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Inflação acima da meta comprova descaso do governo

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,47% em março, acumulando alta de 6,59% em 12 meses e ultrapassando o teto da meta do BC

Por Naiara Infante Bertão
10 abr 2013, 09h27

A maior relevância do anúncio sobre o estouro da meta de inflação em março (em taxa anualizada) é o fato de que ele encerra, de uma vez por todas, a discussão sobre a leniência do governo em relação ao avanço dos preços. Os números – e apenas eles – confirmam tal descaso. O que disse a presidente Dilma Rousseff sobre a orientação do governo em relação à inflação, há algumas semanas, em Durban, na África do Sul, comprovou-se – ainda que ela tenha desmentido rapidamente o fato, para tentar conter o stress do mercado. Dilma havia afirmado que não era preciso sacrificar o crescimento econômico para combater a inflação. Diante da concretude de um IPCA acumulado em 6,59% em 12 meses, seria bom que o governo parasse com movimentos hipócritas e jogo de palavras. O fato é que, ao longo dos dois anos de governo Dilma, a retórica econômica ditada pela própria presidente serviu para combater os inimigos errados – e deixou sair ilesa a inflação.

Não que seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, fosse um exímio adepto da ortodoxia econômica. Contudo, ao menos em relação às ferramentas de controle inflacionário e à independência do Banco Central, Lula mantinha uma comportamento adequado. O então presidente do BC, Henrique Meirelles, tinha autonomia para subir os juros quando constatasse qualquer respiro do dragão inflacionário, ainda que essa atitude pudesse despertar a ira do ministro desenvolvimentista, Guido Mantega. Resultado disso é que, em 2007, ano em que a economia brasileira avançou 5,4%, a inflação fechou o ano abaixo do centro da meta (de 4,5%), a 4,46%.

Na reta final do governo Lula – e ante a saída iminente de Meirelles do BC – dois componentes ajudaram o IPCA a extrapolar o centro da meta em 2010: a gastança pública característica de ano eleitoral e a timidez com que o BC subiu os juros naquele ano – a Selic passou “apenas” de 8,75% para 10,75%. À época, Meirelles foi criticado por ter demorado para subir os juros – e a Selic fechou o ano em 5,91%, número dentro da banda prevista pela autoridade monetária, mas acima da meta de 4,5%.

Começo equivocado – O mandato da presidente Dilma Rousseff começou, em 2011, com a inflação aquecida. O IPCA de janeiro de 2011 ficou em 0,83%, maior taxa mensal desde abril de 2005 (0,87%). No acumulado em 12 meses, o índice estava em 5,99%. Contudo, ao contrário de Lula, a presidente logo deu indícios de que a autoridade monetária não ficaria livre de seus desmandos. Em diversas ocasiões a presidente afirmou que o Brasil teria juros baixos, como se essa fosse uma decisão digna de decreto presidencial. No início daquele ano, a equipe econômica era taxativa ao afirmar que o avanço inflacionário era causado pelo choque de preços no mercado internacional e que o Brasil estava “importando” esse movimento – ou seja, que não se tratava de um descontrole local. Diante de tal certeza, o ministro Guido Mantega pilotou uma série de medidas para conter problemas que, em sua avaliação, eram mais graves que a inflação – como a chamada “guerra cambial”.

Para sanar tal incômodo, o ministro lançou mão de sucessivos aumentos no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para frear a entrada de dólares no Brasil e, com isso, tentar desvalorizar o real – em julho de 2011, o dólar chegou a ser cotado a 1,57 real. Na avaliação do governo, a moeda brasileira estava muito apreciada e tal situação – que era reflexo dos fundamentos do país na época – prejudicaria as exportações de manufaturados e estimularia a entrada de importados no mercado brasileiro – algo visto como ruim para o PT, já que os importados concorrem e ganham da indústria local e podem comprometer a criação de empregos.

