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Lady Gaga e Madonna marcam fim da euforia de shows no Brasil

Foi-se a época das filas quilométricas para comprar o tão sonhado ingresso para um show internacional. O brasileiro parecer ter se dado conta de que nem todo grande evento musical que desembarca no país é, de fato, imperdível

Por Ana Clara Costa e Carol Nogueira
10 nov 2012, 11h02

Quem tem mais de 20 anos deve se recordar de episódios curiosos noticiados em janeiro de 2006, quando, nas filas quilométricas que se formavam nos pontos de venda de ingressos para o show do U2, em São Paulo, adolescentes forjavam barrigas de grávida e iam acompanhadas de suas avós só para ter prioridade na compra. Os truques não raro terminavam em confusão, pois os demais fãs tinham varado a madrugada na fila para garantir um lugar no show. Era a segunda vez que a banda irlandesa vinha ao Brasil – a primeira foi em 1998 – e o estrondoso sucesso de vendas pôs fim a um tenebroso inverno que separava as celebridades da música internacional do território brasileiro. Hoje, quase sete anos depois, o cenário se inverteu. A valorização do real e o ímpeto de consumo dos jovens podem ter colocado o país na rota obrigatória dos artistas estrangeiros. Contudo, os ingressos caríssimos e a avalanche de shows e festivais ocorrendo ao mesmo tempo já põem em xeque a capacidade de o mercado bancar os cachês milionários das estrelas internacionais. Prova disso é o surpreendente encalhe de entradas para os shows das divas pop Lady Gaga e Madonna.

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Um outro momento – Muitos fatores contribuem para que o Brasil não seja mais a ‘galinha dos ovos de ouro’ dos produtores de shows internacionais – assim como também deixou de ser o ‘queridinho’ dos investidores. Este ano foi marcado por um agravamento da crise internacional que teve impacto direto no ritmo de crescimento da economia brasileira. Elementos vitais que afetam o potencial de avanço das vendas, como o endividamento e a inadimplência da população, alcançaram patamares alarmantes. E ainda que o governo continue a estimular o crédito e a taxa de juros se encontre na mínima histórica, o consumo cresce a um ritmo menos acelerado do que em anos anteriores. Desta forma, como todos os setores sentem os solavancos de um ano ruim, não teria por que ser diferente com a indústria do entretenimento.

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A conjuntura econômica, no entanto, está longe de ser o único fator a explicar as vendas frustradas de shows de grande apelo popular, como os de Lady Gaga e Madonna. A turnê Sticky & Sweet, da própria rainha do pop, em 2008, teve os ingressos para a apresentação no Estádio do Morumbi, em São Paulo, esgotados 24 horas após o início das vendas, o que obrigou os produtores a agendarem dois shows extras. Segundo Steffen Dauelsberg, da produtora cultural Dell’Arte, a disputa de mercado dos conglomerados de entretenimento criados recentemente, como a T4F, a XYZ Live e a IMX, de Eike Batista, terminou por inflacionar o setor. “Acaba acontecendo uma briga por artistas que gera uma inflação de demanda”, explica o empresário. Ele se refere aos verdadeiros ‘leilões’ feitos por produtores internacionais que acabam conseguindo com que empresários brasileiros paguem cachês muitas vezes mais altos que os cobrados na Europa e nos Estados Unidos. “Há uma oferta enorme de bons shows internacionais, mas com ingressos caros. E todos eles acontecendo no mesmo período. Mas é lógico que o poder de compra das pessoas tem um limite”, aponta Dauelsberg.

Decepção ‘monstro’ – No caso do show da ‘Mother Monster’, Lady Gaga, que até então nunca tinha vindo ao Brasil, os próprios executivos da T4F não conseguem encontrar uma razão para tão reduzida procura do público. A proximidade entre dois grandes eventos, somada a um feriado próximo, seria, segundo pessoas da produtora, a explicação mais plausível para o vexame das vendas. “A posição da empresa é unânime: Gaga e Madonna estão com desempenho fraco no mundo todo. Inclusive, houve mudanças para arenas menores por falta de público em outros países”, diz uma fonte da T4F, que pediu para não ser identificada. Sobre as vendas para os shows da Madonna, a fonte acredita que deverão melhorar conforme as datas das apresentações, entre 2 e 9 de dezembro, se aproximarem. Porém, até o momento, nenhum dia teve bilheteria esgotada.

Procurada pela reportagem do site de VEJA, a T4F não quis dar entrevista nem informar os números de ingressos vendidos para os shows das duas estrelas. Nesta sexta-feira, a empresa divulgou seu balanço financeiro referente ao terceiro trimestre, com queda no lucro de 29% em relação ao mesmo período do ano anterior, para 12 milhões de reais. As vendas de ingressos no acumulado do ano (até setembro) somaram 811 mil, ante 1,36 milhão de bilhetes vendidos em igual período do ano anterior. Fernando Alterio, presidente da empresa, tentou explicar o resultado em conferência com analistas: “Esse fraco desempenho é pontual e não deve afetar em nada nossa operação a longo prazo. Não vamos rever contratos, cachês ou promover menos shows.”

