Granado usa seu charme retrô para cativar uma nova geração de consumidores
Com 154 anos de história, a marca carioca se reposicionou e transforma os 'produtos da vovó' itens sofisticados e objetos de desejo
Em 1870, quando o português José Antônio Coxito Granado abriu sua primeira loja na antiga Rua Direita (hoje Primeiro de Março), no centro do Rio de Janeiro, a pequena botica batizada com seu sobrenome produzia apenas medicamentos feitos de extratos vegetais — como plantas, ervas e flores brasileiras cultivadas em seu sítio em Teresópolis. Passados mais de 150 anos, aquela incipiente drogaria da acanhada capital imperial transformou-se ela própria em um mini-império do setor de beleza e cosméticos. O negócio da Granado se manteve relativamente estável durante mais de um século, com pequenas e poucas unidades funcionando em capitais do país. Em 1994, após três gerações sob o comando da família fundadora, a marca foi comprada pelo empresário inglês John Freeman, que desembolsou um valor equivalente a cerca de 100 milhões de reais de hoje em dia. Neste ano, a Granado projeta realizar essa cifra apenas com as vendas de Natal. A companhia deverá fechar 2024 com faturamento de 1,6 bilhão de reais, um avanço de 25% em relação a 2023, quando alcançou pela primeira vez a posição de bilionária, com 1,3 bilhão em vendas.
Como foi possível crescer tão rapidamente? A fórmula está na combinação da tradição com um toque de modernidade, além de uma boa pitada de marketing. A empresa, fundada há 154 anos, manteve o charme retrô que ressoa nas novas gerações — até a palavra “pharmácia”, com a grafia original do século XIX, foi preservada na fachada nas lojas. O rejuvenescimento da marca se deve sobretudo ao trabalho de Sissi Freeman, a filha de John Freeman que ocupa o posto de diretora de marketing e vendas da Granado. Em julho, ela planejou uma megaliquidação que gerou filas virtuais que ultrapassaram as 200 000 pessoas. “O fuzuê foi tão grande que me ligaram para saber se estávamos fechando”, diz Sissi. “De repente, nós éramos a Taylor Swift da perfumaria”, brinca, referindo-se à estrela pop da música.
Avessa aos minimalismos típicos da indústria cosmética, Sissi é, de fato, o principal nome por trás do reposicionamento da Granado. Sob a sua liderança, a empresa passou a apostar em uma estética superlativa que virou fenômeno nas redes sociais, transformando a “marca da vovó” em artigo chique. O apelo vai das embalagens às lojas, com uma paleta de cores e estampas exuberantes que remetem à flora brasileira e ao passado da botica. Em 2005, um ano após Sissi assumir seu cargo, a loja pioneira da Rua Primeiro de Março foi transformada em uma unidade-modelo, restaurando o mobiliário e o aspecto original do século XIX.
Esse foi o marco de uma nova fase. “Vimos as lojas como uma forma de contar a história da Granado e consolidar a empresa como uma marca de tradição”, afirma Sissi. “Nos últimos vinte anos, abrir novas lojas tem sido uma maneira de reafirmar nosso espaço. Fazemos isso com a essência carioca da marca, a brasilidade dos ingredientes e o visual que remete à história do país.” Somente neste ano, foram inauguradas sete unidades seguindo o padrão cuidadosamente planejado. Ao todo, são 100 lojas próprias espalhadas pelo Brasil e outras sete no exterior. Em 2025, a empresa planeja abrir outros oito estabelecimentos em território nacional.
Mas não está só por aqui. Em 2016, a empresa partiu para a internacionalização. A Granado vendeu 35% do capital para o gigante espanhol da moda e perfumaria Puig, representante de marcas como Carolina Herrera e Paco Rabanne. A participação da companhia barcelonesa possibilitou a expansão rumo ao exterior, iniciada no ano seguinte, quando Paris, na França, recebeu a primeira loja Granado em terra estrangeira. De lá para cá, o apelo à brasilidade tropical foi exportado para Estados Unidos, Inglaterra e Portugal. Ao menos outras seis inaugurações externas estão previstas para o próximo ano. Embora as lojas internacionais, pelo menos por enquanto, não respondam por fatia relevante do faturamento, elas funcionam como uma vitrine global e ajudam a fortalecer a marca fora do Brasil.