No final daquele mesmo ano, após sucessivos aumentos do IOF para coibir entrada de dólares por meio de investimentos de curto prazo no mercado financeiro, a moeda americana, enfim, atendeu aos anseios do Planalto e começou a se valorizar, chegando perto de 1,90 em outubro – movimento que impactou o avanço da inflação porque encareceu as importações, sobretudo de insumos agrícolas.

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Ainda em 2011, mesmo lançando mão do IOF para combater o real forte, o Banco Central era adepto de alguma ortodoxia e utilizava a taxa básica de juros (a Selic) como forma de tentar conter a inflação acelerada – os juros subiram até o final do primeiro semestre, quando chegaram a 12,5%. Porém, num movimento inesperado e muito criticado, o BC passou a reduzir a Selic a partir da reunião de julho de 2011, antevendo um agravamento da crise do euro. Ao final daquele ano, a inflação tocou o teto da meta de 6,5% diante de uma Selic em franca desaceleração e um Produto Interno Bruto (PIB) decepcionante: a economia havia crescido apenas 2,7% em 2011. À época, a desculpa da economia superaquecida já não era justificativa para a inflação alta, como ocorreu em 2010.

A tendência de queda da Selic perdura, à revelia do mercado. Desde julho de 2011 a taxa básica de juros é mantida estável ou em queda, seja qual for o desempenho do IPCA. Ao longo de 2012, a autoridade monetária se negou a reconhecer a necessidade de aumentar a Selic como forma de combater a alta dos preços. Apenas na reunião de março deste ano houve uma leve mudança no comunicado que acompanhou a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), evidenciando a possibilidade de uma possível subida dos juros. Contudo, segundo economistas, tal movimento já deveria ter começado há muito tempo. “Nossa visão é de que, para fortalecer sua credibilidade e frear a deterioração da inflação, o Banco Central precisa agir logo. Não há razão para não subir o juros, diante do atual cenário”, aponta o economista do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos, em comunicado enviado a investidores após a divugação do IPCA na manhã desta quarta.

Política industrial – Além de tentar conduzir, artificialmente, a cotação do dólar, nos últimos dois anos, o governo também valeu-se de uma política industrial com viés protecionista com o objetivo de melhorar a situação da indústria brasileira. Ele acreditava que, ao reduzir o custo Brasil, poderia estimular o crescimento de investimentos no país. Para isso, criou uma política industrial baseada em desonerações para setores castigados pela concorrência externa, compras governamentais que dão preferência a fornecedores nacionais e uma série de estímulos para que a indústria brasileira conseguisse avançar, apesar das adversidades. Contudo, o plano – chamado de Brasil Maior – é uma colcha de retalhos desconexa e complexa até mesmo para a própria indústria que é alvo das benesses. E, até o momento, ele falha em conseguir reduzir o custo Brasil, ao mesmo tempo em que promove uma queda colossal na arrecadação do governo.

Os estímulos artificiais do estado exercem peso sobre os preços, assim como o dólar valorizado. A demanda, por sua vez, não cede – e é garantida pela expansão do setor de serviços, cujo PIB cresceu 4,4% no acumulado de 2011 e 2012, e vem ajudando a garantir os empregos que a indústria não consegue manter. “Ao pretender responder a todas as demandas do empresariado, dos consumidores e de quem mais bater à porta do governo, ele acaba produzindo um conjunto de medidas bem intencionadas, mas dotadas de baixa eficácia para promover os objetivos preconizados: expansão do investimento e do crescimento”, diz Felipe Salto, da Tendências Consultoria.

Optar por subir a Selic neste momento é uma alternativa que trará ônus político para a presidente Dilma – sobretudo quando se constata que a corrida eleitoral está a todo vapor. Porém, ela não só é necessária, como urgente. “Essas medidas (as desonerações) mostram certo desespero por parte do governo, que tenta combater a inflação com mecanismos de natureza popular, usados como instrumento político e eleitoral – e que não são os mais adequados”, afirma o professor do Insper, Otto Nogami.

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