche feito com pão de batata-doce produzido por moradores do Complexo do Alemão. Custa 28 reais. Em dois anos de estrada, os donos já inauguraram mais duas unidades: na Barra e no Leblon.

O desafio das hamburguerias que sobreviverem à febre é a estagnação. Afinal, a alma do negócio é o caráter “artesanal”. Caso contrário, terão de replicar o modelo do Madero, em Curitiba, que teve de abrir mão do conceito de lanchonete gourmet para virar uma rede. A primeira loja foi criada em 2005 e o negócio já era um império quando as hamburguerias descoladas sequer sonhavam existir. Hoje, se transformou em multinacional, com 40 lojas pelo país, um fluxo mensal de clientes que chega a 500 mil e expansão no exterior. No ano passado, os sócios venderam 20% da operação a um fundo de private equity português numa operação de cifras milionárias que nada tem de “artesanal”. O dinheiro turbinou a rede, que vai inaugurar em 2015 lojas na Austrália, nos Estados Unidos, no Paraguai, no Uruguai e até nos Emirados Árabes.

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