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Mudança de hábito afia a guerra entre as lâminas de barbear

Startups e clubes de assinatura ganham espaço em um mercado dominado pela gigante americana Gillette, que reagiu diminuindo os preços em até 20%

Por Giovanni Magliano 4 jun 2017, 18h12

Hoje um hábito considerado trivial pelos homens, fazer a barba antes do século XX era uma tarefa árdua. Para manter o rosto limpo sem recorrer ao barbeiro era preciso, antes de tudo, afiar a própria navalha em uma alça de couro para só então começar o melindroso processo de ceifar os pelos com o utensílio rústico. Os filmes de faroeste dão uma ideia de como isso era trabalhoso. Aos 40 anos, já cansado de todo esse trabalho diário, o americano King Camp Gillette teve a ideia de substituir a navalha comum por uma lâmina fina de aço colocada entre duas chapas e presa por um cabo em forma de “T”. O melhor: ao invés de ser necessário afiá-las, as lâminas seriam descartáveis. Prático para os consumidores e ótimo para o bolso do fornecedor, que teria fiéis compradores das suas recargas. Foi um sucesso absoluto, a ponto do nome do inventor se tornar sinônimo do produto. A Gillette Safety Razor Company fez a sua primeira venda em 1903. No final do ano seguinte, já havia produzido 90 mil cabos e 12,4 milhões de lâminas. Estava fundada a maior empresa de lâminas de barbear do mundo.

King Camp Gillette
Gillette, King Camp (ullstein bild/ullstein bild/Getty Images)

Após cem anos na liderança mundial do ramo, a Gillette – que foi comprada pela Procter & Gamble em 2005 – vê sinais incipientes de ameaça ao seu posto. A marca passa pela encruzilhada de ter de se adaptar a novas estratégias e modelos de venda para atingir um novo público: os jovens, potenciais consumidores pelo próximo século. Desde a sua fundação, a empresa pouco alterou a sua mentalidade comercial. Além da sua frutífera invenção, Gillette também inovou ao elaborar o modelo de negócio aplicado nas vendas. Ciente da necessidade das pessoas, apostou que uma vez que conhecessem o seu produto, ninguém conseguiria mais viver sem ele. Assim, vendia os cabos a preços baixíssimos e lucrava em cima das lâminas de refil. Rentável, a lógica desse modelo foi replicada aos montes em diversos setores, como com os consoles de videogames e os seus jogos, as impressoras e os cartuchos de tinta. Pode-se dizer que a Gillette manteve a mesma estratégia até abril deste ano, quando a empresa começou a reduzir os preços dos seus produtos nos Estados Unidos em até 20%.

Pega de surpresa pelo avanço de startups sobre um campo que era de seu domínio absoluto, a Gillette viu a sua fatia de mercado nos Estados Unidos diminuir de 71% para menos de 60% nos últimos cinco anos. Durante esse mesmo período, Michael Dubin fundou o clube de assinatura Dollar Shave Club com a proposta de fornecer ao público boas lâminas a um preço baixo. Com uma linguagem direta e aproveitando o descontentamento crescente de muitos consumidores em relação aos altos preços cobrados pela Gillette, a startup se tornou um sucesso imediato: foi comprada pela Unilever por bilhão e fechou 2016 com mais de três milhões de assinantes. A própria P&G começou a investir no lançamento dos seus próprios serviços por assinatura nos EUA e no Reino Unido para tentar superar a falha de não antecipar a possibilidade de vendas diretas ao consumidor.

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Os clubes de assinatura estão em rápida expansão no segmento de varejo da internet. Por meio de um pagamento periódico e com a oferta de uma vasta gama de produtos que podem ser entregues na porta das casas das pessoas, esse tipo de serviço tem se tornado cada vez mais atrativo para os jovens. Além de comodidade e praticidade, os clubes oferecem uma linguagem mais direta e menos burocratizada, bonitos pacotes de entrega e a sensação de personalização ao consumidor através de produtos que tentam se encaixar melhor com a necessidade de cada um. “Mas o modelo também é vantajoso para as empresas, pois cria um fluxo de receita garantido e espaço para testar novos produtos. O mais importante, no entanto, é a possibilidade de criar uma ligação mais profunda com o consumidor, permitindo que a companhia colete dados e crie uma comunidade fiel de clientes”, assinalou Sarah Boumphrey, pesquisadora da Euromonitor.

Apesar de a situação da Gillette no Brasil ser muito diferente da encontrada nos Estados Unidos – a marca domina 82,5% do mercado nacional de lâminas –, a P&G manteve a estratégia e lançou no início deste ano o Gillette Club no país. Com preços que variam entre R$15,69 e R$35,29, o serviço é administrado pela Home Refill e faz entregas apenas na grande São Paulo. Juliana Moretti, diretora de marketing da Gillette, contou que o serviço de clube de assinatura é a grande aposta da empresa para impactar uma nova geração de consumidores. “Hoje, o comprador jovem, que é quem queremos atingir e fidelizar no clube, não está indo para a loja. Ele está no meio online e nós não estávamos lá.” Mais do que despontar nesse segmento, a Gillette ainda busca aprender como funciona o meio e descobrir, por exemplo, a melhor forma de conseguir se comunicar com esse público.

Gillette
Gillette (Foto/Divulgação)

No Brasil, a P&G também não foi a primeira a enxergar a nova forma de vender diretamente ao consumidor. Fundado em 2014 por três sócios, o Home Shave Club inaugurou o serviço de clube de assinatura do setor no país. Com lógica similar ao Dollar Shave Club, a startup brasileira aposta no fornecimento de boas lâminas a um preço mais acessível – o custo da assinatura varia entre R e R – e vem chamando a atenção de muitos consumidores nacionalmente. A startup já tem clientes em mais de 200 cidades e só não chegou ainda ao estado de Roraima.

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Para sobreviver em um ambiente de domínio absoluto de uma única marca, o Home Shave, além do custo mais baixo, segue a cartilha dos clubes de assinaturas: kits bonitos, serviços de atendimento atenciosos e personalização dos produtos. “No começo, tínhamos a ideia de que só vendíamos lâminas. Mas não, nós vendemos um banheiro mais simples”, disse Arthur da Costa, um dos fundadores, que aposta na ideia de fornecer uma experiência agradável aos seus assinantes. No ano passado, o Home Shave conseguiu captar R$1 milhão em uma rodada de investimentos e planeja expandir. “Neste ano já vamos lançar mais dois produtos para fechar o ciclo da barba”, adiantou Arthur.

Aliar um item de recorrência, como uma lâmina de barbear, a um modelo de venda que tem atraído cada vez mais os jovens desponta paulatinamente como um caminho inevitável para as empresas de higiene masculina. Para isso, no entanto, é preciso compreender a diferença comportamental dessa geração, que não está focada apenas na posse, mas também na experiência, valorizando muito marcas que conversem e tenham valores similares aos do seu público, colocando o tratamento massificado das grandes líderes do setor em xeque. Para se manter na frente durante o próximo século, a Gillette precisará se inspirar na inventividade de seu fundador para compreender esse novo público e alcançar rapidamente o que todos estão em busca: uma forma de fidelizar o consumidor jovem.

 

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