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Governo dificulta antidumping e indústrias nacionais entram em conflito

Indústrias brasileiras que produzem insumos travam batalha política com o governo e com as indústrias montadoras para tentar manter direito antidumping

Por Josette Goulart 20 out 2020, 13h00

Conseguir um direito antidumping não é algo trivial. É um processo que pode levar anos, precisa estar dentro das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), é necessário apresentar muitas provas de que um país ou uma indústria estrangeiras estão promovendo concorrência desleal e, mais recentemente, o governo brasileiro ainda passou a usar a análise do “interesse público”. Como que sobretaxar um produto, que é o resultado prático do antidumping, afeta a cadeia de produção? Como isso chega ao consumidor final? Desde o início do governo Bolsonaro, está mais difícil conseguir um direito antidumping ou mesmo de manter os que já tinham sido concedidos em governos anteriores.

Nesse novo cenário, o setor industrial brasileiro está travando uma batalha entre si. De um lado, está a indústria que tem suas vendas afetadas por preços incentivados de outros países. Do outro lado, está a indústria que compra esses insumos e quer os produtos mais baratos de outros países, não importando que sejam preços artificiais. No meio do caminho, estão os consumidores que nem sabem de nada disso e que sequer conseguem mensurar se em algum momento serão beneficiados.

Uma das batalhas mais ferrenhas do momento está sendo travada entre a indústria química e a indústria de eletroeletrônicos em torno do direito antidumping que a Braskem tem sobre o polipropileno. O polipropileno é um tipo de plástico que pode ser moldado quando levado a altas temperaturas e é muito usado como insumo para fabricar todo tipo de eletroeletrônicos. A Eletros, a associação que representa esta indústria, garante que o polipropileno é responsável por 30% do custo dos eletroportáteis e 50% do custo para se produzir a linha branca de eletrodomésticos. E, com base nestes números, tenta acabar com o que dizem ser um monopólio da Braskem. A discussão está em torno de sobretaxa sobre produtos que vem da África do Sul, da Coreia do Sul e da Índia. A Braskem, por sua vez, argumenta que sofre concorrência desleal desses países.

A Braskem, neste ano, teve suspenso temporariamente o direito antidumping sobre o PVC, outro tipo de plástico, mas mais flexível e usado em produtos como as sandálias da marca Melissa, por exemplo. Apesar de o direito antidumping contra produtos da China ter sido mantido, ele foi suspenso até que se confirme que a prática desleal continua sendo perpetrada pelo país asiático. Ou seja, a Braskem só terá o direito de levantar proteções quando puder provar que estão entrando no Brasil produtos chineses a preços muito abaixo do mercado. Fontes da Secretaria de Comercio Exterior garantem que uma revisão da suspensão é um processo rápido, mas a empresa teme que seja prejudicada caso haja um processo demorado.

A suspensão temporária do direito antidumping é outro ponto, para além da análise do interesse público, que tem sido usado no governo Bolsonaro. A Secretaria de Defesa Comercial e Interesse Público alega que adota a prática quando não tem clareza sobre se, de fato, uma determinada indústria de um país está dando incentivos que produzam preços artificiais e por isso são prejudiciais a empresas no Brasil. Está também mais difícil conseguir ampliar o direito. A indústria de vidro, por exemplo, está pedindo direitos adicionais sobre a importação de prateleiras de geladeiras porque, segundo eles, as sobretaxas que estão sendo praticadas hoje não inibiram a concorrência desleal da China.

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Uma das grandes reclamações em relação à China é que o país promove uma série de incentivos a algumas indústrias capazes de tornar seus produtos extremamente baratos comparados a outros mercados, muitas vezes o preço final não paga nem o custo de produção num outro país. As fabricantes de seringas descartáveis, por exemplo, que serão muito usadas para a aplicação da vacina contra a Covid-19, têm o direito antidumping sobre os produtos que vem da China. Esse direito chegou a ser suspenso em alguns meses durante a pandemia, mas agora voltou a valer.

O ex-diretor da área de defesa do comércio do então Ministério da Indústria e do Comércio, Marco Cesar Saraiva da Fonseca, que hoje presta consultoria para algumas indústrias, diz que o processo de interesse público da forma como está sendo feito está sobrepondo duas áreas da Secretaria de Defesa Comercial. De um lado, um grupo faz análise sobre o direito antidumping e do outro lado, uma outra equipe, trabalha para derrubar o direito. Outro ponto que dificulta é o fato de a secretaria exigir que os produtores nacionais apresentem os dados das práticas desleais de outros países. Como que uma indústria no Brasil vai conseguir levantar e mostrar dados da indústria chinesa, por exemplo, que é pouco transparente? O governo sai pela tangente e diz que, desde o ano passado, terminou uma espécie de “prazo de teste” da China na Organização Mundial do Comércio, o que significa que a partir de agora os países têm de pressupor que os dados apresentados pelo país são reais.

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“Está mesmo mais difícil do que há cinco anos de se renovar um direito antidumping”, diz o advogado Rene Medrado, que já foi inclusive painelista da Organização Mundial do Comércio. Ele ainda levanta um outro ponto: o fato de uma indústria estrangeira ou país que vende para o Brasil poder pedir a análise do “interesse público” no processo. Esta é uma regra que, segundo Medrado, é raramente usada em outros países justamente porque o antidumping já é um processo muito criterioso, difícil de ser obtido. A estimativa é que apenas 1% dos produtos brasileiros tenham algum tipo de proteção deste tipo. Medrado diz que as regras antidumping ajudam a promover a abertura comercial, já que é uma válvula de escape para algumas indústrias que não têm base de competição com outros países.

A secretaria de defesa comercial explica que a análise de interesse público passou a ser obrigatória em novos pedidos de direito antidumping, mas que faz parte de novas regras já estabelecidas em governos anteriores. Nas revisões, que acontecem a cada cinco anos, é necessário que alguém provoque o pedido de análise do interesse público.

Nas associações de  indústrias que estão perdendo os direitos antidumpings a conversa está cambando para dois lados: a judicialização dos processos antidumping e uma forte atuação no Congresso Nacional com o argumento de que a Secretaria de Defesa Comercial, ligada ao Ministério da Economia, está legislando.

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