Mercado em transformação – O fim da euforia com os shows internacionais pode significar não só a fadiga dos consumidores brasileiros em relação aos preços altos, mas também uma própria maturação do mercado, destaca João Marcelo Bôscoli, sócio da gravadora Trama. “Nos Estados Unidos, muitos shows de artistas populares não têm bilheterias esgotadas. E o Brasil está caminhando para isso. As pessoas não ficam mais com medo de nunca mais terem a oportunidade de ir ao show de um artista estrangeiro porque sabem que o Brasil agora está na rota”, diz o empresário.

Alguns produtores acreditam que o novo momento trará também o fim dos preços extorsivos dos grandes shows. No caso de Lady Gaga, os valores variam de 95 a 750 reais, sem a impopular ‘taxa de conveniência’, que, por vezes, chega a 100 reais.

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Preço justo – Para o empresário Rafael Reisman, da 2Share, que recentemente trouxe shows e exposição sobre Elvis Presley ao Brasil, o mercado passará por uma transformação. “A mensagem que vai ser passada aos managers estrangeiros é a de que o Brasil não é mais a ‘casa da mãe Joana’. Eles terão de avaliar o momento certo de um artista vir ao país e o valor certo do ingresso”, afirma. Os cinco shows ‘Elvis Presley in Concert’ montados pelo empresário no início de outubro tiveram lotação esgotada. Segundo ele, a ideia de sua produtora é escapar dos leilões de grandes shows e empresas, como a T4F. “Queremos pagar o cachê justo que é cobrado no exterior”, garante Reisman – que, apesar do ‘cachê justo’, cobrou preços acima da média de mercado para os shows que homenagearam o Rei do Rock: de 250 a 1 600 reais. O empresário também foi responsável pelas diversas turnês do fenômeno mexicano RBD no Brasil. “Essa era uma banda que atraía fanáticos teens. E Elvis atrai os fanáticos eternos, viscerais. E trabalhar com esse público não tem erro”, explica.

Já o empresário Bazinho Ferraz, presidente da XYZ Live, acredita que os preços só poderão ceder se houver contrapartida do governo para compensar a política da meia-entrada. “Se houver uma queda na demanda, o que, na minha avaliação, ainda não está ocorrendo, os preços não vão diminuir. O que diminuirá é a oferta de shows”, afirma. O empresário entoa o coro de todo o setor e credita à obrigatoriedade da meia-entrada a culpa pelos preços elevados dos ingressos. Essa imposição, segundo Bazinho, faz com que todo o lucro com ingressos seja projetado na meia-entrada e aumente o preço da inteira. Mas o empresário acredita que, apesar de tudo isso, o mercado não está saturado. “Trouxemos neste ano Maroon 5 e agora o Kiss, com vendas excelentes”, comemora.

Show da banda Stone Temple Pilots no palco Energia & Consciência, no último dia do festival SWU em Paulínia, em 14/11/2011
Show da banda Stone Temple Pilots no palco Energia & Consciência, no último dia do festival SWU em Paulínia, em 14/11/2011 (VEJA)

Cancelamentos – O quadro de acomodação do mercado de shows, apesar de não ser catastrófico, não combina mais com madrugadas passadas em filas nem com negociações às pressas para apresentações extras. Neste novo cenário, os cancelamentos já começam a entrar na agenda. O site de VEJA apurou que o festival SWU, que acontecia desde 2010, não terá edição neste ano. A notícia nunca foi divulgada oficialmente pelos produtores, que, quando procurados pela reportagem, afirmaram apenas que “a organização nunca tinha dito que o SWU era um festival anual”, embora ele tenha acontecido em 2010 e 2011. Hoje, porém, rumores dão conta que o SWU não terá edição nem em 2013, nem nunca mais. Foi abortado para todo o sempre pelos produtores – o grupo publicitário TotalCom, do marqueteiro Eduardo Fischer – por não ter dado lucro.

Além disso, não só Madonna e Lady Gaga (que virou piada na internet) passam pela saia justa da falta de público. Outros exemplos mais recentes são a banda de rock Linkin Park, que teve apresentação cancelada em Curitiba em setembro por “problemas de logística” – uma das desculpas mais triviais usadas em situações de encalhe de ingressos. Também a cantora inglesa Joss Stone teve sua ida a Porto Alegre cancelada neste mês. O Planeta Terra, em sua sexta edição, mudou-se para um local maior, o Jockey Club de São Paulo, e quase se deu mal. O evento, cuja bilheteria sempre esgotava rapidamente para um público entre 15 000 e 20 000 pessoas no parque de diversões Playcenter, não teve a mesma sorte para vender os 30 000 ingressos disponíveis neste ano – que só acabaram no decorrer do evento.

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Segundo Bôscoli, da Trama, se os produtores não conseguirem reduzir os preços dos ingressos, terão de reverter esse quadro por meio de ações promocionais intensivas. “Se as vendas não estavam altas, a Lady Gaga deveria ter uma agenda de promoção em rádio e TV no Brasil. Algo que não aconteceu”, diz. Bôscoli lembrou uma das vezes em que Paul McCartney veio ao Brasil, nos anos 1990, e, diante das vendas abaixo do esperado, fez questão de promover seus shows na mídia. “Estava ouvindo rádio e o Paul entrou ao vivo convidando para o show. Eu não tinha me programado. Mas, pelo apelo dele, eu fui. E foi incrível”, relembra.

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