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“Nunca tive bolo de aniversário”, conta fundadora da Sodiê

Cleusa Maria da Silva, 53 anos, relata o caminho de boia-fria a empreendedora de sucesso

Por Cleusa Maria da Silva
Atualizado em 1 nov 2019, 10h41 - Publicado em 1 nov 2019, 06h00

Minha infância foi sofrida, mas numa família feliz. Vivíamos no Paraná eu, nove irmãos e meus pais — que trabalhavam no sítio em que morávamos. Todo ano chegava uma criança em casa, pois a diferença de idade entre cada um de nós era de doze meses, em média. Era desesperador, porque eu, a terceira filha, era quem cuidava deles enquanto minha mãe trabalhava na roça com meu pai. Aos 7 anos, eu dava mamadeira a quatro crianças. Um dia tive um ataque. Elas choravam demais, e joguei a mamadeira na parede. Era muita responsabilidade para uma criança. O que já era difícil ficou muito pior. Meu pai morreu em um acidente de carro quando eu tinha 12  anos. O dono do sítio onde vivíamos demitiu minha mãe, e fomos morar na casa de dois cômodos dos meus avós, em Salto (SP), onde parte da família trabalhava como boia-fria. Minha mãe acordava às 4 da manhã para fazer marmitas, e eu me levantava junto para limpar a casa. Depois, subíamos, nós duas e mais cinco irmãos, no caminhão com destino às lavouras de cana-de-açúcar. Foram quatro anos cortando cana com mãos inchadas de picadas de abelha. Um dia, um tio pediu à minha mãe que me deixasse ir com ele para São Paulo. Ela resistiu — muitos já tinham falado com ela para dar os filhos, mas ela jamais aceitara se separar de nós. Argumentei que eu não estava saindo de casa, e sim indo buscar ajuda. Ela aceitou.

Cheguei a São Paulo num sábado e já na segunda comecei a trabalhar como empregada doméstica. O que eu ainda não sabia era que teria de dormir no emprego. Foi terrível ficar sozinha com desconhecidos. Todo o meu salário era mandado no fim do mês para minha mãe. Descobri um mundo de fartura que não conhecia: a casa tinha uma despensa cheia de alimentos e pacotes fechados de sabonetes. E também de mesquinharia. Até hoje sinto o cheiro da musse de laranja que era só dos patrões — e que eu provava quando raspava a louça antes de lavá-la. Eu queria mudar, e vi no estudo uma oportunidade. Trabalhava de dia e comecei a fazer supletivo à noite. Quando concluí o ensino fundamental, saí da casa da família, fui morar com meu tio e arrumei emprego em um escritório. A convivência com os parentes não foi boa, e voltei para Salto. Virei operária em uma fábrica e passei a comprar material de construção para fazer uma casa em um terreno que minha mãe adquirira com o seguro da morte de meu pai. O dinheiro do pedreiro era contado, a gente mal comia. Quando nos mudamos, apesar de as portas e janelas serem de papelão, foi um sonho. Essa casa existe até hoje.

A reviravolta na minha vida começou quando o dono da empresa em que eu trabalhava morreu e a mulher dele assumiu o negócio. Nós ficamos próximas. Ela fazia bolos para fora e me pediu ajuda para assumir as encomendas, mas eu não queria esse tipo de trabalho e não sabia fazer. Nunca tive bolo de aniversário. Só muito tempo depois percebi o que um bolo significa na vida das pessoas. No dia em que minha patroa quebrou a perna, não tive mais como negar ajuda. O primeiro bolo que fiz sob a supervisão dela foi um sucesso, e não parei mais. Comecei a atender aos pedidos à noite. Pedi demissão e, com a rescisão, montei uma lojinha. Fiquei famosa na cidade. Um cliente assíduo sempre dizia que queria levar meus bolos para São Paulo. A insistência dele me incentivou a descobrir o que era franquia. Fiz curso, comprei livros. E esse antigo cliente foi o primeiro a montar uma loja minha. A expansão foi rápida demais, o que me rendeu noites sem dormir. Eu morria de medo de que as pessoas perdessem o que investiam. Minha história é a da luta pela sobrevivência, por uma vida melhor para a família. Não ver minha mãe com o rosto sujo de carvão de cana queimada foi a maior realização. Não foi sorte, foi trabalho dia após dia. Hoje, a marca Sodiê Doces tem mais de 300 lojas pelo país, além de uma em Orlando (Estados Unidos), e fatura 290 milhões de reais por ano.

Depoimento dado a Alessandra Kianek

Publicado em VEJA de 6 de novembro de 2019, edição nº 2659

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