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Leite adulterado: por nove centavos, vidas em risco

Por Adriano Lira, Naiara Infante Bertão e Jéssica Otoboni*
26 Maio 2013, 17h06

Por nove centavos, o litro de leite que está na mesa do seu café da manhã pode conter ingredientes que colocam a sua vida em risco. Era esse o aumento no lucro – de seis para quinze centavos – que uma quadrilha de transportadores do Rio Grande do Sul tinha com a adulteração do leite nos caminhões-tanque que levavam a matéria-prima dos produtores rurais até a indústria de laticínios. Como o pagamento é feito por litro de leite transportado, os criminosos faziam uma simples substituição do leite por água, que aumentava o volume do produto, mas acarretava perda nutricional. Para compensar a redução dos nutrientes, eles adicionavam ureia à mistura – produto que contém formol em sua composição e é considerado cancerígeno pela Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No início de maio, o Ministério Público desencadeou a operação “Leite Compensado” para cumprir nove mandados de prisão e treze de busca e apreensão nas cidades de Ibirubá, Guaporé e Horizontina, que ficam no centro-oeste do estado. As empresas investigadas transportaram aproximadamente 100 milhões de litros de leite entre abril de 2012 e maio de 2013. Desse montante, estima-se que 1 milhão de quilos de ureia contendo formol tenham sido adicionados à bebida.

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Ao contrário de outros casos de contaminação alimentar descobertos recentemente, como o chocolate da Cacau Show mofado na Páscoa ou o Ades modificado com soda cáustica, o consumidor não tem maneiras de identificar um leite com o tipo de adulteração encontrada no Rio Grande do Sul. Fungos e mofos são visíveis a olho nu e dificilmente alguém vai ingerir um produto com essas características. A soda cáustica é mais grave: quando ingerida, provoca reação imediata no organismo, como queimaduras na boca ou mal estar. Com o leite, o prejuízo à saúde acontece aos poucos porque não há alterações visual ou olfativa (como no escândalo da carne de cavalo que mobilizou as autoridades europeias no início deste ano). “O consumidor está ‘vendido’ nesse tipo de situação. Não há como o leigo identificar características diferentes no leite”, diz Alexandre Panov, professor do programa de pós-graduação em controle sanitário de alimentos da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).

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Para confirmar as adulterações, a Superintendência Federal de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul precisou transformar o leite cru em leite em pó para a realização de todos os testes químicos – a proporção é de dez litros de leite cru para obter um litro do produto em pó. Se para um órgão de fiscalização o processo é industrial é complexo, para o consumidor fica impossível desvendar fraudes como essa. “Não existem testes caseiros para detectar a adulteração do leite”, diz Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste. “Se a contaminação não for imperceptível, o máximo a ser feito é reparar em alterações físicas do alimento, como mudanças na textura, na cor e no cheiro do leite.” Todas as 6,2 toneladas de leite em pó utilizadas nos testes foram incineradas pelos fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Culpa – A lei brasileira diz que qualquer alteração que fuja dos critérios de qualidade do produto é crime e que o consumidor deve ser ressarcido pelos danos. Mas os especialistas atentam para o fato de que, em casos como o do leite – e da cadeia alimentar como um todo – é difícil apontar um único culpado. “A responsabilidade pela contaminação é de todos os envolvidos na cadeia de produção e até dos supermercados”, afirma Maria Inês.

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Procurado, o Inmetro disse que não costuma fazer testes em produtos perecíveis e que a Anvisa é quem faz praticamente todas as análises de todos os casos. Já a Anvisa repassou a responsabilidade para o Ministério da Agricultura e afirmou ao site de VEJA que só fiscaliza a data de vencimento dos produtos e as condições de armazenagem do leite. O Ministério da Agricultura admitiu que está sob sua responsabilidade a verificação do cumprimento das normas legais dos estabelecimentos registrados no Serviço de Inspeção Federal (SIF) e disse que está discutindo o Programa Nacional de Qualidade do Leite (PNQL), a ser adotado por todos os serviços de inspeção estadual e municipal do país. “Todos os pontos serão discutidos por uma comissão público-privada que vai ser nomeada durante a próxima reunião extraordinária da Câmara Setorial do Leite, no dia 7 de junho, em Brasília”, diz o comunicado enviado ao site de VEJA. No entanto, a nota afirma que a responsabilidade pelos processos de controle é das empresas, que devem ter sistemas de autocontrole e de qualidade.

Enquanto o jogo de empurra não se resolve, o consumidor continua desamparado.

*colaborou Talita Fernandes

Consumidor já pode receber alertas de recall por e-mail

Para ajudar o consumidor a acompanhar os recalls no Brasil, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério de Justiça (Senacon) criou, no ano passado, um sistema em que os consumidores podem se cadastrar e receber por e-mail alertas de recall. “A orientação do departamento é que a empresa faça recall de cada possibilidade de problema”, disse ao site de VEJA o diretor do Senacon, Amaury Oliva. Ele explica que o Ministério vê a empresa como responsável, mesmo no caso do leite em que a adulteração foi feita no transporte. Ele alega que a companhia é quem contrata seus fornecedores e, por isso, deve se responsabilizar perante o consumidor pelos problemas. “Cabe à empresa fazer o recall desses produtos e arcar com custos para reparar danos aos consumidores que forem prejudicados. Se a empresa não cumprir isso, paga multa”, destaca.

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