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Henrique Meirelles: ‘A agenda do Paulo Guedes é minha’

O ex-ministro e atual secretário da Fazenda do governo paulista sustenta que suas ideias estão na raiz das propostas da equipe de seu sucessor

Apresentado por Atualizado em 12 ago 2019, 10h31 - Publicado em 9 ago 2019, 07h00

“Chama o Meirelles.” Esse era o slogan da campanha presidencial do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, 73 anos, que acabou derrotado, com apenas 1,2% dos votos válidos no pleito de 2018. A ideia era mostrar que o economista — que antes de compor o ministério de Michel Temer fora presidente do Banco Central durante a gestão de Lula — estava acima de divisões partidárias e, por sua competência, era convocado por políticos de todos os matizes. De fato, Meirelles pode se gabar de ser um dos executivos brasileiros de maior projeção internacional — foi presidente global do BankBoston por seis anos — e teve atuação elogiada tanto na administração petista como na emedebista. Chamado pelo governador paulista, o tucano João Doria, para comandar a Secretaria da Fazenda, Meirelles falou a VEJA — primeiro no Palácio dos Bandeirantes, depois no trajeto entre uma reunião e outra em Pequim, na China — sobre o que faria se tivesse sido eleito e as chances de o Brasil crescer nos próximos anos.

Qual a sua avaliação do trabalho de seu sucessor no Ministério da Fazenda (hoje Ministério da Economia), Paulo Guedes? Acredito que ele está caminhando na direção certa — e eu não poderia dizer outra coisa. A agenda é minha! Eu trabalhei na gestão da maioria dessas propostas apresentadas até agora. O ministro Paulo Guedes está mantendo a agenda de mudanças e reformas; também manteve parte importante da equipe, como o Mansueto (Almeida, secretário do Tesouro), o Waldery (Rodrigues Junior, secretário da Fazenda). Isso é uma mudança histórica, pois no passado o que acontecia era que, a cada troca de governo, se começava tudo do zero.

De que propostas o senhor está falando? A primeira é a própria reforma da Previdência. Apresentamos um projeto de reforma no fim de 2016, mas não foi possível aprová-lo por causa daquela questão toda referente à votação de denúncias (contra Temer) pelo Congresso. A nova proposta seguiu a mesma linha da anterior. As outras dizem respeito à agenda de aumento da produtividade. Naquela época, apresentamos quinze projetos que diziam respeito à desburocratização, à digitalização dos processos de governo, à melhora do ambiente de negócios — propostas que foram aproveitadas na Medida Provisória da Liberdade Econômica, que está agora no Congresso.

Tudo o que o Ministério da Economia fez, na verdade, é obra sua? Vamos dizer assim: começou no Banco Mundial. Em 2016 eu fiz uma reunião com a diretoria do Banco Mundial e concordei em realizar um trabalho em conjunto com a instituição para atacar a baixa produtividade no Brasil, que era 50% da americana na década de 70, e hoje é ainda pior: 25%. Então convidei os técnicos do banco para vir a Brasília a fim de criarmos um grupo de trabalho liderado pelo Mansueto — que continua lá, tocando esse projeto, corretamente. E agora o projeto está sendo complementado, aperfeiçoado e aplicado pelo ministro Paulo Guedes. Se o Guedes conseguir tirar tudo do papel, o mérito maior será dele.

O senhor foi candidato a presidente nas últimas eleições. Caso tivesse vencido, seu governo seria parecido com este? Na agenda econômica, especificamente, sim. Uma das minhas finalidades com a candidatura não era vencer a eleição, porque as pesquisas já mostravam que eu não ganharia desde o início. Mas, quando tomei a decisão, ainda assim, de me candidatar, era exatamente para usar a plataforma de candidato como forma de levar ao país essa agenda. Na medida em que essas propostas liberais se consolidaram entre os formadores de opinião como algo que é, de fato, parte do que deveria ser feito no país, eu fico muito gratificado que isso esteja sendo agora apresentado e implementado — com tempo — por um governo eleito e uma equipe econômica liberal, que acredita no projeto.

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“O potencial do Brasil é crescer entre 2% e 2,5% ao ano. Como estamos com capacidade ociosa na indústria e muito desemprego, podemos até crescer mais, com taxas de 3,5%”

O Brasil, então, vai voltar a crescer? Não existe mágica. O caminho é fazer essas reformas que estão aí. Se conseguirmos aprová-las, estaremos resolvendo a raiz das crises brasileiras desde 1950 e pondo o país nos trilhos de um crescimento sustentável por muito tempo.

Podemos contar com uma retomada? O potencial do Brasil é crescer consistentemente, ano após ano, entre 2% e 2,5% ao ano. Como estamos com muita capacidade ociosa na indústria e muito desemprego, podemos até crescer mais a curto prazo, com taxas de 3,5% nos próximos anos, e depois estabilizar em 2,5%.

O senhor espera alguma surpresa na reforma da Previdência no Senado? A reforma será aprovada. Já é um projeto amadurecido entre a classe política e também pela opinião pública. Quando fizemos a proposta em 2017, 70% da população era contra a reforma. Hoje já se entende que a reforma é uma necessidade, porque sem ela o Estado brasileiro seria insolvente em pouco tempo, e não conseguiria pagar suas aposentadorias. Já aconteceu com a Grécia. Estou bastante confiante em que a reforma será aprovada, tenho dito isso a investidores estrangeiros. Não fossem aquelas denúncias, teria sido aprovada ainda em 2017.

