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Fusão entre Linx e Stone pode virar briga na Justiça

Acionistas minoritários da Linx consideram negociação como abusiva pela diferença abissal entre recebíveis e multas milionárias por quebra de acordo

Por Felipe Mendes Atualizado em 14 ago 2020, 02h46 - Publicado em 13 ago 2020, 15h47

Um negócio que parecia tão perfeito como necessário. Na última quarta-feira, 12, a Stone, empresa de meios de pagamento, anunciou a compra da Linx, cuja principal finalidade é desenvolver softwares para varejistas, por 6 bilhões de reais. A princípio, todos comemoraram. Ao adquirir a Linx, que possui mais de 40% de presença de mercado, a Stone se aproxima ainda mais dos pontos de venda e exerce pressão sobre suas principais rivais, como Cielo, GetNet, PagSeguro, que buscam formas de se reinventar diante da modernidade que afugenta o uso das maquininhas. Mas ao analisar a negociação com lupa madrugada adentro, a Fama Investimentos, cujos gestores detêm cerca de 3% do capital acionário da Linx, identificou um fator agravante na negociação. Segundo a gestora, os principais executivos da Linx receberão um total de 46 reais por ação, prêmio de aproximadamente 35% sobre o valor que os sócios minoritários da empresa terão direito. Além disso, a multa caso o negócio não avance é tida como abusiva por eles. Se os acionistas da Linx não aceitarem o acordo, a empresa terá de arcar com uma cláusula de 125 milhões de reais; do outro lado, a quebra do tratado exerceria uma multa compensatória de 605 milhões de reais por parte dos acionistas da Stone.

Na manhã desta quinta-feira, 13, a Fama Investimentos divulgou uma carta pública para informar os pormenores da transação. Agora, está recebendo apoio de outros acionistas minoritários. Uma guerra judicial não está descartada. “Ontem foi o dia do susto e da nossa motivação de expor o caso. Nós vemos que tem tido um movimento muito grande em relação a prática do ESG no Brasil e, portanto, seria um contrassenso os investidores dizerem que estão cada vez mais preocupados com questões de governança e deixarem passar uma transação que fere os princípios da boa governança”, afirma Fabio Alperowitch, cofundador da gestora. “A minha percepção é de que esse movimento ganhará corpo e, conforme isso aconteça, nem será necessário fazer algo formal contra a Linx, porque talvez a própria companhia entenda que passou do ponto e recue. Isso eventualmente pode evoluir para algum movimento coletivo”.

Alperowitch admite, no entanto, que os valores discutidos são bons e a fusão irá fortalecer ambas as companhias. O que ele não concorda é a ‘obrigação’ de aceitar um acordo que favorece, principalmente, os executivos da Linx. “A Linx e a Stone colocaram os minoritários numa posição em que eles sequer podem exercer seus direitos de discórdia. Para eu discordar de um ato ilícito, eu preciso pagar por isso. É uma doideira”, afirma ele. “Nós esperamos que a transação siga em frente, mas que os termos sejam discutidos e revistos”. Caso a negociação entre os acionistas minoritários evolua, o negócio ainda terá de ser aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Na noite desta quinta-feira, a Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, informou que abriu dois processos administrativos envolvendo a Linx. Uma das ações diz respeito a “notícias, fatos relevantes e comunicados”. Um dia antes de firmar o acordo com a Stone, a Linx viu seus papéis dispararem 31,5%, a maior alta da história da empresa em um único pregão.

Leia a íntegra da carta:

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Na qualidade de gestores de recursos detentores de cerca de 3% do capital social da Linx S.A., a FAMA Investimentos vem a público se manifestar sobre os termos da referida transação.

No anos 70, Lamy Filho e Bulhões Pedreira, coautores da Lei das SA, afirmaram em carta ao Ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen: “a diferença entre as ações de controle e as minoritárias em geral é relativamente pequena, pois, a não ser quando o controle é exercido abusivamente em benefício do controlador, não assegura vantagens patrimoniais que justifiquem a atribuição de valor muito maior às ações de controle”.

Infelizmente, o alerta não foi suficiente para coibir uma série de transações que se sucederam nas décadas seguintes, em que controladores se apropriaram injustificadamente de um prêmio de controle excessivo, lesando os acionistas minoritários.

