Inflação controlada pode ficar para o próximo governo
Apostas arriscadas do BC criam condições para que a inflação fique fora da meta, ao menos, até 2013. Alguns analistas, mais pessimistas, já dizem que o ajuste ficará para o próximo presidente da República
No começo do ano, o site de VEJA fez uma reportagem prevendo que a inflação não convergiria para o centro da meta de 4,5% em 2011. A visão do mercado na época era a de que o Banco Central já havia jogado a toalha e mirava o desafio de controlar a elevação dos preços somente em 2012. De lá para cá, o quadro só piorou. Parte do mercado afirma, inclusive, que inflação na meta só virá com o próximo governo.
Hoje, o que se vê é uma economia que, a despeito de cinco elevações da taxa básica de juros (Selic) ao longo do ano, custa a desacelerar. A divulgação, nesta terça-feira, do crescimento de 1,7% no crédito em agosto ante julho é uma prova disso. O mais surpreendente foi a decisão do Banco Central, no final do mês passado, de interromper bruscamente a trajetória de elevação dos juros, sem ao menos considerar uma pausa, e decretar um corte de 0,5 ponto porcentual na Selic. Enquanto isso, o IPCA batia 7,23% no acumulado em 12 meses até agosto – muito distante da meta de 4,5% para a inflação de 2011, mesmo considerando a margem de tolerância de dois pontos porcentuais para cima ou para baixo. Por fim, a autoridade monetária sugere claramente, como fez em sua última ata, que haverá novas reduções de juros. O argumento do BC é que a crise internacional pede um afrouxamento, pois a crise econômica internacional já estaria batendo à porta.
Boa parte do mercado acredita que a meta ficaria para 2013, mas já existem economistas que creem na possibilidade de isso ser atingido apenas em 2015 – haja vista que em 2014, por ser um ano eleitoral e de Copa do Mundo, não haverá clima político para segurar a demanda e, consequentemente, a inflação.
Dúvidas – Em uma estratégia que não angaria apoio no mercado, o presidente do BC, Alexandre Tombini, segue com sua tese de que a inflação está controlada e que voltará ao centro da meta em 2012. Os economistas ouvidos pelo site de VEJA foram unânimes ao afirmar, contudo, que isso só aconteceria se um “cataclismo” atingisse o país – algo semelhante ou pior que a crise de 2008 e 2009, que fez secar o crédito em todo mundo, provocando rápida contração da economia, uma perda abrupta de riqueza e o declínio dos preços das commodities. Somente neste cenário catastrófico, haveria pressões ‘desinflacionarias’ para o Brasil. Mas o mercado financeiro duvida que o próprio BC aposte nisso. “Nem o Banco Central trabalha com esse cenário agudo. Eles preveem que, mesmo com uma crise não tão grave quanto a do subprime, haverá uma desaceleração na escalada dos preços no Brasil, em função de uma retração da economia mundial”, explica o economista Samuel Pessoa, da Tendências Consultoria.
A crise continua séria no exterior, mas ainda não chegou a seu auge, como afirmou ao site de VEJA o ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Raghuram Rajan, um dos poucos que previu algo errado se aproximava em 2008. Para Rajan, o mundo vive uma onda de pânico, mas ainda não viu os empréstimos interbancários cessarem, os problemas começarem a transbordar para as economias maiores da Europa e a interrupção do comércio e do crédito.
Inércia – Diante disso, concluem os analistas, o BC se precipitou e se arriscou em demasia ao reduzir a Selic na última reunião. O grande problema é que o Brasil tem deficiências estruturais, como o fato de ter um estado ‘mastodôntico’ – que responde por cerca de 40% do PIB e não pára de consumir independemente do patamar de juros que for – e de possuir um infinidade de contratos que trazem para o presente uma inflação passada, pois, afinal de contas, índices de um ano antes atualizam automaticamente uma série de preços, sobretudo de serviços. Esta característica faz com que a inflação brasileira tenha uma tendência natural de seguir em alta (inércia inflacionária). “A desaceleração lá fora é clara, mas em um país como o Brasil, famoso pela inércia inflacionária, pela alta indexação da economia e com o nível atual dos preços, contar com a garantia de que a desaceleração externa facilite a conversão em 2012 é muito arriscado. O ideal seria seguir em ponto morto até ter essa certeza”, defende o economista José Julio Senna, da MCM Consultores.
O economista Sérgio Vale, da MB Associados, também considera arriscada a aposta do BC na deterioração do cenário internacional. Para ele, não há espaço para uma desaceleração brusca dos preços. “A inflação já está no mesmo patamar há muito tempo. E a forte indexação da economia brasileira tende a elevar as expectativas futuras com relação aos preços. A inflação só tende a nos dar sustos daqui em diante”, afirma.
Pessoa e Vale não vêem uma inflação controlada em 2012, nem em 2013. O ano da Copa do Mundo, então, está completamente descartado porque os governos aproveitam as eleições para abrir os cofres públicos, impulsionar a economia e tentar faturar nas urnas com esse desenvolvimento. Com isso, um ajuste muito forte pode cair no colo do governante que assumir o próximo mandato na Presidência da República. Até lá, o desafio será muito maior porque a inflação, ao permanecer fora do controle por muito tempo, tende a se acelerar e tornar mais complicada a tarefa de trazê-la de volta à meta.
Relatório – Nesta quinta-feira, o Banco Central libera o Relatório Trimestral de Inflação. A expectativa do mercado é que a autoridade monetária detalhe mais sua visão do cenário externo. “É uma chance de os economistas entenderem um pouco melhor o que o BC está vendo que nós não estamos”, aponta José Márcio Camargo, da Opus Consultoria.