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Moratória brasileira foi um erro econômico e político

O ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega aponta que o calote da dívida brasileira na década de 1980, conduzida de forma unilateral, foi um equívoco

Por Benedito Sverberi
19 jul 2011, 14h43

O ex-ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, voltou para o Brasil em 1987 a convite do então titular pasta Luiz Carlos Bresser Pereira. A intenção era que ele assumisse a secretaria-geral do Ministério e ajudasse Bresser na missão de consertar os estragos de seu antecessor, Dilson Funaro, que havia decretado a moratória da dívida. Com a decisão, o crédito internacional havia secado, a economia começava a enfrentar paralisia e a inflação estava fora de controle. O economista, em dezembro daquele ano, acabou por assumir a direção da pasta, pois Bresser decidira renunciar. Primeiramente de forma interina, e depois confirmado pelo presidente José Sarney, Mailson da Nóbrega acompanhou de perto as renegociações junto aos credores, na tentativa de recuperar, ao menos em parte, a confiança deles no país. Tornou-se assim testemunha ocular do preço que paga um país que decide interromper os pagamentos de suas dívidas de forma unilateral e confrontadora.

O colunista de VEJA aponta que a medida mostrou-se um erro, não só econômico, mas também de cálculo político. Aqueles que a decretaram acreditavam que conseguiriam o apoio da população a uma saída que buscava culpar os credores externos pelos problemas brasileiros. Criam também que a popularidade do governo poderia voltar a subir. Como a história provou, não deu certo.

Ele explica também que a crise de dívida da América Latina na década de 1980 guarda muitas semelhança com o que hoje se vê na Europa. A condução da crise no continente europeu hoje, aliás, aplica lições tiradas da própria experiência latina.

As condições fiscais do Brasil em 1987 encontravam-se muito deterioradas e o governo acabou decidindo pela moratória de sua dívida. O senhor concorda com a decisão tomada?

Foi claramente um erro. A moratória não se justificou como uma decisão racional do ponto de vista econômico. Ela teve, na verdade, um componente inequivocamente político, que era, de um lado, esconder o fracasso do Plano Cruzado e, de outro, recuperar a popularidade do governo. Havia uma percepção equivocada em Brasília de que a população apoiaria o calote contra as instituições financeiras internacionais, pois o prestígio delas não era muito grande.

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A medida foi influenciada também por razões ideológicas, de que era, por exemplo, preciso se contrapor aos credores externos – sobretudo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que é peça-chave de qualquer negociação. Um dos principais assessores para a área internacional do ministério da Fazenda na época era o Paulo Nogueira Batista – que tinha visões, e ainda tem, preconceituosas contra o sistema financeiro internacional. O ministro Dilson Funaro e seus assessores achavam que, depois de declarada a moratória, o país se recuperaria do baque do Plano Cruzado. Dizer não ao FMI era palavra de ordem para muita gente. É bem verdade que a esquerda brasileira já pregava isso há muito tempo.

Antes de declarar a moratória, em fevereiro de 1987, o Brasil vinha negociando com os credores. A medida foi uma surpresa. Essa mudança de posição deu-se unicamente por essas razões ideológicas?

Na verdade, foi uma somatória de fatores, mas os elementos políticos e ideológicos tiveram peso. Até então o governo brasileiro vinha conduzindo bem as negociações por diferentes ministros numa década, a de 1980, que foi muito difícil para toda a América Latina – e ninguém imaginava que o Palácio do Planalto ia partir para uma atitude radical. O Brasil foi o único país da região que optou por fazer a pior espécie de moratória: aquela que desdenha do credor.

Grosso modo, existem dois tipos de calote. Um é aquele em que o devedor não pode pagar, mas demonstra o desejo de fazê-lo sob certas condições negociadas. A outra é a moratória em que o devedor demonstra a intenção de não pagar – e normalmente age de maneira confrontadora. Essa foi a moratória brasileira de 1987.

