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Graças a Keynes, não tivemos outra Grande Depressão

O historiador inglês Robert Skidelsky, principal biógrafo de John Keynes, explica porque o pensamento do economista é mais atual do que nunca

Por Beatriz Ferrari, de Campos do Jordão
29 ago 2011, 07h56

A solução para a crise que se iniciou em 2008 e ainda faz a economia dos países desenvolvidos patinar está na obra do economista John Maynard Keynes (1883-1946), afirma seu principal biógrafo, o inglês Robert Skidelsky, 72 anos. O historiador – que escreveu 1.790 páginas de história e ensinamentos do economista que aconselhou poderosos na época da Grande Depressão de 1929 – explica o que Keynes diria hoje a Barack Obama, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy.

Em sua opinião, a política americana de afrouxamento quantitativo – em que o governo antecipa o pagamento de títulos de longo prazo, despejando dólares na economia – peca ao não estimular corretamente a atividade. “Esse afrouxamento quantitativo não é, totalmente, uma proposta keynesiana”, avalia Skidelsky. Ele explica que, para Keynes, a simples impressão de moeda não traz impulso ao consumo e ao investimento.

Em visita ao Brasil para o 5º Congresso Internacional de Mercados Financeiro e de Capitais, realizado em Campos do Jordão (SP) pela BM&FBovespa, Robert Skidelsky falou ao site de VEJA e defendeu por que Keynes é mais atual do que nunca.

O senhor escreveu, na esteira da crise de 2008, um livro chamado “O retorno do mestre” (Ed. PublicAffairs, 256 páginas, sem tradução para o português) em que relembra a relevância de Keynes para o pensamento econômico, mesmo mais de 60 anos após sua morte. Por que as teorias desse economista são hoje mais relevantes que nunca?

Keynes é particularmente relevante porque entendeu como as crises acontecem e, sobretudo, porque se debruçou sobre uma verdadeira calamidade econômica: a Grande Depressão de 1929. Ele dizia que, quando uma crise começa, os governos devem responder a ela, impedindo-a, e não simplesmente deixar o sistema ruir. Esse é o ponto fundamental. Graças a Keynes, não tivemos outra Grande Depressão. Em 2008, quando os bancos, os preços das commodities e as bolsas começaram a entrar em colapso, nos deparamos com todos os contornos de outra depressão profunda, mas os governos conseguiram impedi-la em função das ideias de Keynes. Em todo o mundo, os governos adotaram estímulos para permitir a retomada da atividade.

Durante a Grande Depressão, Keynes propôs o estímulo contínuo ao investimento. Nos Estados Unidos, nos últimos anos, as políticas do banco central americano (Fed) não turbinaram exatamente o investimento. Na Europa, segue-se o caminho contrário ao do impulso à economia, com planos severos de austeridade. Os resultados claramente não têm sido satisfatórios. À luz da teoria keynesiana, o que está errado com as políticas atuais?

O erro do afrouxamento quantitativo [intervenção governamental para injetar dinheiro na economia — como, por exemplo, a compra de títulos bancários], adotado nos últimos anos pelo governo americano, é que essa política significa imprimir moeda. Se você aumenta a quantidade de divisas em circulação, as pessoas vão gastar mais. Os juros caem, as bolsas sobem, há um pouco de inflação e o valor da moeda talvez caia um pouco. Tudo supostamente desenhado para estimular a atividade econômica. O problema é que, como ensina Keynes, o importante é saber como gastar esses dólares. Todo esse dinheiro não tem aportado na economia real, mas sim nos mercados de ações e nos títulos do Tesouro. Se a intenção é realmente estimular a economia, o jeito de fazer o afrouxamento monetário é dar um cheque para todo mundo e definir que o dinheiro só pode ser sacado em dois meses. Só então haverá algum efeito estimulante no consumo. Do contrário, há um buraco entre a impressão de moeda e o gasto. Esse afrouxamento quantitativo não é, totalmente, uma proposta keynesiana.

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Agora, na Europa, o ponto central é que as políticas não produzem nenhum crescimento. Uma grande parte do déficit da Grécia vem de suas instituições financeiras. Esses bancos emprestaram muito de seus pares alemães e franceses. Assim, quando Atenas resgatou seus bancos, assumiu as dívidas. Então, toda essa movimentação para impedir um calote grego é, na verdade, uma tentativa de evitar enormes perdas para os bancos alemães e franceses. Esse esforço é totalmente compreensível. Mas eu pergunto: de onde virá o crescimento? Se o setor privado não está gastando e o governo está cortando despesas, a atividade vai cair. Nós temos uma possibilidade real de um duplo mergulho na Europa.

