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Na crise econômica do coronavírus, o pior ficou para trás

Indicadores de atividade e de confiança dos empresários mostram que o período mais sombrio provocado pela pandemia começa a ser superado

Por Victor Irajá, Larissa Quintino Atualizado em 3 jul 2020, 12h05 - Publicado em 3 jul 2020, 06h00

A velocidade de propagação da Covid-19 ainda é um enigma para os epidemiologistas, mas não é exagero dizer que, na economia, há sinais de que o pior já passou. Resultado da necessária paralisação da atividade econômica, o cenário sombrio para as contas públicas e finanças dos brasileiros virou pedra cantada. Mas, a despeito do exercício de futurologia, as projeções feitas pelos economistas do mercado financeiro, de entidades internacionais ou até do próprio Banco Central — que prevê queda de 6,4% no PIB de 2020 — começam a ser vistas como pessimistas demais. O entendimento dentro do Ministério da Economia é de que, apesar de as perspectivas ainda serem turvas, o país já passou pelo momento mais duro da crise econômica. A Receita Federal encaminhou ao ministro Paulo Guedes relatórios demonstrativos de que o volume financeiro registrado pelas emissões de notas fiscais eletrônicas mostra que o apetite dos consumidores está alto. De acordo com os dados, o giro financeiro em junho deste ano não apenas superou o de todos os meses desde o início da crise como também ultrapassou o de junho de 2019. Apesar dos efeitos dessa movimentação só serem perceptíveis nos próximos meses, é uma notícia alvissareira.

Em paralelo à movimentação financeira a partir de notas fiscais, outros indicadores também mostram que há espaço para que a retomada aconteça antes do previsto. Entre março e abril, o índice de confiança do empresariado, medido pela Fundação Getulio Vargas, havia ido à lona, atingindo seu pior desempenho desde a crise de 2008. Em junho, o indicador subiu quase 15 pontos, alcançando 80,4 pontos, ainda abaixo do indicador de otimismo (100 pontos), mas em um claro sinal de recuperação. “Em abril, foi registrado o pior momento de atividade econômica, mas em maio e junho esse resultado foi se amainando”, afirma Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda. A explicação para a melhora na atividade econômica e nas expectativas de retomada, porém, é paradoxal. Enquanto o isolamento adotado de forma irregular em todo o país fez com que o impacto não atingisse a economia por inteiro, vai provocar uma recuperação em um ritmo mais lento do que nos países que aderiram às quarentenas e aos lockdowns por completo. “Já era para estarmos em um ritmo de recuperação mais acelerado e as coisas só não estão indo melhor porque o combate à pandemia foi errático e prejudicou o nível de atividade no futuro. Poderíamos estar num patamar acima se o presidente Jair Bolsonaro tivesse lidado melhor com a questão”, diz o economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda.

SINERGIA – Delfim Neto, ex-ministro da Fazenda: expectativa de melhora diante do entendimento entre as ações do governo e do Congresso. (Eduardo Knapp/Folhapress)

Com a reabertura gradual de atividades não essenciais nos estados, um dos setores mais beneficiados é o de serviços — e esse é um dos motivos de otimismo do governo. Responsáveis por mais de 70% do PIB, os negócios dessa área foram os mais afetados pelo fechamento dos estabelecimentos e pelo isolamento social. Com a expectativa de abrandamento da taxa de contágio e o desenvolvimento de uma vacina efetiva contra o coronavírus, o índice de confiança no setor se recupera rapidamente, de acordo com a FGV. Os indicadores usados pelo Banco Central para projetar a inflação também mostram que, ainda de forma débil, o setor está abandonando a respiração por aparelhos. O uso do cartão de débito para pagamento de compras, uma espécie de monitor para o desempenho de vendas em relação ao período pré-pandemia (equivalente à primeira quinzena de março), evidencia a reação das vendas de bens não duráveis em supermercados, farmácias e postos de gasolina. Se houve queda de 10,7% na semana de 22 a 28 de março, no período entre 7 e 13 de junho o indicador subiu para 9,2%. No caso dos bens duráveis, também houve melhora e o cenário começa a desanuviar. O indi­cador que leva em consideração vendas de vestuário, calçados e material de construção, que apresentou tombo de 74,9% no início do distanciamento social, recuou apenas 7,9% na segunda semana de junho.