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Não satisfeitos em decretar um calote de maneira unilateral e confrontadora, os assessores do ministro Funaro comemoraram a queda das ações dos bancos na Bolsa de Nova York – e isso foi descoberto e noticiado pela imprensa. De fato, lembro que as ações do Citibank despencaram com a ação do governo brasileiro, pois era o banco mais exposto à América Latina. Dias depois do calote, o grupo anunciou uma provisão de 3 bilhões de dólares. Temia-se, na época, que outros países seguissem a nossa sandice, o que felizmente acabou não sendo o caso.

Em resumo, o Brasil foi o único prejudicado por sua própria insensatez. Nossa credibilidade ruiu e a economia doméstica sofreu um choque.

O impacto na economia brasileira deu-se basicamente por conta das linhas de crédito internacional que ‘secaram’?

Na verdade, a crise não só atingiu o setor bancário, mas também o mundo empresarial. As linhas internacionais de crédito desapareceram rapidamente – e crédito é essencial para qualquer economia. Mas os negócios que estavam sendo preparados também foram suspensos. O problema não era apenas de dinheiro, mas também de confiança. O Brasil começou a entrar numa situação quase de pária do mercado internacional, decepcionando todos que achavam que o país era sério.

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A forma como foi feito o calote foi questionável e as consequências, muito duras. Contudo, era possível ter evitado a moratória?

O governo não poderia ter evitado isso. O Brasil havia chegado num ponto em que não conseguia mais pagar sua dívida. Era uma situação que hoje se assemelha muito com o que vive a Grécia. O problema, é preciso deixar claro, foi menos a decisão em si, e mais a forma como foi feita.

As origens das crises latino-americana e europeia são parecidas: um forte endividamento resultante de um período de juros baixos e liquidez internacional abundante. Este quadro levou o governo e os cidadãos gregos a se endividarem excessivamente, levados por uma febre de consumo e gasto típica de momentos de euforia.

Na América Latina dos anos 1970, as condições favoráveis da economia mundial permitiram que a região, a despeito do aumento dos preços do petróleo e da posterior elevação dos juros nos Estados Unidos, continuasse a se expandir mais do que poderia. Esse processo resultou em déficits correntes crescentes nos balanços de pagamentos que foram financiados justamente com endividamento externo.

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No caso do Brasil, uma parte importante da deterioração das contas públicas deu-se pelos megaprojetos da segunda etapa do Plano Nacional de Desenvolvimento, o chamado II PND. Quando veio a crise do petróleo, o país, em vez de se ajustar, decidiu acelerar o processo de substituição de importações. Em resumo, não só manteve o modelo, como o aprofundou. Aí, as indústrias química, petroquímica, de bens de capital, etc, deram um salto graças ao financiamento externo. Com a moratória mexicana de 1982, a facilidade de obter crédito no exterior acabou.

Pela importância da Europa na economia mundial, e também pela importância política do projeto da zona do euro, percebemos um enorme cuidado das autoridades com a Grécia, que ganha prazo e pacotes de socorro. A América Latina não teve tanta colher de chá, né?

Na verdade, a maneira como se reage hoje na Europa guarda relação com as lições oferecidas pela própria crise da dívida latino-americana.

No início, a América Latina viveu uma experiência muito parecida com a que se verificou também no continente europeu no período recente, isto é, imaginava-se que a crise poderia ser passageira, que bastava aos países se ajustarem e o crédito voltaria.

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Como isso não aconteceu, ao longo da década de 1980, houve uma onda de renegociações para mudar prazos e condições – enfim, o perfil da dívida. Houve também mais pressão para os países fizessem reformas que ajustassem suas economias. Novos créditos do FMI, dos bancos e do Clube de Paris, que eram os governos, foram liberados paulatinamente.

Só no final da década que os reguladores puderam perceber que o problema da América Latina era de excesso de endividamento – e que sua solução implicaria, portanto, a necessidade de um perdão parcial dos débitos.

Essa constatação levou muito mais tempo para ser percebida na nossa região que agora na Europa, e credito isso, entre outros fatores, à própria aprendizagem com a experiência brasileira, mexicana, etc.

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