Keynes foi um conselheiro dos poderosos de seu tempo, sobretudo durante a Grande Depressão; muito embora nem sempre o que pregasse fosse seguido. O que ele provavelmente diria hoje, considerando o contexto, a Barack Obama, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy?

Para o presidente americano, ele diria que é preciso expandir a demanda agregada. Dada sua difícil situação política, uma saída seria criar um banco voltado à infraestrutura, como o próprio Obama propôs inúmeras vezes. Esta seria uma maneira de fazer as pessoas investirem nas partes da economia mais necessitadas. Mas isso se teria de ser feito fora do orçamento. O dinheiro seria concedido pelo banco central, mas seria captado no setor privado. Dessa forma, não aumentaria o déficit público.

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Outra saída é tentar algum acordo com a China. É urgente. Os Estados Unidos precisam reduzir o volume de importações chinesas e aumentar suas próprias exportações. Essa correção ajudaria a indústria americana. Se esse acordo não funcionar, os americanos terão de se proteger com barreiras comerciais.

Para Merkel e Sarkozy, Keynes recomendaria estabelecer títulos de dívida europeus, garantidos coletivamente pelos membros da União Europeia, os eurobonds. Esses papeis iriam encampar grande parte da dívida grega, reduzindo os custos de financiamento da Grécia e de outros países em risco, como Portugal.

A UE precisa também de uma autoridade fiscal comum. Não é exatamente o que eles propuseram recentemente. Por último, os líderes do bloco deveriam criar uma ampla política europeia de investimento. Eles precisam usar o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento ou os fundos disponíveis. Só precisam colocar mais dinheiro nesses fundos. Do contrário, não crescerão.

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Por fim, confiar na China para tirar o mundo da recessão não é o caminho certo.

Keynes defendia que a recuperação da economia deve preceder as reformas. Ele dizia: “Não assuste os investidores no momento em que você quer que eles invistam”. O que estamos vendo agora é exatamente o contrário, não?

Exatamente. É até uma contradição elevar o compulsório dos bancos, por exemplo, ao mesmo tempo em que pede que emprestem mais. Para fazer com que concedam mais crédito, é preciso capitalizá-los. Você não deve impor tamanho sacrifício ao sistema financeiro até que a economia esteja crescendo novamente. O que está acontecendo agora é oposto. Os estados estão atacando os bancos. Não que eles não tenham culpa da crise. Contudo, ao mesmo tempo, os governos querem que eles emprestem mais e mais. Keynes estava certo quando disse, em carta, ao presidente Franklin Roosevelt: “Consiga primeiro a recuperação, depois implemente reformas”. Ou então, nacionalize os bancos.

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Keynes foi nomeado diretor do Fundo Monetário Internacional pouco depois de sua fundação, mas não chegou a assumir porque morreu vítima de um ataque do coração. Caso fosse nomeado hoje, quais seriam suas primeiras medidas?

Ele batalharia para transformar o FMI num banco central mundial, que ele propôs, mas não foi bem-sucedido. Esse BC global transformaria os superávits comerciais chineses, por exemplo, em contas e os déficits de outros países virariam dívidas. O plano de Keynes era taxar esses saldos excessivamente positivos para que nenhum país ficasse por muito tempo com superávits maiores que certo nível preestabelecido. Haveria, igualmente, penalidades para aquelas nações deficitárias. Haveria equilíbrio, enfim. Claro que, na época de Keynes, as moedas não flutuavam. Hoje, temos um sistema caótico em que algumas moedas flutuam, outras são fixas e outras são manipuladas. É uma bagunça. Os resultados da falta de um sistema monetário internacional apropriado é que alguns países, como o Brasil e o Chile, ao receberem enormes fluxos de capital, veem suas moedas valorizarem e precisam tentar, desesperadamente, parar esse movimento.

No pós-Guerra, Keynes propôs a criação de uma ordem monetária e financeira alternativa, com uma moeda única, de valor formulado em ouro. Hoje, num mundo que sofre com a dependência do dólar, viu-se o risco desta alternativa. Todos querem migrar para um sistema misto. Keynes teria errado neste ponto?

Não. Ele propôs, na verdade, uma âncora para ganhar estabilidade; e isso pode ser feito também com uma cesta de divisas.

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