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O Banco Central assume a liderança no enfrentamento da crise

A exemplo do que acontece em outros países, a instituição recebeu do Congresso e do governo a espinhosa missão de fomentar a economia na pandemia

Por Victor Irajá Atualizado em 17 abr 2020, 10h16 - Publicado em 17 abr 2020, 06h00

Até a eclosão apocalíptica da crise financeira de 2008, um economista que sugerisse qualquer ideia ou projeto que se aproximasse do conceito de “imprimir dinheiro” seria marcado com um anátema por seus pares, tal qual um herege durante a Idade Média. Desde então, muita coisa mudou. Para escaparem do abismo, países desenvolvidos adotaram um sistema de impressão de papel-moeda com uma roupagem moderna e um nome charmoso: quantitative easing. Por meio dessa iniciativa, os bancos centrais dos Estados Unidos e do Japão impediram o colapso completo de sua economia e garantiram que a sangria fosse estancada. Doze anos depois, a crise provocada pela pandemia de coronavírus, ainda mais aguda, promete forçar não apenas as autoridades monetárias das principais potências — resguardadas por suas moedas fortes —, mas também as de países emergentes, como o Brasil, a adotar o expediente.

A autorização já foi concedida. Na noite da quarta-feira 15, ao aprovar a proposta de emenda à Constituição (PEC) do Orçamento de Guerra, o Senado deu um grande cheque em branco ao Banco Central. A medida, em seu núcleo, permite que o governo federal gaste muito além do orçamento para este ano no combate à crise econômica. A PEC direciona os recursos a aparatos de saúde, sobrevivência de empresas e manutenção de empregos, além de esvaziar a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro seja enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal e em outras amarras como a Regra de Ouro e o Teto de Gastos pelo dispêndio de recursos acima do previsto. Trata-se de uma alternativa extrema, uma vez que o país está em verdadeiro estado de calamidade. Mas, para além dos artigos primeiros, o texto da PEC confere poderes quase ilimitados ao Banco Central para que ele atue como fiador da economia brasileira em meio à crise.

NEGOCIAÇÃO - O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o ministro Paulo Guedes: garantia para gastar mais (Adriano Machado / Reuters/VEJA)

Constitucionalmente, a autoridade monetária do país não pode financiar o caixa do governo de forma direta, mas sempre fez isso por outras vias — seja comprando títulos de instituições públicas, seja injetando dinheiro indiretamente. As alterações expressas na PEC do Orçamento de Guerra autorizam o BC a fazer o mesmo com as empresas privadas, afastando o risco de que as companhias demitam e quebrem. É uma considerável mudança de paradigma, comparável à flexibilização do câmbio, adotada pelo BC durante a crise de 1998. Na prática, além de ser o guardião da moeda, o BC passa a ter o papel de fomentar a economia.

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As definições da emenda constitucional aprovada pelo Senado abrem a possibilidade real de o Banco Central inaugurar um quantitative easing no Brasil. O que antes seria com certeza chamado de “calote branco” — uma vez que um grande volume de títulos do governo passará para as mãos do próprio governo por meio da produção em massa de notas de real — agora poderá ganhar tons de pioneirismo no combate à crise. O modelo, que fique claro, não difere do que foi implementado pelo BC americano, o Federal Reserve (Fed), quando, após a crise deflagrada pela quebra do banco Lehman Brothers, em 2008, passou a comprar títulos em posse das empresas e dos bancos para que esses utilizassem os recursos para fomentar a economia. Uma das empresas beneficiadas, por exemplo, foi a General Motors.

ALTA DEMANDA - Filas em bancos: pedidos de renegociação de dívidas (Lucas Landau/Reuters)

A estratégia é ao mesmo tempo arrojada e perigosa. O BC até aqui tem utilizado os recursos que tinha em mãos para permitir a renegociação e a rolagem de dívidas. Necessários ou não, mais de 200 bilhões de reais em dívidas já foram requisitados por clientes de bancos para ser renegociados. Um reflexo da procura está nas filas nas calçadas de instituições financeiras por todo o país, em plena quarentena de luta contra o vírus. Agora, a partir da promulgação da PEC, o BC poderá exercer uma pressão positiva sobre a economia. “A questão é que, diferentemente do Fed, o Banco Central brasileiro não tem experiência com esse tipo de operação”, diz Carlos Langoni, ex-presidente do BC.

O remédio parece ser muito bom para combater a doença do momento, mas — em excesso — pode ser fatal. Antes da aprovação da PEC, o senador Antonio Anastasia (PSD-­MG) e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM­-AP), procuraram Roberto Campos Neto, presidente do BC, e Paulo Guedes, ministro da Economia. Apresentaram a ambos a preocupação dos congressistas com a mudança. O medo é que o governo perca a mão e arruíne as contas públicas. O Banco Central e, no limite, toda a sociedade brasileira passariam a assumir os riscos de calote por parte das empresas — pois, ao comprar seus títulos, o BC vira sócio do negócio. Mesmo sob circunstâncias extremas, o planejamento é crucial. Por mais de uma década, o Brasil juntou um volume de reservas internacionais acima de suas necessidades. Com isso, os 360 bilhões de dólares acumulados (o equivalente a 24% do PIB brasileiro) podem ser utilizados também como um colchão fiscal. “O movimento de venda de reservas cambiais pode conter o aumento da dívida pública causado pelos gastos para enfrentar a pandemia”, afirma Sergio Goldenstein, ex-diretor do BC. A necessidade de injetar recursos na economia é inquestionável. A questão é como e até que ponto isso deverá ser feito.

Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683

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