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Nem Natal salva o comércio da crise

Para as festas de fim de ano, até Papai Noel está com dificuldade para conseguir trabalho; nas ruas, consumidores atestam previsões ruins feitas pelo comércio

Por Luís Lima e Téo Cury
17 out 2015, 08h59

Silvio Ribeiro trabalha como Papai Noel em festas de fim de ano há 48 anos. Mais que isso: ele mantém uma equipe de 15 “bons velhinhos”, que trabalham em shoppings, empresas, eventos e residências. Mesmo com uma inflação de mais de 9% prevista para 2015, ele decidiu não reajustar o preço do serviço, inalterado há dois anos. Para ter um Papai Noel com barba postiça, o preço é 650 reais. Com barba de verdade, o valor passa a 850 reais. Em outras épocas, as reservas já estariam aquecidas nessa época do ano, a pouco mais de dois meses do Natal. Neste 2015 de retração econômica, no entanto, até Papai Noel é termômetro do aperto financeiro da clientela. “Ainda não recebemos nenhum pedido”, diz Ribeiro. “Nossa esperança está no recebimento do 13º salário.”

Na última década, o comércio elegeu, a cada fim de ano, um produto-símbolo da fase de bonança do consumo no país. Os varejistas brasileiros já celebraram o Natal da TV de plasma, o do notebook e o dos smartphones, para citar três campeões de vendas. Em 2015, se houver algum campeão para eleger como símbolo, já será uma vitória. Praticamente todos os setores do varejo preveem para este ano seu pior Natal em muito tempo. O depoimento do Papai Noel Silvio Ribeiro ou o repentino aparecimento de panetones – tradicional produto de fim de ano – nas prateleiras de supermercados em pleno mês de setembro atestam o que economistas e empresários já anteveem: em 2015, nem o Natal salva os resultados do comércio.

A celebração de fim de ano da família da enfermeira aposentada Teresa Jonas vai ser mais simples que o do passado. “Não teremos amigo secreto, só vamos presentear as crianças”, diz ela. “Para os adultos, daremos doce. E caseiro.” Na casa da relações públicas Amanda Abed, a celebração também vai ser mais enxuta. A família grande já permitiu festas de Natal com até 70 pessoas. Em 2015, serão 20. “Decidimos não chamar todo mundo”, conta.

Inflação, dólar e desemprego em alta estão entre os fatores que se somam para que as projeções de um Natal mais magro. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) fala em impacto direto em todos os segmentos do varejo, que incluem lojas de rua, shoppings e o comércio eletrônico. Para o varejo físico, a entidade projeta vendas 4,1% menores que as de 2014, o que deve marcar a primeira retração desde 2004.

Os planos de fim de ano do aposentado Manuel de Abreu põem em cores vivas o que as planilhas de empresas e entidades de classe como a CNC já anteveem. Na família do aposentado, os adultos não ganham presentes – e o neto não vai ganhar um tablet novo, como Abreu planejava, mas um que, hoje, é de sua esposa. “Vamos aproveitar que ela não usa tanto”, diz.

Quando os empresários afirmam que nem o Natal livrará 2015 de ser um ano ruim para as vendas, não se trata de pessimismo cego. Em todas as outras datas usadas como trampolim pelo comércio, os números deste ano foram decepcionantes. Segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), em 2015, as vendas caíram no Dia das Crianças (-8,95%), Dia dos Namorados (-7,82%), Páscoa (-4,93%), Dia das Mães (-0,59%) e dos Pais (-11,21%).

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Não que o consumo vá simplesmente desaparecer. O testemunho de Marlei Panighel dá mostras da prática que muitas famílias podem adotar neste fim de ano: em vez de troca de presentes, amigo secreto para direcionar o gasto. “Fixamos um preço e trocamos presentes”, diz. Marcela Kawauti, economista-chefe do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), afirma que esse gasto mais direcionado poder ser a regra geral. “As pessoas não vão deixar de gastar, mas gastarão menos”, diz. Assim, exemplifica a economista, quem comprava um vinho importado para a ceia, por exemplo, deverá optar por um nacional, e o panetone com frutas cristalizadas, mais barato, deverá virar a opção de quem em anos anteriores comprou a versão trufada.

Essa substituição tem sido sentida pelos supermercados, atesta Fernando Yamada, presidente da Associação Brasileira de Supermercados. E, mais que isso, os consumidores estão “priorizando as compras de abastecimento da casa”, afirma. Nos shoppings, as vendas devem ser menores que as de 2014 – que já tinha sido o mais fraco em oito anos, diz Luis Augusto Ildefonso da Silva, diretor de relações institucionais da Alshop. Roupas, calçados, e eletroeletrônicos, afirma, estão entre os itens com as piores perspectivas para o Natal. “As pessoas estão adiando as compras de produtos que podem ser substituídos mais tarde porque não têm certeza se terão emprego daqui a alguns meses.”, diz.

Esse cenário deverá frear a demanda por trabalhadores temporários em 2015. No fim deste ano, nove em cada dez empresários (88%) disseram que não contrataram nem pretendem contratar funcionários para reforçar o efetivo, segundo levantamento do SPC e da CNDL. Além disso, apenas 27% dos empresários consultados disseram que pretendem investir no Natal – os que disseram que não o farão somam 71%. De acordo com a CNC, pela primeira vez desde 2009 a estimativa aponta para uma retração de 2,3% no número de vagas em relação ao ano anterior, para 139,6 mil posições. A entidade estima que o salário médio de admissão poderá chegar a 1.442 reais.

Exceções positivas – Ao menos por ora, a projeção é menos nebulosa para o e-commerce. A Associação Brasileira do Comércio Eletrônico (Abcomm) prevê crescimento de 18% das vendas neste Natal em comparação com o de 2014. De qualquer forma, a projeção é menor que os 26% que a entidade previa no início de 2015. “Serão afetadas principalmente as categorias de eletrônicos e informática, mais ancoradas no dólar”, diz Maurício Salvador, presidente da entidade.

E o panetone, que chegou mais cedo às prateleiras, também pode ficar entre as exceções positivas de um Natal de más notícias. A Pandurata, que produz as linhas Bauducco, Visconti e Tommy, tem uma produção estimada em 65 milhões de unidades. Para concorrer com outras lembrancinhas, a Pandurata sofisticou as embalagens e segurou os preços. O reajuste, segundo a empresa, ficará abaixo da inflação de 9% projetada para 2015.

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De qualquer forma, essas são exceções. A regra geral será a do corte de gastos por parte dos consumidores – e queda nas vendas e nas contratações do lado do varejo. E há quem tenha decidido levar o enxugamento ao máximo possível. Luis Fernando Bayer, que já chegou a fazer jantar para 30 pessoas no Natal, neste ano,decidiu passar sozinho. “Está tudo muito caro”, diz. Em Natal em que até Papai Noel não consegue se empregar, de fato não há espírito natalino que se sustente.

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