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Espero ver cinemas, bares e restaurantes lotados em breve, diz André Sturm

Diretor do Belas Artes acredita que "novo normal", com espaços entre espectadores, não vingará no Brasil; com a pandemia, cinema tem lançado diversas ações

Por Felipe Mendes Atualizado em 30 Maio 2020, 12h55 - Publicado em 30 Maio 2020, 12h53

André Sturm, ex-secretário de Cultura da cidade de São Paulo, luta para equilibrar os pratos e conter os efeitos da pandemia do novo coronavírus sobre a receita do seu principal negócio. Diretor-executivo e programador do Petra Belas Artes, um dos mais tradicionais cinemas de rua da capital paulista, ele tenta converter o período nebuloso em que o espaço cultural está de portas fechadas em um ensejo para arrecadar recursos para pagar salários e aluguel. Tão logo anunciado o interrompimento da programação do Belas Artes em decorrência das medidas restritivas para evitar o contágio da enfermidade, ainda em março, o espaço lançou uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo), por onde conseguiu arrecadar 60.990 reais. Depois, lançou um leilão com objetos doados por artistas e, mais recentemente, firmou uma parceria com o Memorial da América Latina para a realização de um cine drive-in, com pelo menos 35 filmes para motoristas e passageiros que estacionarem no pátio do complexo arquitetônico idealizado por Oscar Niemeyer (1907-2012). O Belas Artes drive-in inicia suas projeções em 16 de junho. Sturm, no entanto, confessa que não vê a hora de rever os amigos para compartilhar uma mesa de bar e voltar a frequentar as salas de cinema. “Espero que, muito em breve, possamos ver bares e restaurantes lotados, e cinemas cheios de pessoas. A vida é isso, é estar próximo às pessoas”, diz.

Durante a pandemia, o Belas Artes já realizou um crowdfunding para arrecadar recursos, um leilão com relíquias de artistas e, mais recentemente, anunciou que realizará um cine drive-in em parceria com o Memorial da América Latina. Como o espaço tem se reinventado neste período? Nós fizemos um crowdfunding em que mais de 700 pessoas contribuíram. Foi muito legal. É motivador ver tantas pessoas a fim de ajudar o cinema. Depois disso, pensamos em como poderíamos ter uma segunda ajuda. Foi aí que começamos a fazer uma sequência de leilões. Todo dia tem algum leilão. Vários artistas doaram objetos pessoais, exclusivos, que são ligados a filmes em que participaram. Isso está sendo bacana, pois atrai atenção e as pessoas acabam contribuindo. No dia 16, nós vamos começar o drive-in, que é uma outra maneira de o cinema estar funcionando e de aproveitar os funcionários para que eles também possam trabalhar. É difícil ficar pagando os salários com as pessoas em casa. O fechamento de cinemas, de maneira geral, é complicado porque são espaços que têm equipes grandes e, portanto, folhas de pagamento grandes. Ou seja, o prejuízo é enorme. Mas estamos encontrando alternativas para enfrentarmos esta fase.

Como funcionará o cine drive-in produzido pelo Belas Artes no Memorial da América Latina? A ideia, com o drive-in, é atrair pessoas que estiverem de carro. As pessoas estão loucas para sair de casa, mas ainda têm uma preocupação com o risco de contaminação pelo coronavírus. Dentro do carro, elas estarão num ambiente isolado e controlado. Portanto, é uma maneira de sair de casa sem correr riscos.

O Belas Artes chegou a mandar funcionários embora por conta das restrições para o funcionamento durante a pandemia? A nossa equipe inteira é composta por 56 pessoas. Elas estão todas em casa e nós estamos pagando seus salários. Fizemos uma redução de 30% do salário em um mês, porque, afinal de contas, os funcionários estão em casa. Foi uma conversa que eu tive com a equipe e todos acharam justo, já que nos comprometemos a não demitir ninguém. Essas ações que nós estamos fazendo, o crowdfunding e os leilões, são para levantar recursos para pagarmos os salários. E, agora, com o drive-in, vamos poder aproveitar a nossa equipe, que tem expertise em atendimento ao público e projeção de filmes. Ou seja, as pessoas que frequentam o Belas Artes poderão reconhecer a nossa equipe no drive-in.

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Nós tivemos, na última década, o retorno de vários cinemas de rua em São Paulo. Pouco antes da pandemia, o tradicional Cinearte, que estava instalado no Conjunto Nacional, fechou as portas. Qual é a dificuldade para se manter um cinema, que ocupa um espaço considerável, em um dos metros quadrados mais caros de São Paulo? A principal dificuldade é o aluguel. Você tem que pagar um aluguel competitivo com o mercado. Só que o cinema tem desvantagens em relação a outras atividades. Eu preciso, por exemplo, de um espaço grande, mas tenho uma área de faturamento pequena. No cinema Belas Artes, 30% da área é ocupada por poltronas. O restante é ocupado por saguão, banheiro, área de circulação, área de espera, escada de emergência etc. Logo, a nossa rentabilidade por metro quadrado é muito menor em relação a uma loja de conveniência, que pode colocar uma gôndola a cada metro quadrado, por exemplo. Essa é a grande dificuldade. Por isso, nós precisamos de um patrocínio, como o da Petra [linha de cervejas do Grupo Petrópolis], que é fundamental para conseguirmos pagar o aluguel e operar.

