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‘Governo espantou as montadoras que viriam ao país’

Presidente da chinesa JAC Motors, Sergio Habib faz um raio-X do setor automotivo após as medidas protecionistas implantadas no governo Dilma. O diagnóstico: deu tudo errado.

Por Ana Clara Costa
6 jul 2014, 19h38

O governo Dilma empreendeu um esforço hercúleo para agradar as montadoras nacionais. Desde 2011, uma série de medidas protecionistas foi implementada, como aumento de impostos sobre carros importados e exigência de uso de conteúdo nacional para as fábricas interessadas em se instalar no Brasil. Hoje, percebe-se o tamanho do erro. Mesmo com toda a bondade petista, vendas e produção despencam mês a mês. A chinesa JAC Motors vivencia como nenhuma outra os efeitos das medidas desastradas. A companhia havia anunciado a instalação de uma fábrica no Brasil semanas antes do aumento de 30 pontos porcentuais do imposto sobre produtos industrializados (IPI) sobre os carros importados, em setembro de 2011. A ideia era importar veículos ao longo de três anos para então começar a produzi-los no país. O novo IPI inviabilizou as importações e a conjuntura ruim atrasou a instalação da fábrica. Em entrevista ao site de VEJA, o presidente da JAC, Sergio Habib, lamentou a situação. “As medidas dificultaram a entrada de novas montadoras. O governo quis que o empresário se casasse com o Brasil antes de namorá-lo. E ninguém mais quer correr esse risco”.

O novo regime automotivo instaurado pela presidente Dilma, também chamado de Inovar-Auto, fracassou? Ele não atingiu o objetivo do governo porque, em vez de facilitar, dificultou a vinda de novas fábricas ao Brasil. Tanto a JAC quanto a Chery já haviam anunciado fábricas no país antes do Inovar-Auto e antes do aumento do IPI. Mas as novas empresas não vieram. BMW, Jaguar, Mercedes e Audi já estavam no Brasil como importadoras e iam fazer fábrica, com Inovar-Auto ou sem. Já outras marcas asiáticas, como a Wulling e a indiana Tata, não vieram e não vão vir tão cedo.

Por quê? Para montar uma operação em qualquer país, primeiro é preciso ver a aceitação do produto e testar o mercado como importador. Depois de testar, ocorre o investimento. Foi assim na década de 1990 com Toyota, Citroen, Honda, Peugeot, Renault e Nissan. A Citroen importou carros durante 10 anos e só então fez a fábrica. A Peugeot, durante 9 anos. A Toyota começou a importar em 1991 e só em 1999 construiu a fábrica. Todas elas ficaram cerca de uma década importando antes de construir. Hoje, com o Inovar-Auto, você não pode importar sem ter um projeto de fábrica. Ou seja, ele exige que uma empresa se case com o Brasil antes de namorá-lo. E essa não é a lógica para nenhuma empresa. Ninguém topa. O Brasil exige do empresário um cheque de 500 milhões de reais para a construção de uma fábrica sem que ele esteja familiarizado com o mercado brasileiro. Isso não faz sentido para ninguém.

A única forma de testar é pagar o novo IPI? Sim, mas isso é inviável. Os 30 pontos porcentuais que o governo aumentou em 2011 equivalem a um imposto de importação de 85%. Nenhum país decente pratica uma alíquota como essa. E não compensa porque o consumidor não vai pagar. A única forma de importar é por meio de cotas que o governo estabeleceu ao criar o Inovar-Auto. Mas essas cotas funcionam apenas para marcas que já estavam no país, como as de automóveis de luxo, por exemplo. Além disso, o limite de cotas é de 4 500 carros por ano, o que é insignificante para um mercado de 3,5 milhões de automóveis como o Brasil.

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Por que o mercado consumidor de veículos está tão ruim? Nada afeta tanto as vendas quanto a alta dos juros e a falta de confiança no emprego. Se a montadora aumenta o preço do carro de 3% a 4%, o efeito na prestação é muito menor do que quando a Selic passa de 7,5% para 11,5%. E esse impacto é tão significativo justamente porque uma minoria compra carro à vista. Cerca de 65% são financiados. E, justamente porque são financiados, um consumidor não vai se comprometer com a compra de um bem durável caro se não tiver absoluta certeza que terá emprego para conseguir pagar as parcelas. Hoje, as pessoas estão com medo do futuro. O que muitos têm feito é trocar de carro, mas por um usado, não zero. Assim, se arriscam menos, pois gastam menos também. Como resultado, o mercado de carros usados subiu 12% em 2014, enquanto o de carros zero caiu mais de 3%.

A menor oferta de crédito também ajudou nessa piora? Não, de forma alguma. Os bancos não estão mais restritivos hoje do que um ano atrás. O que acontece é que os juros estão mais caros e isso restringe o acesso ao bem. Há ainda a questão da inadimplência, que não é um problema de agora. Desde que a economia começou a desacelerar, três anos atrás, os bancos estão mais rígidos na hora de avaliar o cliente que pede financiamento automotivo. Não é algo que tenha começado em 2014, então não se pode culpá-los.

A Copa teve alguma influência no mercado de veículos? Sim, e relevante. As vendas caíram 17% em relação ao ano passado. Ninguém trabalha, ninguém faz nada. No Rio de Janeiro tivemos apenas 15 dias úteis no mês. Quem consegue vender diante desse cenário? A Copa do Mundo, para quem não tem restaurante, hotel ou bar, foi terrível. Há municípios que decretam feriado em todos os dias de jogos.

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Como será a estrutura da fábrica JAC no Brasil? Está sendo construída em Camaçari, Bahia, e dois terços do negócio pertencerão aos chineses. Eu fico com um terço. Inicialmente, a participação seria o oposto, pois pegaríamos financiamento do BNDES para comprar o maquinário, pelo programa PSI. Mas mudamos de ideia. Como Brasil é caro, o BNDES dá dinheiro a taxas subsidiadas. Em vez de você ter uma taxa normal de juros, você tem uma indústria não competitiva e juros subsidiados. O problema é que mesmo assim não compensa. Um prensa fabricada no Brasil, mesmo com juros baratos, é mais cara do que uma prensa nos Estados Unidos, na Coréia ou na China. No passado, os juros do BNDES eram mais realistas, mas o banco financiava maquinário estrangeiro. A fábrica da Hyundai foi toda construída com máquinas importadas e com dinheiro do BNDES. No nosso caso, a conta não fechou. Vamos trazer máquinas de fora, inclusive da Alemanha, pagando menos. Só que o capital será dos chineses, por isso a troca de participação societária.

Os chineses estão decepcionados com o Brasil? A maior frustração é a mudança de regra. O chinês é muito prudente, estuda o país profundamente e essas mudanças assustam. A JAC recebeu ordem do governo chinês para crescer seu negócio. Para onde eles iriam crescer? O Brasil é um destino óbvio. Agora, o governo pensa que o mercado interno é patrimônio do povo brasileiro e que tem de ser usado por empresas que estão fixadas no país. E isso faz com que a gente pague pelas ineficiências que a falta de concorrência traz. O Inovar-Auto pode até ter sido feito com a melhor das intenções. Mas não precisava disso, não precisava de decreto para convidar um empresário a investir aqui. Todos que se instalaram já tinham planos. Agora, o Inovar-Auto acaba em 2017. Qual empresa que jamais trabalhou em solo brasileiro começaria a planejar sua vinda com base num regime que termina em três anos, ainda mais se permanecer um governo que tem o histórico de mudar as regras do jogo?

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