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Fundos sociais ganham espaço na Europa e nos EUA, mas ainda são incipientes no Brasil

Fundos transformam vidas e geram retorno concreto para a sociedade e acumulam um patrimônio total de US$ 765 mi e beneficiam diretamente 3,5 milhões de pessoas

Por Luana Zanobia 30 nov 2024, 08h00

Nos últimos anos, o conceito ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança) alastrou-se pelo meio corporativo e resultou em iniciativas com a promessa de tornar o mundo melhor. A questão ambiental parecia ser a mais promissora, com projetos de preservação que consumiram bilhões de dólares em investimentos. Muitas dessas iniciativas, contudo, ficaram manchadas pelo chamado greenwashing, expressão surgida para designar empresas que promovem práticas sustentáveis mais como ferramenta de marketing do que como um genuíno compromisso com os impactos positivos que elas provocariam. Em outra frente, uma abordagem pode aliviar, em parte, a decepção com os rumos do ESG: são os fundos de impacto social, que vão além da lógica do lucro a qualquer custo. Eles focam em transformar vidas, financiando iniciativas que gerem benefícios concretos.

Um levantamento realizado pela plataforma Indigo, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, constatou que existem pelo menos 300 fundos de impacto social no mundo, sendo apenas 34 em países emergentes. Eles acumulam um patrimônio total de 765 milhões de dólares e beneficiam diretamente 3,5 milhões de pessoas. Embora a tendência esteja ganhando tração, ainda é incipiente no Brasil, onde, paradoxalmente, a demanda por projetos com impacto social deveria ser maior. O Reino Unido, pioneiro nesse tipo de investimento, abriga 99 fundos, seguido por Estados Unidos (28) e Portugal (23).

No Reino Unido, o movimento ganhou tanto destaque que foi reconhecido até pela Coroa britânica. A brasileira Daniela Barone, residente no país há mais de vinte anos, foi agraciada com o título de Oficial da Ordem do Império Britânico, honraria concedida pela realeza em reconhecimento à sua contribuição ao avanço dos investimentos de impacto social. Barone deverá receber o título diretamente das mãos do rei Charles III, em uma cerimônia sem data confirmada. Atualmente, a executiva preside a Snowball, gestora de ações de impacto social fundada por ela em 2019, que administra 40 milhões de libras esterlinas — quase 300 milhões de reais. Antes disso, a economista de formação já tinha ampla experiência no setor.

Stephen Muers, do banco Better Society Capital: uso de dinheiro esquecido
Stephen Muers, do banco Better Society Capital: uso de dinheiro esquecido (./Reprodução)
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Sua influência no Reino Unido está relacionada ao papel que desempenhou na criação, em 2012, do Big Society Capital — atualmente, Better Society Capital —, o primeiro e único banco de impacto social do mundo. Na ocasião, o governo britânico buscava uma solução para os chamados ativos dormentes — recursos não reclamados, como contas bancárias de falecidos sem herdeiros, que somavam montante estimado entre 300 milhões e 600 milhões de libras esterlinas. Como membro de uma comissão consultiva, ela ajudou a transformar esses recursos esquecidos em capital para financiar projetos de impacto social. “Nosso objetivo é repensar a economia e o destino dos investimentos”, disse Barone. “Não se trata de maximizar lucros a qualquer custo. O retorno financeiro, claro, é importante, mas a pergunta que devemos fazer é: qual é o tipo de impacto que estamos dispostos a aceitar para alcançar esse retorno?”