O plano tem dado certo. Se no passado a Granado ganhou a afeição de clientes nobres, como a realeza brasileira, merecendo o título de “Pharmácia Oficial da Família Imperial”, honraria concedida em 1880 por dom Pedro II, hoje não é muito diferente. Recentemente, a empresa ganhou a aprovação de Faisal Bin Khalid, príncipe da casa real da Arábia Saudita, que visitou de surpresa uma das unidades francesas, no bairro de Marais, e levou nada menos do que um frasco de cada um dos perfumes da casa.
As estratégias adotadas em cada território são diferentes. No Brasil, o principal artifício é a tradição, ostentada em seus longevos 154 anos. No exterior, o que se vende é a brasilidade carioca já testada por marcas de apelo internacional como Havaianas e Farm. “É um Brasil colorido, deslumbrante e selvagem, e que é muito eficaz em uma marca de perfumaria”, diz o especialista em branding Marcelo Boschi, coordenador do curso de marketing estratégico da faculdade ESPM. “Na Europa, o apelo à antiguidade e à tradição acaba tendo menos peso do que aqui, já que muitas marcas por lá são capazes de ostentar o título de centenárias.” Em Portugal, as lojas chamam a atenção para Coxito, o fundador português. “Nós vimos que isso despertava mais a curiosidade do que a estética brasileira”, diz Sissi.
A executiva agora tem um novo desafio: replicar a estratégia na Phebo, irmã caçula da Granado, comprada em 2004. Líder na categoria de sabonetes glicerinados, a Phebo responde por 400 milhões de reais do faturamento do grupo. Sissi planeja reformular a marca, com a abertura de lojas próprias. No Leblon, um protótipo foi recentemente lançado. A novidade busca fortalecer a identidade visual da Phebo e iniciar uma trajetória de separação conceitual entre as duas marcas. “Ambas têm histórias lindas, mas diferentes”, afirma Sissi. “A Granado é mais tradicional, a Phebo tem uma perfumaria mais ousada, uma relação maior com a Amazônia.”
A Granado, que sempre foi conhecida pelos itens de higiene e cuidados pessoais, abriu uma nova vertente de negócios explorando perfumes e produtos para casa, como velas aromáticas e difusores de ambiente. Nesse segmento, a companhia buscou posicionar seus produtos em uma faixa de preço intermediária, entre a perfumaria importada de alto custo e o portfólio de grandes marcas nacionais mais populares. De acordo com Sissi, a empresa busca fragrâncias inovadoras e criativas. Por isso, recorre a perfumistas de várias nacionalidades, que trabalham com total liberdade. Em 2020, para celebrar os 150 anos da marca, a perfumista francesa Cécile Zarokian foi convidada para criar o perfume Bossa, que se tornou um best-seller da empresa. Com notas de coco e maracujá, a fragrância oferece, segundo a perfumista, “a sensação de um dia de verão após um mergulho no mar”. Atualmente, os itens de perfumaria já representam quase um quarto das vendas das lojas da Granado. A produção é feita na cidade de Japeri, na Baixada Fluminense, em uma fábrica que concentra o desenvolvimento de todas as linhas da Granado, exceto os esmaltes.
Há espaço para crescer ainda mais. O setor de perfumaria no Brasil é liderado por empresas como Natura e O Boticário. A Natura, que controla a Avon desde 2020, é a maior do segmento, com 44 bilhões de reais em vendas no ano passado. A empresa vem reestruturando sua operação após a compra da companhia americana, o que resultou em alto endividamento. Ainda assim, conta com mais de 1 000 lojas, entre empreendimentos próprios e franquias, e tem presença em sete países, além de uma ampla rede de consultores independentes. O Boticário, com cerca de 4 000 lojas no Brasil e presença em países como Portugal, Arábia Saudita, Japão e Estados Unidos, é uma potência, que vendeu 30 bilhões em produtos de beleza e perfumaria no ano passado. O Brasil é um colosso do setor. As vendas de itens de higiene e beleza aos consumidores locais somaram 156 bilhões de reais em 2023, o suficiente para fazer do país o terceiro maior mercado do mundo, atrás de Estados Unidos e China. Para nós, o futuro é cada vez mais perfumado.
Publicado em VEJA, novembro de 2024, edição VEJA Negócios nº 8