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‘Há mulheres capacitadas no agro’, diz presidente da Bayer

Malu Nachreiner, primeira mulher a chefiar o setor agronegócio em uma multinacional no Brasil, conta esafios de liderar uma área majoritamente masculina

Por Luisa Purchio 12 set 2020, 08h30

Aos 40 anos, a engenheira agrônoma Malu Nachreiner assumiu em agosto deste ano um posto dificilmente ocupado por mulheres. Ela é a nova presidente da divisão agrícola da multinacional alemã Bayer no Brasil. Nascida em Mauá, no interior de São Paulo, filha de mãe solteira e criada em uma casa com quatro gerações de mulheres, aprendeu cedo que todos os trabalhos poderiam ser executados por braços femininos. Recém formada pela Esalq-USP, há 17 anos ela se mudou sozinha para o Rio Grande do Sul para trabalhar na área comercial de uma empresa do setor, ocupada majoritariamente por homens e em um estado marcado por uma cultura bastante masculina. Em entrevista à VEJA, ela contou sua experiência, a evolução da participação feminina no agronegócio e os desafios que a mulher ainda enfrenta para ocupar postos de liderança no mercado de trabalho.

O fato de ser mulher ajudou ou atrapalhou para conquistar essa posição?
Quero acreditar que foi indiferente. Precisamos como companhia, falando como Bayer, e como sociedade, dar igualdade de oportunidade. Para mim, inclusão e diversidade deve ser em relação a qual a oportunidade. Preciso escolher o melhor profissional para determinada posição, independente dos vieses que existam, se é mulher, qual a orientação sexual ou raça. Temos um trabalho gigantesco na companhia relacionado a raça. É um tema que eu conheço bastante por amigos e por viver um país onde mais de 50% por cento da população é negra e não vemos isso nem de perto nas representatividades de liderança. Precisamos ir por esse caminho, como dar igualdade de oportunidades. Temos muitas mulheres altamente capacitadas para assumir muitas posições no agronegócio e em outros setores. A gente toma a decisão pelo melhor profissional e o fato de ser mulher deve ser um fator, e não ‘o’ fator na escolha do profissional. É assim que trato o tema.

Ao escolher a profissão teve receio de sofrer preconceito?
O mercado mudou muito. Me formei há 17 anos e minha turma na faculdade já foi bastante feminina, quase metade do grupo eram mulheres. Foi um ano atípico porque isso não era algo comum naquela época. Quando escolhi a faculdade não tinha muita dimensão do que faria, a gente ainda não sabe o que está fazendo quando é “pré-adulto”. Ao me formar e ir para o mercado de trabalho, aí sim deu um pouquinho de frio na barriga.

Como foi o ingresso no mercado de trabalho?
Comecei na área comercial, que é muito masculina. Entrei como estagiária da empresa e, além de ser comercial, era no Rio Grande do Sul. O pessoal falava “nossa mas você é louca, vai trabalhar no Rio Grande do Sul? Gaúcho é machista, vai dar tudo errado.” A maioria das meninas que se formaram comigo seguiram a linha mais acadêmica, mestrado, doutorado, estudei na Esalq e ela tem esse viés mais científico. Eram muito poucas as mulheres na área comercial, mas tive a felicidade de ter pessoas que me ajudaram, e a maioria eram homens. Não tinha quase nenhuma mulher de referência no meio.

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Teve de adaptar a postura ou focar em algo para se destacar?
Foquei muito em entregar resultado, ser a melhor profissional que pude naquele momento. Eu estava começando a carreira e aprendendo muito, a minha dedicação sempre foi muito alta para, de fato, mostrar valor e que eu podia contribuir mais na organização. Difícil dizer, olhando hoje, se era por ser mulher ou se por estar começando a carreira, mas me voltava muito a mostrar a que veio. Eu não tive de mudar o meu comportamento, e entendo que para outras pessoas seja diferente. Algumas acabam se masculinizando, mas não foi meu caso particularmente.

