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Morte às máquinas?

Robert Skidelsky faz um apanhado histórico sobre o ludismo para lançar uma reflexão sobre até que ponto é preciso proteger o emprego como forma de, indiretamente, manter o avanço da renda

Por Da Redação
25 fev 2014, 07h37

No início da Revolução Industrial, se produziu no centro e ao norte da Inglaterra uma revolta de trabalhadores têxteis (em sua maioria tecelões) que destroçaram as máquinas e incendiaram fábricas em protesto, porque, segundo eles, as máquinas recém-introduzidas lhes roubavam o trabalho e salário.

Os rebeldes adotaram o nome e a inspiraram-se num personagem lendário chamado Ned Ludd, supostamente um aprendiz de tecelão que, em 1779, durante um rompante de raiva, destruiu as máquinas de tecer. Em 1985, Robert Calvert escreveu uma balada em sua homenagem que começa assim “Dizem que Ned Ludd era um jovem idiota, que só sabia quebrar e destruir”. Em seguida, diz: “Virou-se para seus colegas de trabalho e disse: ‘Morte às Máquinas’, que espezinham o nosso futuro e nossos sonhos”.

O movimento Ludista teve momento culminante entre 1811 e 1812. Alarmado, o governo enviou mais tropas para controlar as áreas rebeldes que Wellington tinha para lutar contra Napoleão na guerra da Península Ibérica. Mais de uma centena de Ludistas foram enforcados ou deportados para a Austrália. Essas medidas restauraram a paz. As máquinas ganharam: os Ludistas se converteram numa nota de rodapé na história da Revolução Industrial.

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Historiadores argumentam que os Ludistas foram vítimas de uma combinação temporária de aumento dos preços e queda dos salários, o que os ameaçou a morrer de fome em uma sociedade com escassa provisão de bem-estar social. Os Ludistas, no entanto, culparam as máquinas por seu infortúnio.

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Os novos teares mecanizados podiam converter fio em tecido com muito mais rapidez que os mais hábeis artesãos em suas oficinas. Dezenas de milhares de famílias se viram condenadas à miséria, presas aos custos fixos (aluguel e manutenção de aparelhos domésticos) e à queda dos preços de seus produtos.

Embora o sofrimento dessas pessoas tenha despertado alguma simpatia (Lord Byron pronunciou um discurso brilhante na Câmara dos Lordes em defesa deles), ninguém levou a sério seus argumentos. Não se podia parar o progresso: o futuro estava na produção mecanizada, não na antiquada produção artesanal. Nas palavras de Adam Smith, tratar de regulamentar a indústria era o mesmo que tentar “regular o vento”.

Thomas Paine agiu como porta-voz do radicalismo da classe média quando disse: “cada máquina que reduz o trabalho é uma bênção para a família da qual somos parte”. Claro que nas áreas impetradas pelo avanço tecnológico o desemprego seria instalado temporariamente; mas, no longo prazo, a produção mecanizada aumentaria a riqueza real da comunidade e, portanto, permitiria o pleno emprego com salários mais elevados.

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A princípio, David Ricardo (o economista mais influente do século XIX) pensava a mesma coisa. Mas, na terceira edição dos seus Princípios de Economia Política (1817), acrescentou um capítulo sobre a mecanização onde mudou sua postura, declarando-se “convencido de que a substituição da mão de obra humana por máquinas pode ser muito prejudicial para a classe trabalhadora” e que “a mesma causa capaz de aumentar a renda líquida do país pode, ao mesmo tempo, vir a ser redundante para a população”. Portanto, “a opinião da classe trabalhadora, segundo o qual o uso de máquinas é muitas vezes prejudicial aos seus interesses, não se fundamenta em viés ou erro, mas é compatível com os princípios corretos da economia política”.

Considere a frase: as máquinas podem tornar a “população redundante”. Previsão mais sombria não será encontrada em nenhum livro de economia. Os discípulos ortodoxos de Ricardo não levaram isso em consideração, supondo que fosse um raro lapso do mestre. Mas foi mesmo?

O argumento pessimista pode ser resumido assim: máquinas que custam 5 dólares por hora podem produzir o mesmo que trabalhadores que custam 10 dólares por hora. Os empregadores têm incentivos para substituir trabalhadores por máquinas até o ponto em que ambos custarão o mesmo. Ou seja, quando os salários dos trabalhadores caírem para cinco dólares por hora. Como as máquinas se tornam cada vez mais produtivas, então os salários tendem a cair ainda mais, até chegarem à zero, momento em que a população se torna ‘redundante’.

Mas a história nos mostra outra coisa: a participação dos trabalhadores no PIB manteve-se constante ao longo de toda a Era Industrial. O argumento dos pessimistas não considerou que, reduzindo o custo de mercadorias, as máquinas aumentavam os salários reais dos trabalhadores (com o que podiam comprar mais bens) e que o aumento da produtividade de mão de obra permitia aos empregadores pagar um salário mais alto para cada um dos trabalhadores (muitas vezes sob a pressão dos sindicatos). Supõe-se que, com base na hipótese de que as máquinas e os trabalhadores eram substitutos próximos, mas que, na maioria das vezes, os trabalhadores ainda podiam fazer coisas que as máquinas não eram capazes.

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No entanto, nos últimos 30 anos, o peso dos salários na renda nacional vem diminuindo, devido ao que os professores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee chamam: a ‘Segunda Era das Máquinas'”. A tecnologia computadorizada penetrou profundamente no setor de serviços, assumindo postos de trabalho para o qual o fator humano e funções cognitivas eram até então consideradas indispensáveis.

No varejo, por exemplo, Walmart e Amazon são os melhores exemplos de como as novas tecnologias podem reduzir os salários dos trabalhadores. Como os seres humanos e os programas de informática são substitutos próximos, e tendo em conta a melhoria previsível em poder de computação, parece não haver nada que impeça que os trabalhadores de grande parte da economia de serviços sejam considerados redundantes.

Claro que ainda haverá atividades onde se demandem habilidades humanas – e essas habilidades também podem ser melhoradas. Mas, em termos gerais, é certo que, quanto mais as máquinas puderem fazer, menos os seres humanos precisarão. A promessa de redução do trabalho deveria encher-nos de esperança, ao invés de maus pressentimentos. Mas, o que acontece em sociedades como as nossas é que não há mecanismos para converter a redundância em lazer.

Esse pensamento me leva novamente aos Ludistas. Eles alegaram que, sendo as máquinas mais baratas que a mão de obra, a sua introdução reduziria os salários. O ludismo priorizava a capacidade de contenção; os mais perspicazes entendiam também que o consumo dependia da renda real e reduzir o ingresso real seria destrutivo para as empresas. E, acima de tudo, compreendiam que a solução para os problemas criados pelas máquinas não estava nas receitas fajutas do liberalismo econômico.

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Embora os ludistas tenham errado em muitos aspectos, talvez mereçam mais do que somente aparecem numa nota de rodapé.

Robert Skidelsky é professor emérito de Economia Política da Universidade de Warwick e membro da Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha. Ele é autor da biografia de três volumes do economista John Maynard Keynes.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate, 2014

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