arte fundo social

Ela diz que o investimento de impacto social deve ser guiado por dois pilares. O primeiro deles é o que chama de “intencionalidade”, ou seja, o capital deve ter o propósito claro de gerar impacto social ou ambiental. O segundo princípio, nomeado “adicionalidade”, obriga o investimento a resultar em algo inovador, um serviço ou produto que faça a diferença e alcance públicos negligenciados. Um exemplo dessa abordagem é a empresa Auticon, que emprega, como consultores de tecnologia, pessoas que se enquadram no espectro autista. De origem alemã, a Auticon tem ajudado esse público a escapar do assistencialismo estatal no Reino Unido. Com clientes como a montadora BMW, a seguradora Allianz e a consultoria Deloitte, a empresa emprega 600 pessoas autistas em quinze países. Recentemente, expandiu suas operações, abrindo um escritório na Irlanda. Outra empresa que recebeu aportes da Snowball é a britânica Lendable, que leva crédito para regiões onde é difícil conseguir empréstimos, especialmente na África e na Ásia. O que a Lendable faz é fornecer dinheiro para fintechs que, por sua vez, oferecem linhas de financiamento a pessoas e pequenos negócios sem condições de obtê-las em bancos tradicionais.

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Atualmente, os fundos sociais no Reino Unido representam modesto 1% de todo o setor de gestão de investimentos do país e 8% do mercado global de impacto social. Por lá, o Better Society Capital é um dos propulsores desse mercado. O banco já contribui com mais de 100 000 empresas com propósito social, que geram 60 bilhões de libras esterlinas para a economia do país e empregam 2 milhões de pessoas. “Para impulsionar o crescimento da economia britânica, não podemos nos limitar a grandes negócios e à indústria pesada”, disse Stephen Muers, presidente do Better Society Capital. “Precisamos explorar o potencial empreendedor de todas as partes da nossa sociedade — empresas e organizações, grandes e pequenas, em todas as comunidades.” Um dos setores promissores onde o banco tem investido são as startups de tecnologia.

Equipe da Auticon: a empresa só emprega pessoas do espectro autista
Equipe da Auticon: a empresa só emprega pessoas do espectro autista (./Divulgação)

Nesse quesito, o Reino Unido, de fato, é um exemplo para o mundo. Na última década, a região aumentou em sete vezes os aportes em startups que causam impacto social, o que se deve sobretudo ao surgimento do ImpactVC, um complexo empreendedor fundado pelo então Big Society Capital e que reúne mais de 500 fundos de capital de risco para promover as “tecnologias do bem”. Uma das soluções que saíram dali foi criada pela Skin Analytics, que desenvolveu um dispositivo de inteligência artificial capaz de detectar precocemente lesões cancerígenas, aliviando a pressão sobre o sistema de saúde público britânico.

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arte fundo social

O potencial dos negócios de impacto social foi detectado em recente estudo do Grantham Re­search Institute da London School of Economics. Segundo o levantamento, esses fundos poderiam desbloquear até 5 bilhões de libras esterlinas nos próximos cinco a dez anos. Em outubro deste ano, o governo britânico deu os primeiros passos nessa direção, anunciando a criação de um fundo oficial de investimento de impacto social. O secretário-chefe do Tesouro, Darren Jones, indicou que o governo está considerando investimentos de impacto como parte de sua estratégia para financiar promessas de campanha do primeiro-ministro Keir Starmer, que assumiu o cargo em julho.

Skin Analytics: inteligência artificial detecta precocemente lesões cancerígenas
Skin Analytics: inteligência artificial detecta precocemente lesões cancerígenas (./Divulgação)
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O modelo britânico deveria servir de inspiração para países emergentes como o Brasil, que enfrenta um grande déficit fiscal ao mesmo tempo que precisa responder a enormes demandas sociais. A adoção de uma abordagem semelhante poderia ajudar a reduzir a carga sobre os cofres públicos, canalizando capital privado para áreas como educação, saúde e habitação. “Eu diria que esse movimento já está começando no Brasil e em outros países emergentes”, afirma Barone. “No entanto, ele ainda é desigual e pouco disseminado.” O desafio, segundo ela, é transformar o que hoje é uma prática de nicho em algo mais abrangente e acessível, permitindo que se torne a regra, não a exceção. Se bem implementados, os fundos de impacto social poderiam ser a chave para uma economia mais justa e sustentável — tanto no Brasil quanto no mundo.

Publicado em VEJA, novembro de 2024, edição VEJA Negócios nº 8

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