Há na família algum envolvimento com o agronegócio?
Diretamente não. Minha família é muito matriarcal, fui criada por uma mãe solteira. Em um dado momento da minha vida, morava com minha bisavó, minha avó, minha mãe e eu. Ou seja, era uma casa de mulheres. Acho que muito do que vivo hoje começou aí, em uma criação em que nunca houve pensar que não poderia algo por ser mulher. Muito pelo contrário. A família da minha mãe tinha trabalhado com fazenda, meu bisavô era engenheiro agrimensor no Mato Grosso do Sul, mas quando nasci já estava urbanizado. Talvez lá nos meus antepassados tem alguma coisa aí que eu puxei.

Lembra de algum episódio de preconceito por ser mulher?
Não vou dizer que sofri. Se eu disser isso, vou ser injusta com quem trabalhou comigo. Já passei por situações em que as pessoas não sabiam o que fazer comigo, em algumas reuniões de liderança, com parceiros comerciais extremamente relevantes em que eu era a única mulher das empresas. Às vezes, as pessoas não sabem o que fazer com você, se devem adotar um protocolo diferente, principalmente as mais tradicionais que estão no mercado há muitos anos. Já passei até por situações engraçadas, de não saberem em qual mesa eu deveria sentar. Não posso dizer que aconteceu algo que fez com que eu me sentisse diminuída, ou situações drásticas de preconceito, não, mas sim situações de desconforto – mais para eles que para mim, para ser muito sincera.

Isso vem mudando?
Bastante. Hoje, há muitas mulheres produtoras rurais, que lideram propriedades. Nos últimos 10 anos, isso aumentou de maneira muito expressiva, então, há um ambiente diferente, mas ainda assim em algumas situações acontece isso. Existem alguns protocolos que, em determinado nível de liderança, determinada posição deve ser tomada, ou falar com determinado nível hierárquico e quando tem uma mulhere eles não sabem lidar. Ela fala em que hora? Como? É diferente? Por outro lado, já vivenciei muitas situações ao contrário: ao verem uma mulher querem entender, saber como a filha pode assumir o negócio daqui para frente. Antigamente, eram os genros que assumiam os negócios, hoje são as filhas.

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O que mais mudou de dez anos para cá?
Se olharmos o dado do IBGE de 2017, e comparar com 10 anos antes, saímos de quase 13% de mulheres à frente de propriedades rurais para praticamente 19%. É um aumento expressivo considerando o tamanho que o agronegócio tem no Brasil. Tem o fato de as mulheres se posicionarem no agro de uma maneira diferente. Elas sempre estiveram presentes, mas não se posicionavam, não eram vocais. Participei de um evento global da Bayer no ano passado e levamos clientes agricultores para falar. Era um painel global com quatro agricultores, dois deles eram mulheres. Isso era impensável quando comecei. Essa geração mais jovem vem se posicionando de forma diferente e isso obriga as empresas a se adaptarem. Nós temos o programa bastante forte relacionado a “Mulheres no agro”, algo forte para falar com as agriculturas, porque, mesmo que ela não tenha a liderança da propriedade, ela tem uma influencia grande nas tomadas de decisão, é sócia do marido ou dos filhos. A presença feminina na tomada de decisão é relevante, e talvez hoje ela só esteja mais clara e vocal. Vejo uma mudança grande no setor, e o Brasil está à frente em relação a outros países da América Latina. Vejo um movimento mais acelerado aqui na inclusão de diversidade.

A maternidade é um fator impeditivo para alcançar cargos de liderança?
Vou te falar pela Bayer, não tenho a experiência própria para compartilhar, mas vemos e temos uma discussão muito forte interna de como de fato criar um ambiente para essa profissional quando ela regressa da maternidade, como ter um ambiente em que ela seja acolhida e não perceba isso como um bloqueador ou algo que segura a carreira. Pelo contrário, vi acontecer nesses anos todos movimentos de promoção, movimentações para outras áreas de mulheres grávidas, ou que acabaram de retornar de uma licença maternidade. Acredito que é uma tendência do mercado em geral.

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