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Até mesmo os números relativos ao desemprego, que ainda preocupam, já dão mostras de que é possível enxergar um fiapo de luz no fim do túnel. À primeira vista, os mais pessimistas podem se apegar ao fechamento de 331 901 postos de trabalho com carteira assinada em maio, sinalizado pelo Cadastro Nacional de Empregados e Desempregados (Caged). Por outro lado, o número de contratações acelerou 14% em relação a abril. Além disso, o número de demissões do mês, cerca de 1 milhão, foi o menor registrado durante todo o ano, e também inferior aos desligamentos ocorridos em maio do ano passado. “As contratações, mesmo que lentas, estão acontecendo e as empresas diminuíram as demissões. Podemos ver isso como um sinal de respiro”, interpretou o secretário de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco. Ainda é cedo para falar em retomada no emprego, mas o sinal trazido no mercado formal é positivo na avaliação de José Pastore, professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo. “As medidas provisórias de preservação dos empregos foram lançadas em abril e, em maio, os empresários ficaram mais à vontade para se valer desse recurso”, diz Pastore. “Somada a isso, a retomada em alguns estados levou a uma desaceleração das demissões. Agora, os empregadores vão enxergar a demanda, ver se faz sentido ter toda aquela mão de obra e, aí, se é necessário redimensionar sua equipe, seja para demitir, manter ou contratar”, analisa. De acordo com Pastore, no processo de reavaliação é fundamental que as ferramentas como a possibilidade de redução de jornada e salário e a suspensão de contratos sejam prorrogadas, uma medida que deve ser anunciada nas próximas semanas por Bolsonaro.

VOLTA À ATIVA - Shoppings reabertos em São Paulo: a retomada do consumo ajuda o setor de serviços. (Marcela Mattos/Ofotográfico/.)

Na avaliação da situação econômica é importante destacar o impacto do auxílio emergencial. Na terça-feira 30, o governo confirmou a continuidade do programa destinado à população mais vulnerável à crise. Anunciado originalmente para distribuir três parcelas de 600 reais a trabalhadores informais de baixa renda, mais 100 bilhões de reais serão distribuídos entre os meses de julho e agosto, o que deve dar maior fôlego à economia. “As medidas de proteção de renda, sobretudo o auxílio para os informais, em muitos casos aumentaram as rendas disponíveis, fenômeno evidenciado também nos Estados Unidos”, diz Marcílio Marques Moreira, ex-ministro da Fazenda.

As contas públicas, por sua vez, precisarão de cuidado intensivo pelos próximos dez anos. E, para acelerar a retomada, é urgente a continuidade da agenda de reformas e mudanças estruturais da economia brasileira. Durante a cerimônia de prorrogação do auxílio emergencial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez um apelo ao Congresso Nacional para que seja retomada a articulação na aprovação de medidas de controle fiscal como contrapartida aos pesados gastos decorrentes do combate à crise. Mesmo que tenham efeito apenas a longo prazo, tais reformas são cruciais para atrair investimentos ao país. Guedes tem se mostrado mais realista às necessidades do Brasil a partir das necessidades impostas pela pandemia. “A esperança que temos é que prevaleça esse movimento de compreensão entre o Congresso e o governo na adoção de uma mesma agenda”, defende Delfim Netto. A caminhada para vencer o coronavirus e suas consequências ainda é árdua e tortuosa, mas mesmo com os obstáculos que continuam existindo já é possível vislumbrar um futuro mais alentador.

Publicado em VEJA de 8 de julho de 2020, edição nº 2694

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