O advento do “Novo Mercado” tentou, entre outras coisas, conter práticas como esta, e definiu que as companhias integrantes deste segmento, tido como o mais diferenciado em termos de governança corporativa, oferecessem “100% de tag along”, um mecanismo de proteção aos acionistas minoritários que garante aos mesmos o direito de alienar sua participação na companhia investida nas mesmas condições percebidas pelo acionista controlador em caso de venda de controle.

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Infelizmente, nem as boas práticas preconizadas pelos coautores da Lei das SA nem as diretrizes do Novo Mercado são capazes de coibir estratagemas criativos que são desenhados para driblar os conceitos e compromissos pré-estabelecidos.

É neste contexto que lamentamos e refutamos veementemente os termos estabelecidos na transação entre Linx e Stone, divulgados na presente data.

Encontramos diversos pontos que nos causam estranheza e incômodo no acordo anunciado, pois ferem nitidamente os bons princípios de governança corporativa, bem como a conduta moral e ética que não apenas esperamos, mas exigimos das companhias com as quais estabelecemos relação de sociedade.

Causa-nos profunda preocupação e decepção que três conselheiros da Linx tenham negociado, por meio de “Contratos de Não Concorrência” e de “Proposta de Contratação de Executivo”, a obtenção de valor muito superior ao valor a ser recebido pelos minoritários.

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A “Proposta de Trabalho” para o Sr. Alberto Menache, para um período de três anos (compreendendo apenas quatro dias de trabalho por semana no primeiro ano, três dias no segundo e dois dias por semana no terceiro ano) tem valor de aproximadamente R$ 75 milhões de reais, além do salário mensal de R$ 416 mil reais e outros benefícios. Importante ressaltar que o Formulário de Referência da Linx, no item 13, informa que as maiores remunerações anuais na Linx nos anos de 2017, 2018 e 2019 foram de R$ 9,8 milhões, R$ 5,1 milhões e R$ 18,2 milhões, respectivamente.

Considerando os valores de fechamento do dia 11 de agosto das ações da Stone, os “Contratos de Não Concorrência” por três anos destes conselheiros (Sr. Alberto Menache, Sr. Nércio Fernandes e Sr. Alon Dayan) são avaliados em cerca de R$ 240 milhões de reais.

Assim, este grupo, formado por membros que compõem 3 dos 5 assentos do Conselho da Linx receberá, de forma combinada, ações no valor aproximado de R$ 315 milhões de reais. Esses mesmos membros, de acordo com o Formulário de Referência, possuem aproximadamente 26 milhões de ações da Linx.

Portanto, de acordo com a transação, como acionistas, os três membros do Conselho receberão quase R$ 900 milhões em troca das suas 26 milhões de ações (considerando o valor de R$ 34 por ação, extensível a todos os minoritários).

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Contudo, somando os valores referente aos contratos supramencionados, o valor total a ser recebido pelo grupo será de aproximadamente R$ 1,2 bilhão, o que resultaria em um valor de R$ 46 por ação, prêmio de aproximadamente 35% sobre o valor a ser recebido pelos minoritários.

No caso do Sr. Alberto Menache, o prêmio é ainda mais elevado, pois considera o montante referente a “Proposta de Trabalho” elevando o valor para exorbitantes 63% a mais que o valor estimado a ser recebido pelos minoritários. (1)

Curiosamente, é até difícil entender o sentido lógico de alguém poder ter, simultaneamente, um contrato de trabalho e uma remuneração por “non-compete”. Quem está trabalhando pode competir consigo mesmo?

A FAMA Investimentos advoga há anos pelos princípios éticos e pela prática da boa governança, segundo a qual os acionistas devem sempre ser tratados com isonomia e respeito. A transação em questão fere aquilo que acreditamos ser o nosso princípio mais importante: a ética.

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É lamentável e inaceitável que, ao apagar das luzes, uma trajetória de sucesso empresarial seja manchada em definitivo pela criatividade maléfica que já deveria ter ficado no passado.

O mundo atual, cada vez mais vigilante às questões de respeito e ética, não tolera práticas que visam burlar as regras do jogo.

 

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