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O senhor já lamentou publicamente que estados e municípios tenham ficado de fora do projeto. Tem esperança de que isso seja revertido? De uma forma ou de outra, vai acontecer. A reforma só será completada, trazendo o almejado equilíbrio fiscal, com a inclusão dos estados. Eles representam um déficit enorme, e a maioria dos estados já está insolvente. O caso do Rio de Janeiro é o mais dramático, mas outros sete também estão em estado de calamidade financeira. Acredito que essa questão será revertida pelo Senado.

E se, porventura, não acontecer? Se não acontecer, nós vamos apresentar imediatamente um projeto de reforma da Previdência estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Existem pelo menos três propostas de reforma tributária circulando por Brasília. O senhor defende uma reforma, mas qual delas? Nós, os 27 secretários da Fazenda, nos reunimos para discutir o assunto, e o projeto apresentado pelo deputado Baleia Rossi, com patrocínio do Rodrigo Maia, é o que mais se aproxima do que querem os estados. Só estamos discutindo algumas modificações nele.

Quais são elas? O projeto do Baleia prevê um comitê gestor para administrar um só imposto, que seria dividido pelos governos federal, estadual e municipal. Queremos separar essa gestão em duas: uma federal e a outra estadual e municipal. Também propomos acabar com a transição de 50 anos, que achamos confusa, e pedimos a criação de um fundo de compensação para os estados que perderão arrecadação abruptamente, como os do Centro-Oeste.

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“Fiz um ataque à guerra fiscal! São Paulo não vai continuar aceitando que grande parte dos estados use essa arma para nos prejudicar. Então tomamos uma atitude para acabar com isso”

Um dos objetivos do projeto de Baleia Rossi é acabar com a guerra fiscal. Os estados apoiam a ideia? Um dos grandes benefícios da reforma é exatamente eliminar a guerra fiscal, que, em última análise, prejudica a todos. Em São Paulo tomamos medidas que visam a acabar com essa guerra. Muitos estados tinham uma visão de que São Paulo deveria ter uma alíquota maior, enquanto os outros ofereciam descontos. No momento em que nós pegamos um ou dois tributos importantes e os colocamos no patamar dos outros, isso deu um breque no problema. Mostramos que não estamos de brincadeira.

O senhor se diz um economista liberal. Oferecer benefícios fiscais não depõe contra esse rótulo? Fiz um ataque à guerra fiscal! São Paulo não vai continuar aceitando passivamente que grande parte dos estados use essa arma para nos prejudicar dessa forma. Então tomamos uma atitude para acabar com isso; é o contrário. Mantivemos tudo igual para as empresas estabelecidas aqui e oferecemos um corte de 2,5% no ICMS a cada 10 bilhões de reais investidos para o setor automotivo, por exemplo, que emprega muita gente. Estamos, assim, atraindo empresas não de outros estados, mas de outros países.

Um dos problemas que o Brasil enfrenta é a desindustrialização. A saída é trazer fábricas do exterior? Nós estamos em um processo de reindustrialização do Estado de São Paulo, revertendo um processo danoso dos últimos anos. Doria levou uma comitiva a Londres, por exemplo, onde conversamos com mais de 150 empresas interessadas em investir no Brasil, e voltamos com promessas de investimentos no ramo de tratores e de medicamentos. Agora estamos na China fazendo a mesma coisa.

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É um trabalho de formiguinha, de convencimento um a um? É isso, mas com grupos grandes. Fomos a Londres, aos Estados Unidos, à China, e vamos ainda à Alemanha, depois ao Japão. A agenda está cheia. A não ser que seja um formigão, aí vale o esforço do um a um. Foi o que fiz com a GM, que anunciou que iria fechar suas fábricas em São Paulo, acabando com 65 000 empregos diretos. Liguei para o presidente internacional da empresa, a quem eu conheço. Combinamos de nos encontrar em Miami, onde eu estava, na antevéspera do Natal. Eu o convenci a manter as plantas e, mais que isso, a fazer um investimento de 10 bilhões de reais em uma nova fábrica graças ao nosso programa de incentivo à indústria.

E qual o papel do governo federal para atacar o problema? O governo federal está concentrado nas reformas, que tem mesmo de fazer. O foco absoluto se justifica. Mas não ficamos esperando, vamos trabalhando do lado de cá. A reforma da Previdência aprovada vai facilitar muito nosso trabalho, é só isso que eu peço.

O desemprego e o desalento atingiram níveis recordes. O Banco Central demorou para cortar a taxa básica de juros? O BC acertou. Do ponto de vista técnico estava um pouco atrasado: a atividade econômica encontra-se baixa, a inflação também, e o desemprego muito elevado. As condições já pediam um corte de juros. Por outro lado, as incertezas da reforma da Previdência justificavam a cautela. Na medida em que isso avançou, o BC tomou a atitude que tinha de tomar. A depender de como a situação evoluir, acredito que cabe até um corte mais ousado.

Já existe uma lista de empresas a ser vendidas em São Paulo? O que existe é uma política de privatizar o que for possível. A Sabesp, por exemplo, nós queremos vender, mas isso vai depender do marco regulatório do saneamento básico em discussão no Congresso. Também queremos fazer concessões de infraestrutura. Nosso plano é conceder 1 200 quilômetros de rodovias à iniciativa privada, e queremos levantar 13 bilhões de reais em licitações em quatro anos. Faremos uma concessão para construir do zero uma ferrovia entre a capital, Campinas e Santos — os chineses estão muito interessados —, e também uma arena para 20 000 pessoas no Parque Ibirapuera.

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Publicado em VEJA de 14 de agosto de 2019, edição nº 2647

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