Em 26 de maio, a Câmara aprovou um projeto de lei que prevê o repasse de 3 bilhões de reais da União ao setor cultural durante a pandemia de Covid-19. Parte desse montante, será usado para subsidiar a manutenção de espaços artísticos e culturais que tenham interrompido as atividades em razão das medidas restritivas dos governos. O Senado ainda precisa apreciar o texto, batizado de Lei Aldir Blanc. Como o senhor analisa a proposta? Acho que qualquer medida é bem-vinda. Nesse projeto, uma parte dos recursos é voltada para pessoas físicas, para artistas, e outra parte para os espaços culturais. Confesso que ainda não li os detalhes para ver se conseguiremos nos enquadrar nesta Lei. Se for possível, faremos parte. O cinema Belas Artes fechado custa 350.000 reais ao mês. Então, estamos tendo um prejuízo enorme, que está sendo diminuído pelas contribuições que as pessoas estão fazendo e, também, porque o proprietário reduziu um pouco o valor do nosso aluguel. Enfim, estamos seguindo. O que mais nos preocupa é que no anúncio do governo estadual para a retomada e flexibilização, os cinemas ficaram na última fase. Ou seja, não temos uma previsão. Acho que isso foi um erro. Alguém, na última hora, deve ter se esquecido do nosso mercado. É um cenário sombrio não ter uma perspectiva para a reabertura.

E o senhor tem participado de algum comitê de empresários para a reabertura do comércio em São Paulo? Sim. São Paulo está dividindo essas reuniões por secretários de cada área. E eles estão ouvindo. O governo do estado tem sido muito aberto para ouvir os setores da sociedade. E eu acho que essa flexibilização que acontecerá a partir da segunda-feira, 1º, é muito por conta disso.

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NOVOS TEMPOS – Companhia de teatro Berliner Ensemble: espaços entre cadeiras marcam ‘novo normal’ na Alemanha (Reprodução/Instagram)

Recentemente, uma imagem da Berliner Ensemble, companhia de teatro alemão fundada por Bertold Brecht, com menos da metade das poltronas, causou um choque imediato sobre como será os espaços culturais depois da pandemia. Como o senhor imagina o “novo normal” para eventos culturais no Brasil? Olha, mesmo correndo risco de ser ofendido, admito que eu não acredito nisso. Sou radicalmente contra. Acho que não tem “novo normal” nenhum. A vida deve seguir como ela sempre foi. As pessoas têm que se encontrar, que se reunir, têm que se abraçar e se beijar. Acho que cinemas e teatros têm que voltar a ser como sempre foram. É claro que estamos num período de transição. Por conta disso, num primeiro momento, vamos vender os ingressos da sala com distância de uma cadeira entre as pessoas, a não ser que sejam para casais ou pessoas da mesma família. Mas isso se dará por um período curto de tempo. O mundo sempre teve doenças, gripes e outras coisas, e as pessoas sempre conviveram. A convivência humana é o que caracteriza a civilização. Aquela foto, na minha visão, é uma vergonha. Achar que aquilo pode vir a ser um “novo normal”? Eu sou radicalmente contra. Espero que, muito em breve, possamos ver bares e restaurantes lotados, e cinemas cheios de pessoas. A vida é isso, é estar próximo às pessoas. Sou completamente contra essa história de “novo normal”. Respeito a opinião de qualquer um, mas, para mim, não tem “novo normal” e eu não vejo a hora de poder ver o meu cinema cheio e os cinemas de outros cheios. É o que mais desejo.

O senhor, há pouco tempo, foi um dos principais cotados para assumir a secretaria do Audiovisual. Por que não deu certo? Eu não tenho como dizer os motivos, porque nunca me candidatei. Foi uma surpresa. Eu obviamente fico muito envaidecido do meu nome ter sido tão falado na época. Mas nunca existiram conversas nesse sentido. Chegaram a cravar que eu tinha sido convidado, mas não fui e sequer me candidatei.

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E como o senhor avalia o período em que a Regina Duarte esteve à frente da pasta da Cultura? Acho que não tem o que falar, porque, infelizmente, essa gestão “não aconteceu”. Não dá nem para dizer que foi ruim. Acredito que ela não estava muito bem preparada e, ainda, foi pega pela pandemia. É claro que na hora em que ela tem uma gestão nula, numa situação como essa, vira uma gestão ruim. Hoje, nós temos uma crise na cultura brasileira. Digo isso não porque sou uma pessoa da área, mas é fato que a cultura foi o primeiro setor econômico a ter seu faturamento zerado e ter seus espaços fechados imediatamente, antes até do que muitos outros setores. Ficou sem renda alguma. No nosso setor, não tem delivery, não tem como improvisar. O setor foi a zero e a área do governo federal responsável por ele ficou completamente ausente. Isso é ruim, claro.

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